ThiagoDamasceno: Crônica: As Nuvens Não São De Algodão

domingo, 29 de janeiro de 2012

Crônica: As Nuvens Não São De Algodão

Crônica escrita em 19/11/11

As Nuvens Não São De Algodão

Por Thiago Damasceno

“Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram que os ventos, às vezes, erram a direção”
(Humberto Gessinger em Somos Quem Podemos Ser)

            Quando eu era criança, com cerca de cinco ou seis anos, tinha um desejo: Quando chegasse à idade adulta, construiria uma casa gigante onde morariam todos os meus parentes e amigos. Teria todas as pessoas que me interessavam por perto. Como todos estariam sob o mesmo teto, sempre iríamos nos divertir juntos. Eu nem pensava em momentos de tristeza. Quão puros e inocentes são os desejos de uma criança! Desejos esses que o passar dos anos destrói e mostra o porquê. Quando somos crianças, cremos que as nuvens são de algodão e quando já estamos crescidos, aprendemos que algodões não pairam no céu. Interpreto basicamente dessa forma a letra de Somos Quem Podemos Ser do Engenheiros do Hawaii. Acredito que ela fala das dores e descobertas do crescimento. 

            Se hoje eu fosse rico e conseguisse construir meu hipotético casarão, nem todos que pensei de início poderiam morar nele. Por quê? Por que as pessoas seguiram (e seguem) rotas diferentes. Muitos entes queridos, infelizmente, falecem e outras se transformam em “cadáveres ambulantes”. O que são esses “cadáveres ambulantes”? São nossos antigos amigos que não vemos ou falamos há algum ou muito tempo e assim, praticamente morrem pra nós. Por várias causas, desde as bobas como o desleixo, às mais sérias, como intrigas profundas, perdemos contatos que antigamente nos eram caros. Algumas pessoas reatam os laços e outras não.

            E quanto à família? Parentes também brigam por diversas razões. Às vezes as relações familiares se tornam tão difíceis que se tem a noção de “família” em outras pessoas que não dividem com você a mesma carga genética pelo fato de você se relacionar melhor com elas. O fato é que as pessoas brigam, se distanciam e trocam entre si um perpétuo mutismo ou poucas palavras. E quanto mais se faz isso, mas as coisas pioram.

            A leitura do conto “Uma Amizade Sincera” da coletânea Felicidade Clandestina (1971), de Clarice Lispector, aborda essa questão. Nessa estória, dois amigos que contam tudo um ao outro vão se distanciando com o tempo. Terminam dando adeus e ambos não desejam se ver mais. Na literatura e neste mundo de oceanos e continentes, a distância e o tempo, simplesmente, afastam as pessoas. Isso em parte considerável dos casos.

            E o que fazer quanto a isso? A resposta fica com cada um. Como já disse, uns escolhem “refazer” os contatos e consertar o estrago. Em muitas vezes, as pessoas não fazem isso. Por mais bizarro que pareça para os “humanamente corretos”, desatamos os laços com algumas pessoas e nem damos por suas faltas. É fato que ninguém precisa de todos. Nem todas as pessoas nos interessam. Não é um pensamento pessimista se se pensar que conhecemos pessoas todos os dias e novas amizades são formadas. Você conheceu uma pessoa ontem, hoje percebeu que não a conhecia muito bem e amanhã a amizade estará encerrada. Depois de amanhã, talvez, você faça um novo amigo. Talvez.

            Quero apenas constatar a certeza de que nos afastamos de muitas pessoas no decorrer do tempo. Alguns se impressionam e sofrem com isso, mas acho que é porque pensavam que as nuvens eram feitas de algodão. Quando se vê que algodões são encontrados em plantações ou vendidos em caixas de papel e pacotes de plástico, fica-se mais preparado para percorrer a incerta e frágil existência.

Um comentário:

  1. Olá Thiago! Embora sutil percebo uma nostalgia em teu texto......
    Enaltece-se tanto as amizades eternas...mas a maioria delas é passageira...e isso tem seu lado positivo....a capacidade de "deixar andar" e se desprender é recompensada pela possibilidade de novos encontros e recomeços, pq não? abraços!
    Andréia Galvão

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