ThiagoDamasceno: 2014

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Crônica: Cenas de Fim de Ano


Cenas de Fim de Ano

Por Thiago Damasceno


Entre o recebimento de um troco e uma olhada rápida na prateleira de livros na calçada, uma série de pensamentos podem passar pela nossa mente, desde as contas pendentes à questão fundamental da metafísica: “Por que há alguma coisa ao invés de nada?”. Avistei o livro Cenas de Nova York & Outras Viagens do grande louco Jack Kerouac e me lembrei de uma porrada de coisas, tudo conectado ao que senti quando pisei em Goiânia no agradável fim de tarde de 12 de dezembro.
 
            Desci na Praça Cívica e logo me lembrei dos tempos em que morava aqui, cursando História e procurando algum evento interessante pela cidade nos finais de semana. Posteriormente, no fim do curso, e já empregado, o tempo e o prazo de entrega das coisas ficaram mais apertados, mas no fim deu tudo certo. Após tanta correria, angústias de escolhas, dores de futuro, enfornamentos em casa, amizades, filmes, livros, debates acadêmicos e filosofias de botecos, restou a saudade daquele tempo, de ser jovem universitário. Mas o passado é uma sombra. Está sempre em algum lugar.

            Saindo da Praça Cívica encontrei na Avenida Goiás um amigo da Filosofia. Vamos chama-lo aqui de Nietzsche da Silva, com a certeza de que ele iria odiar isso. O termo “dor do futuro” é dele. Faz menção às angústias que sentimos das escolhas no presente devido às suas várias e possíveis consequências. A condição humana seria mesmo sofrer por antecipação? Alguma corrente filosófica ou religião, ocidental, oriental ou central poderiam ajudar? Ou, como cantaria Belchior, “Eu não estou interessado em nenhuma teoria, nem nessas coisas do Oriente, romances astrais, a minha alucinação é suportar o dia a dia, meu delírio é experiência com coisas reais... Amar e mudar as coisas me interessa mais...”.

            E até quando podemos amar e mudar as coisas? Mas concordo plenamente com a ideia de que escolhas e movimentos do cotidiano já são uma baita alucinação.

            Naquela conversa profunda sobre o nada acerca do tudo (típica conversa do pessoal de Humanas), havia um sujeito estranho por perto, tentando ouvir a conversa sem ser reparado. Quando ele teve coragem de nos abordar, disse que percebeu que éramos professores e perguntou se queríamos dar aulas pra um grupo de escoteiros. Coisa de doido! Coisa de doido por ser tudo meio assim... de supetão.

            O sujeito até nos ensinou o aperto de mão dos escoteiros e até se saiu bem com as investidas bem humoradas de Nietzsche da Silva, que ficou indignado quando descobriu que o sujeito não sabia nadar. “Como assim um escoteiro não sabe nadar?!”. “Mas cada um tem sua função. Eu trabalho com comunicações e rádio” – respondeu nosso sujeito. “Ah sim, é tudo bem especializado que nem a indústria burgueso-capitalista” – completei, em tom de chacota.

Nietzsche da Silva realmente dá – ou melhor, vende, e por um preço baixo – suas aulas. Eu só tenho a formação em licenciatura. Mas ambos recusamos o Chamado à Aventura do arauto dos escoteiros. Ficou pra outro dia ensinar tudo que queremos aprender.

E no meio daquela bagaceira urbana, me vi em meio a um turbilhão de pessoas andando de um lado pro outro, furando o sinal, esperando ônibus, correndo, vendendo e comprando, fazendo tudo desesperadamente, como se aquilo tudo que fizessem fossem salvar suas vidas e o mundo. Mas o mundo estava alheio a nós, girando em desacordo com a nossa vontade, pouco se importando com os votos artificiais de “Feliz Natal!” e “Um Próspero Ano Novo!”.

            Então me caiu a ficha que o Natal já estava chegando junto com o Ano Novo e o Especial de Fim de Ano do Roberto Carlos. Mais do Mesmo + Coisas Inéditas vindas com o rastro de 2015.

            Foi um ano importante como nunca este 2014. Foi um ano de mais uma Jornada do Herói, de sair do aconchego de casa e se lançar rumo a outros mundos, conhecendo diversos arquétipos. E como se não bastasse, “Você nem sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer”. Nada é permanente.


            Muito obrigado a todas as leitoras e leitores pela atenção e carinho. Ano que vem, estaremos novamente em contato por meio destas páginas virtuais ou, quem sabe, por meio de um desses encontros casuais na rua.



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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Última Leitura: A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson

A Ilha do Tesouro

Por Thiago Damasceno


Os amantes da literatura de aventura não podem ir para a misteriosa aventura final – a morte - sem ler esse clássico do escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894), ambientado nos mares e ares do século XVIII.
           

            Publicado pela primeira vez em 1883, A Ilha do Tesouro conta a estória de um tesouro escondido em uma ilha misteriosa. Premissa bastante padrão, talvez até para sua época, mas Stevenson vai além, explorando as psicologia e os diversos tipos de relações entre os personagens.

            Tudo começa quando um velho marinheiro se aloja na estalagem Almirante Benbow, de propriedade da modesta família Hawkins. Esse marinheiro, com uma cicatriz no rosto e demais características sombrias, pede que o chamem de “Capitão” e, apesar de reservado e taciturno, conta histórias incríveis quando bebe, conquistando certa simpatia dos demais e se aproximando do pequeno Jim Hawkins, que ajuda seus pais nos negócios da estalagem.
           
            A relação entre o Capitão e Jim é permeada por medo e submissão por parte do garoto, mas no seu leito de morte, o velho marinheiro lhe revela um grande segredo: o mapa de um tesouro.

            Pouco depois da morte do Capitão, a estalagem é atacada por um bando de piratas. Jim foge da estalagem, contando toda a história e mostrando o mapa para o único médico e juiz da localidade, o doutor Livesey, e para seu amigo, o elegante e tagarela Lorde Trewlaney. Os três têm então a ideia de procurar o tesouro.

            Trewlaney compra um navio em Bristol, chamado Hispaniola, e reune um grupo de marujos experientes, dentre os quais, o estimado Long John Silver, um marujo sem uma das pernas e com um papagaio no ombro.

            Reunida tripulação e organizado o navio, o bando parte rumo à misteriosa Ilha do Tesouro. E os problemas começam...

            Como Lord Trewlaney fala demais, assim, alguns marinheiros descobrem o real motivo da missão. Isso não seria problema se todos os marinheiros tivessem um bom caráter... Parte deles são antigos companheiros do lendário e terrível pirata capitão Flint. Começa então, em pleno alto-mar, uma rede de intrigas, conspirações e traições que movimentam o romance até a última página.


      Os personagens citados, incluindo o Capitão Smollet, são bem desenvolvidos psicologicamente, lutando para viver perante as intempéries naturais e humanas, inclusive Jim hawkins, que apesar de pequeno, não deixa a desejar em atitude.

            A riqueza dos personagens é tamanha que os fãs de Lost certamente perceberão aquele que ajudou a inspirar o personagem Benjamin Linus, conhecido por ser um verdadeiro demônio da palavra, criando jogos mentais entre os “mocinhos” da série e os Outros.  

            Pelo que escrevi até agora, fica claro que segredos na ilha, tiros e sangue, conspirações e conflitos de grupos fazem parte da trama bem tecida por Stevenson. Seu estilo é bastante descritivo, carregado de adjetivos e advérbios. Porém, não atrapalha o andamento das ações, que são muitas, inclusive, e espetaculares. A riqueza de detalhes de navios e do modo de vida no mar descritos em todo o romance mostram o homem do amor que era Robert Louis.


Stevenson nasceu em 13 de novembro de 1850 na capital escocesa Edimburgo no seio de uma família abastada e regida pela moral calvinista. O pai e um tio de Stevenson tinham formação em engenharia náutica e hidráulica, a mesma formação que o futuro literato concluiria, seguida por Direito. Porém, o gosto do jovem pelas viagens e pela literatura era maior. Veio de berço. Seu pai e sua mãe, Margarida Balfoor, adoravam viajar. Balfour contraiu tuberculose e, posteriormente, Stevenson também. A procura por climas mais amenos apenas intensificou o gosto pelas viagens.

Robert Louis começou a publicar em 1866 em ensaios para revistas, mas sua obra é vasta, passando por contos, romances e ensaios de aventuras, amor, terror e comédia. Em Marselha, na França, nasceu A Ilha do Tesouro, dois anos após um retorno conturbado à Suíça à procura de um clima mais agradável.

Antes disso, conheceu a norteamericana Fanny Osbourne durante férias na França. Tal paixão virou uma verdadeira loucura. Em 1879, chegou a Stevenson notícias de que ela não estava bem de saúde, na Califórnia. O escritor, mesmo doente e desobedecendo aos conselhos médicos, fez uma penosa viagem para a América. Foi em um cargueiro de emigrantes mal equipado e com instalações sanitárias precárias. Quase morreu na viagem.

Mesmo com muitas publicações, a glória literária e a retribuição financeira só chegaram a Stevenson após a publicação de O Estranho Caso do Doutor Jekyll e o Monstro, em 000, bastante adaptada para o cinema e outras mídias nos séculos seguintes.

Stevenson deixou seu lugar ao lado de grandes nomes da literatura inglesa como Sir Walter Scott. Morreu em 03 de novembro 1894, após uma hemorragia causada pelo rompimento de um vaso sanguíneo, na ilha de Upolu, no arquepélago de Samoa, no Pacífico americano, onde morava desde 1889. Foi apelidado pelos indígenas do local de Tusitala (contador de histórias). Apelido bastante válido.

Referência

STEVENSON, Robert Louis. A Ilha do Tesouro. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda., 2002.

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terça-feira, 4 de novembro de 2014

Crônica: Lavar Calçada: Péssimo Hábito!

Lavar Calçada: Péssimo Hábito!

Por Thiago Damasceno


Passada a folia (ou não) com as eleições, falemos sobre um assunto de (também) dar um pesar existencial.  


Até o presente momento nunca saí das fronteiras desta nação verdeamarela, mas não é preciso tal experiência pra saber que lavar calçada é um péssimo hábito! E que irrita os adeptos do uso consciente dos bens naturais!

            Ainda é comum ver tanto nos interiores quanto nas capitais: um sujeito ou uma sujeita pega uma mangueira e maneja-a como um samurai, espalhando água pela calçada e puxando-a com uma vassoura e um rodo e repetindo inúmeras vezes tais movimentos até que a calçada se torne portadora do conceito subjetivo de limpeza.

            A pessoa fica lá, tranquila e calma, como se estivesse com toda a razão do Universo ao lavar algo que imediatamente após a lavagem irá novamente se sujar com a passagem de bicicletas, pessoas e cachorros. A não ser que tenha acontecido um assassinato na sua calçada, espalhando sangue, ou alguém tenha vomitado até a alma na porta da sua casa, ou defecado uma obra megalomanicamente fedida, não lave sua calçada!

            Passe uma vassoura, o que for, mas não, não lave sua calçada!

            Todos sabem que a água é um recurso natural que um dia vai acabar. E além do mais, usar ÁGUA POTÁVEL pra lavar calçadas é o ápice do humor negro, o clímax do abominável!

            Você que está aí pensando que eu sou doido ou mais um “desse ambientalistas enjoados”, lembre-se desta crônica quando estiver agonizando de sede em um mundo sem água potável com zumbis esfomeados batendo à sua porta à procura de carne!


Infelizmente, enquanto uns ainda têm água pra lavar calçada, tem outros sofrendo com a falta de água em casa devido a vários fatores, desde mau planejamento político à falta de chuva. Não custa uma gota de suor lembrar sempre a ideia de usar a água de maneira inteligente e econômica.

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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Última Leitura: Percy Jackson & Os Olimpianos: O Ladrão de Raios

Percy Jackson & O Ladrão de Raios

Por Thiago Damasceno



Adaptado para o cinema em 2010 sob direção de Chris Columbus, o romance juvenil publicado em 2005, de autoria do texano Rick Riordan, arrebatou e vem arrebatando fãs por todo o globo. Lembro bem que ano passado, durante meu estágio curricular em História, ministrei aulas para o ensino médio com a temática Mitologia Grega. Utilizei como meios o filme Percy Jackson & O Ladrão de Raios e o game God of War. Os alunos adoraram. Meses depois ainda ficavam falando daquelas aulas. Fiz algo simples e produtivo: abordar um tema usando elementos da realidade dos adolescentes.  



              Creio que o “segredo do sucesso” de Percy Jackson é sua visão de mitologia grega de maneira bastante criativa e adaptativa ao real. No universo de Percy, todas as histórias mitológicas foram e são reais e os personagens míticos atuam normalmente até hoje, mas nós não os percebemos claramente.
           
            Como mestre centauro Quíron explica para Percy, no livro, o que conhecemos como “civilização ocidental” não é um conceito abstrato. É uma força, uma consciência coletiva da qual os deuses fazem parte. Os deuses estão intimimante ligados a essa civilização, embora seja um mistério se eles são ou não sua fonte.

            Sendo assim, nossa civilização começou na Grécia e foi migrando pelo mundo, passando por Roma, Portugal, Inglaterra e foi seguindo pelas potências da história mundial até chegar à atual potência: Estados Unidos da América.

            Comentário latinoamericano com veias abertas: Defesa maior do imperialismo estaduniente... Impossível! Os deuses estão com eles e Pobre México: tão longe de Deus...

        Nessa migração do Olimpo, os humanos expressam, conscientemente ou não, os deuses em suas diversas criações, como na águia do símbolo norteamericano, que não é nada mais do que a águia de Zeus; a estátua de Prometeu no Rockfeller Center, entre outros exemplos.
           
            Na mesma conversa de Quíron, o deus Dioniso também caçoa da ideia humana de que a ciência é uma etapa “final” e madura de conhecimento, que estaria muito acima da mitologia primitiva. Ele lembra que a ciência de hoje pode ser a mitologia de amanhã, relativizando assim, o conhecimento humano no decorrer das eras.  

            E é nesse universo que mescla nosso mundo moderno com o mundo mítico antigo que o adolescente Percy Jackson descobre ser um meio-sangue – ou semideus – filho de Poseidon e que está metido numa baita encrenca: no roubo do raio-mestre de Zeus!

            Assim como no filme, no livro há uma conspiração olimpiana envolvendo Percy injustamente, e ele tem como amigos o sátiro Grover e a meia-sangue Annabeth, filha de Atena. Os três partem em uma extraordinária jornada para provar a inocência de Percy, descobrir o verdadeiro ladrão da arma principal de Zeus e resgatar a mãe mortal de Percy do Hades. Coisas básicas.



O enredo geral é o mesmo no livro e no filme, mas no livro há mais profundidade, claro. O que é comum no cinema block buster, que simplifica, tornando as coisas mais fáceis de digerir, atraindo mais público. Mas o filme é uma ótima adaptação.

            No livro, há um vilão acima do ladrão de raios, um vilão bem mais primitivo e forte. E entre o ladrão de raios e o vilão-mestre também há um deus perigosíssimo, que chega a enfrentar Percy. O submundo é representado como algo bem mais perigoso e grotesco e no decorrer do livro são feitas piadas – que são ótimas - com temas atuais, como o crescimento do protestantismo sensacionalista na TV. Enfim, o livro é mais crítico, sombrio e violento do que o filme.

            Só vejo um ponto negativo no livro, mas que não compromete a obra: o número de aventuras menores vividas pelos heróis antes da aventura decisiva. Claro que em toda Jornada do Herói tais aventuras são fundamentais para os heróis conhecerem os mundos novos, serem testados e se fortalecerem, mas há alguns capítulos de O Ladrão de Raios que na minha visão não contribuíram para o todo da obra. Parecem mais encheção de vinho no cálice de Dioniso. Mas como eu disse, isso não compromete a obra.

            Percy Jackson é uma boa dica de leitura e cinema e, para quem trabalha em sala de aula com História, também é um bom meio de abordagem. Seu autor, Rick Riordan, nasceu em 1964 em San Antonio, no Texas e por quinze anos ensinou Inglês e História em escolas públicas e privadas de São Fancisco.


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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Música: O Lado B da Legião Urbana

O Lado B da Legião Urbana

Por Thiago Damasceno


“Minha papoula da Índia, minha flor da Tailândia,
 Chega, vou mudar a minha vida...
Deixa o copo encher até a borda
que eu quero um dia de Sol num copo d´água!...”
(A Montanha Mágica)


No próximo sábado, 11 de outubro, será o marco de dezoito anos da morte de Renato Russo, um dos ícones do rock brasileiro dos anos 80. Entrando no clima de nostalgia e apreciação, comentarei aqui algumas canções que considero como o Lado B da Legião Urbana. São canções ótimas, mas pouco conhecidas por quem não é fã de carteirinha.

            Pra galera que nasceu do início dos anos 2000 pra frente, aproveito pra lembrar que nos saudosos LP´s e fitas havia dois lados, geralmente, o A e o B. Na primeira metade, o lado A, se gravavam os hits, seguindo os costumes comerciais da arte. No lado B, a segunda metade, se gravavam as canções que não foram comercialmente planejadas pra se tornarem hits.

            Um pequeno esclarecimento: não sou tão velho como podem pensar. Sou apenas do tempo das fitas. E sim, eu vi o CD nascer e sim de novo, mp3 nos anos 90 era ficção científica.

            Vale ressaltar que o critério de Lado B aqui é totalmente pessoal e nem todas as canções citadas pertencem à segunda metade dos álbuns.

Começando por ordem cronológica e linear dos lançamentos dos álbuns...

            Em Legião Urbana (1985) destaco O Reggae e Por Enquanto. Com O Reagge, a Legião fez uma boa composição na vibe do nosso sangue latino, contando um pouco a história de um sujeito que vive no mundo do crime desde a mais tenra infância. Com Por Enquanto, temos algo mais doce e nostálgico. É uma ótima canção de despedida e de fim de álbum. Ficou mais conhecida na versão de Cássia Eller. Já até encontrei muita gente que não sabia que ela era de Renato Russo e Cia. Pena que a Legião não a gravou ao vivo nos shows, ou pelo menos eu nunca a ouvi tocada ao vivo pela Legião.

            Em Dois (1986), um álbum mais refinado, intimista e violonado, temos Acrilic on Canvas e Andrea Doria. A primeira tem uma linha de baixo típica das discotecas dos anos 80. No meu entendimento, essa canção fala sobre um relacionamento amoroso um tanto conturbado e artístico. A letra é sofisticada ao misturar coisas do coração com coisas de pintura. Já Andrea Doria, parece falar de prostituição ou perda de inocência. Seu instrumental introdutório mais elaborado nos introduz em um clima mais filosófico. Finíssimas essas duas canções, finíssimas.

Porém, seria injustiça não mencionar Música Urbana 2, um blues bem brazuca: “Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música urbana. Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres tocam música urbana. Motocicletas querendo atenção às 3 da manhã é só música urbana. Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana....”. Todo mundo só conhece Música Urbana (1): “Contra todos e contra ninguém...”.

            Depois do Começo, do álbum Que País é Esse? (1987), temos um ska com letra animada e brincalhona: “Vamos deixar as janelas abertas, deixar o equlibrio ir embora, cair com um saxofone na calçada, amarrar um fio de cobre no pescoço”. Algo mais de boa dentro da porradaria e protestos do álbum mais rock and roll da banda.

            E do caprichado álbum As Quatro Estações (1989), cito Eu Era Um Lobisomem Juvenil e Sete Cidades. Eu Era Um Lobisomem tem uma letra enorme que fiz questão de copiar na capa do meu caderno da 8ª série. Até hoje não sei bem do que se trata essa canção, mas ela é ótima, caprichada. E quanto à Sete Cidades, quem nunca teve um amor platônico adolescente ao som dessa música é bom arrumar um jeito de voltar no tempo.




           No meu álbum preferido, V (1991), tiro com louvor o chapéu pra A Montanha Mágica e L´Âge d´Or. O título da primeira canção é o mesmo do romance de Thomas Mann, de 1924. Li em algum livro ou em entrevista com Renato Russo que, segundo o mesmo, A Montanha Mágica é a melhor canção em língua portuguesa sobre drogas. Concordo plenamente. A levada blues dessa música é bem bacana, viajada.

            Já L´Âge d´Or.... bem, não sei o que essa canção com nome italiano diz ao certo, mas eu a adoro. Fala sobre religião, vícios e de quebra, cita Fernando Pessoa. A levada rockeira dela é muito legal e até diferente do arranjo de guitarras padrão da Legião. Dado Villa-Lobos fez bem nessas duas canções, e Renato Russo mostrou um lado letrista mais poeticamente sujo e ousado.

            Ultimamente, tenho ouvido muito o disco V e essas duas canções em especial. O disco foi concebido no modelo dos álbuns de rock progressivo dos anos 70 e tem mais sofisticação escrita e sonora, apesar de abordar o velho e errado clichê da Idade Média como Idade das Trevas. Como bom receptor das vibes do seu tempo, Renato Russo uniu o conceito tenebroso de Idade Média com aquela ressaca pós-Collor de forma magistral. É o álbum mais refinado da Legião, sem dúvida. E trata de temas mais duros como vícios, incertezas e medos. Olha o sopro do dragão!

            Concluindo as citações do Lado B da Legião, menciono A Fonte, que dá um clima dantesco e diabólico ao bucólico (rimou) e sentimental O Descobrimento do Brasil (1993), meio que já entrando na onda depressiva dos álbuns seguintes da Legião, nos quais Renato Russo exprimiria todo seu pesar com a aproximação da morte.



Apesar de não ver mais com bons olhos coisas que Renato Russo fazia como declamar mensagens de positividade a torto e a direito e cantar de forma charlatã - forçando para o grave e pomposo - em algumas canções, é fato que Legião Urbana é obrigatória pra quem quer conhecer a música popular brasileira e aprender a tocar os instrumentos mais populares. Respeito a banda com muito carinho, sou fã e, como já disse, escuto até hoje, mas com outros ouvidos e focos, apreciando principalmente os álbuns Dois (1986) e V (1991).

            Jamais esquecerei que Legião foi minha porta de entrada pra vários becos culturais e algumas experiências no campo da música. Renato Russo é um desses artistas que a gente pensa: “Se esse cara tivesse vivo, imagina só o que iria fazer...”, como Morrison, Hendrix, Raul, Chico Science e outros imortais da música.  

            No mais...

Valeu, Trovador Solitário! 












segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Crônica: Como Um Coração Partido Me Perturbou Na Madrugada

Como Um Coração Partido Me Perturbou Na Madrugada

Por Thiago Damasceno


O autor tomou a liberdade de alterar o nome dos envolvidos e de não mencionar datas precisas para evitar possíveis possibilidades indigestas com as pessoas da trama.
Os editores


Se eu existisse na Terra-Média de Tolkien, certeza que seria um hobbit de Bolsão. É porque sou do tipo que prefere ficar no aconchego da toca, mas quando uma aventura aparece, eu caio dentro, querendo ou não e felizmente ou não.  

            Foi assim numa madrugada (des) qualquer.

            Estava assistindo Romasanta: A Casa da Besta quando a luz foi pra Mordor. Então relâmpagos e trovões passaram a compor a sinfonia da noite. Os relâmpagos iluminavam toda a kitinete, tirando raios-X das paredes. Os trovões faziam o ar vibrar. Ambiente ideal pra fabricar a criatura do Doutor Frankestein.

            Então os elfos de Valfenda chegaram e a luz voltou. Terminei de ver o filme. O sono já havia então se fortalecido nas cavernas do inconsciente. Dormi.

            Oh, fatídico Destino, por que não me destes pelo menos um singelo sinal do que viria em seguida?! Por que és tão inexorável perante nossas tolas mortalidades?!

            Chega de melodrama barato. Vamos aos fatos.

Era mais ou menos uma da madrugada quando acordei com o interfone tocando.

- Ti-ri-ri-rrinnnn!!!

Fazia um silêncio denso, e aquilo vibrou o ar que nem os trovões. Me levantei. Ouvi uma discussão na kitinete vizinha e um abre e fecha de portas. Era um casal discutindo. O interfone voltou a tocar. Mais portas abrindo e fechando. Na verdade, eu estava tão semisonâmbulo que não lembro da quantidade de sons e da ordem das coisas. Minhas percepções dormiam.

            Sei que após certo tempo o silêncio retornou e voltei a dormir.

            Então o interfone tocou de novo. Alguém estava na calçada tentando entrar, mas todos os moradores do lote têm suas próprias chaves. Quem seria àquela hora?

Não lembro o que fiz. Sei que quando o bendito interfone tocou de novo eu levantei na cama (de novo) e só então resolvi atender com um Mas que diacho!... na cabeça.

- Oi... – falei.

            Ninguém, só aquele ruído de estática.

- Oi... – repeti.

            Uma moça atendeu. Chorava. Soluçava. Sofria.

- Moço, abre pra mim, por favor... – pediu.

- Hãã?!  

- Abre pra mim, por favor... Eu preciso entrar.

- Quem tá falando?

- É a Helena. Deixa eu entrar, por favor...

        Helena. É o mesmo nome de uma personagem de um romance que estou escrevendo. E a minha Helena se envolve com uns sujeitos perigosos. Pensei: “Tô num episódio de Além da Imaginação e meus personagens viraram realidade. Fodeu!...”.

            Também pensei que seria um golpe e que quando eu abrisse o portão, uma ruma de assaltantes fortemente armados invadiria o lote e roubaria todas as kitinetes.

- Deixa eu entrar, por favor, eu prometo que vou deixar o portão aberto...

            Se ela soubesse o que se passava na minha mente, tenho certeza de que não teria usado esse argumento.

- Por favor, eu tenho que falar com o Menelau. Deixa eu entrar.

Então fui despertando mais e mais e entendendo que esse era o casal que tinha brigado minutos atrás. Menelau é meu vizinho. Só conheço de vista.

Ele é universitário e um dia desses vi uma moça com cara de universitária saindo semiabruptamente da sua kitinete. Sua saída coincidiu com a hora em que eu estava chegando à minha toca hobbit. Seria a mesma moça daquele dia? Esses jovens de hoje...

Preocupado também com uma possível violência à moça, perguntei:

- Ele tá te machucando?

- Ele me magoou... – disse ela, meiga como uma heroína mal amada de uma novela mexicana.

- Mas é caso de polícia? – insisti, em busca da verdade.

- Ele me magoou...

- Ah, moça, então eu não tenho nada a ver com isso não... – afirmei, frio e calmo como um vulcano, como eu havia ficado durante todo o diálogo.

- Deixa eu entrar, por favor...

            Baseado nessa pequena antiterapia e na ideia de que Se ela conseguiu falar isso tudo do lado de fora, quer dizer que não está sofrendo violência física, telefonei pra Agamenon, dono das kitinetes, que mora no mesmo lote.

- Alô – disse ele, com uma voz bastante acordada pro horário.

- Seu Agamenon, é o Bilbo Bolseiro. Desculpa incomodar, mas é que tem uma moça aqui chorando e querendo entrar...

- Ah, é a ex-namorada do Menelau. Ele disse que ela tá meio descontrolada da cabeça.

- Ah tá... Ela não para de interfonar.

- Tira o interfone do gancho.

            Obedeci. E tentei voltar a dormir. Demorou. Sonhei com elfos, hobbitses nojentos e cavalos de madeira.

            No dia seguinte, encontrei Seu Agamenon e ele resumiu a história, que bate com o que pude presenciar.

            Alguém abriu o portão do lote pra que Helena pudesse entrar. Ela o fez. Em seguida, Helena pulou o muro do castelo de Menelau e este fez questão de levar a moça de volta pra fora. A partir disso, não sei por quê Hades ela escolheu interfonar na minha toca de hobbit pra tentar entrar de novo em Tróia.

            Acontece. Vez ou outra, a aventura nos chama. 


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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Política: “Os Brasileiros Fazem a Festa da Democracia!”: Coisas Que Não Aguento Mais Ouvir

“Os Brasileiros Fazem a Festa da Democracia!”: Coisas Que Não Aguento Mais Ouvir

Por Thiago Damasceno


O Dia D das eleições está chegando e eu tenho certeza de que vamos ligar a TV para assistir às coberturas ao vivo das votações e ouvir jornalistas dizendo coisas como “Os brasileiros fazem a festa da democracia!” e “o Brasil dá um show de democracia!”. Eu não aguento mais ouvir essas coisas, essas mesmices, essas bobeiras pseudo-semipoéticas...

            Desde que me entendo por gente a TV divulga esses discursos bobos que mascaram o real. Eu mesmo vou votar com medo. E você? Vou votar com medo de que tudo piore (contrariando a tese de Tiririca de que Pior não fica), vou votar com medo de que um partido de ultradireita radical - se é que ainda existem partidos de direita e esquerda - faça merda demais e com medo de que alguns malucos que a volta dos militares se tornem mais influentes.

            E depois das posses dos novos eleitos, a gente fica com aquela sensação de “Mamãe, fui enganado” ao primeiro escândalo de corrupção.

            No momento, no único país pentacampeão de futebol do mundo, não há nada de festa nem show democrático, o que há é um povo que aos trancos e barrancos tenta conseguir um ingresso pra essa festa que vivem falando.  

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Política: Jogar Político Em Caçamba de Lixo: Já Pensou Se Vira Moda?

Jogar Político Em Caçamba de Lixo: Já Pensou Se Vira Moda?

Por Thiago Damasceno


Na última terça-feira (16/09) na Ucrânia, parte da galera grilada da capital Kiev jogou o deputado Vitaly Zhuravsky numa caçamba de lixo. O dito cujo ficou lá, todo de terno e gravata, com pasta de couro e tudo, junto com a lixaiada proviente sabe-se lá de onde.

            O fato em si, tomado de forma isolada, é desumano, mas você concordará comigo que o sujeito mereceu: ele tentou criar uma lei que limitava protestos contra o governo.

            Quando vi a cena, imediatamente pensei: “Já pensou se isso vira moda?”. Se vira, deveríamos também pensar em novos conceitos de lixões, aterros sanitários e reciclagem.

            Mas será que político desonesto e incompetente merece ser reciclado?

            Cada um deve ter uma resposta pra essa pergunta assim como - das profundezas do subconsciente político de cada cidadão deve brotar - uma lista negra da cambada oficial que mereceria estar na lixeira.

            Talvez isso um dia vire moda no mundo, mas acho difícil virar moda aqui no Brasil. Aqui, político é faraó, é representante de Deus na Terra, é receptáculo de toda pompa e respeito.

            E pior: nós brasileiros não levamos política a sério. E pior ainda: nós brasileiros não nos levamos a sério. 


https://www.youtube.com/watch?v=Rv1C-67ZNCs


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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Crônica: 108 Minutos

108 Minutos

Por Thiago Damasceno

Saudações, caras amigas leitoras e caros amigos leitores que há quase três meses não leem nada deste aspirante a escritor!

            Pois é, sumi de novo – pra variar – mas isso não está relacionado a nenhuma abdução alienígena, sobrevivência a queda de avião numa ilha misteriosa ou sequer a uma viagem ao Tibete em busca de iluminação espiritual. Meu sumiço está diretamene relacionado à aprovação em primeiro lugar em um concurso público federal e à mudança de cidade e suas consequências. Foi tudo meio rápido e impactante, que nem a goleada dos germanos sobre nossa seleção canarinho.

No meio disso tudo, minha necessidade de exibição via Internet estava em baixa mas agora ela vem voltando (Polêmica!). E a necessidade de escrever estava me dando azia, pois precisava escrever pra digerir as mudanças e precisava digerir as mudanças pra escrever.

Vamos agora aos negócios...

Neste texto, quero falar sobre um tema que vem “perturbando o meu viver”, como diria qualquer canção romântica de pagode: os acasos e imprevistos da existência.

O tema parece bobo, mas um dia me dei conta de que por vezes podemos esquecer o quanto o acaso tem influências em nossos planos e rumos “traçados”. Pensamos em um projeto há curto, médio ou longo prazo e corremos atrás. Quando damos por nós, estamos em uma coisa totalmente diferente ou parecida. “Parecida” pra quem realmente mantém um ritmo constante no seu plano. Óbvio que nem tudo acontece como o planejado, mas eventos derivados do seguimento do plano e coisas imprevistas acontecem o tempo todo e mudam o rumo das coisas. E muitas vezes nem nos damos conta disso e nos adaptamos a nova realidade, às vezes nem tão esperada assim. É como se você tivesse a ideia de atravessar o Mar Vermelho a nado e depois de muitos acasos e imprevistos, acaba atravessando o Saara a pé.


Para visualizarmos melhor a coisa, melhor ir pra ficcção. Cito então o caso do personagem Desmond David Hume, do famoso seriado Lost, um dos meus preferidos. 


Desmond era um sujeito “comum”, sobrevivendo entre um emprego aqui e acolá até que se apaixonou por Penelópe Widmore, filha de um empresário milionário, e isso gerou o início da guinada de sua vida. Rejeitado pelo pai de Penelópe, e após uma conturbada convivência com a namorada, Desmond decide mostrar ao Sr. Widmore ser merecedor de sua filha, então parte para uma volta ao mundo em um veleiro, e sozinho.

Desmond treina, arruma um veleiro e vai na sua volta ao mundo. Acaba naufragando em uma tempestade e acorda numa ilha. Um homem misterioso o leva para uma escotilha no subsulo da selva. Lá, Desmond aprende que a ilha é misteriosa e que ele deve digitar um código em um computador anos 70 a cada 108 minutos. O código é 4 – 8 - 15 – 16 – 23 – 42. Se o código não for digitado, o mundo pode acabar.

No decorrer da trama parece que esse lance de fim do mundo é tudo besteira... Mas é um pouco de verdade. E como se tudo isso não bastasse, a consciência de Desmond ainda adquire a capacidade de viajar pelo tempo, tornando-o um cidadão mais e mais confuso.

Pois bem, a vida do pobre Desmond virou de cabeça pra baixo. Saiu completamente dos planos.

Até o próximo post!

4 – 8 – 15 -16 – 23 - 42

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Crônica de Viagem: Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui

Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui 

Por Thiago Damasceno

Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui... Essa frase infeliz foi criada e musicada por mim em 2010, quando eu era apenas um mero calouro de História da Universidade Estadual de Goiás numa viagem com a galera do curso à tranquila cidade do sudoeste goiano. A viagem tinha fins didáticos, paradidáticos e etílicodidáticos. Era um congresso internacional de História na UFG. Eu não conhecia o mundo naquele período, mas hoje o conheço após andar tanto em viagens, seja acompanhado por uma cambada de suaves facínoras, seja como um lobo solitário, como a última que fiz a Jataí.


            Não foi tão legal quanto em 2010, mas vamos lá...


         Dessa vez eu fui de ônibus, diferente da ida via avião para Cuiabá. Humilhação total. Mas cheguei bem. Logo que desci na rodoviária fui lavar a cara no banheiro para tirar a eterna poeira da estrada e, ao sair, um cidadão um pouco mais jovem que eu, e mal vestido do tanto que tentou combinar roupas “descoladas”, tentou barrar minha saída com um gingado de dinossauro bêbado, sorrindo como só os idiotas saber sorrir. Fitei-o e tirei meu corpo de sua torpe presença. Mentalmente, amaldiçoei sua linhagem até a quinta geração.

            Passado esse aborrecimento, fui a um hotel lá perto, dentre vários. E para minha surpresa, a energia elétrica do quarto também funcionava via cartão magnético, que nem o hotel de Cuiabá! Mas como meus ditosos leitores já podem esperar, tais artimanhas tecnológicas do terceiro milênio não podem mais assolar minha mente inquieta. Manejei o cartão como só um ciborgue artesão maneja seus cartões!

            Passada algumas peripécias envolvendo caminhadas angustiantes sob o Sol em busca de elementos básicos para sobrevivência como lan house e folhas Chamex, repousei e fiz o que tinha que fazer e, no fim da tarde do dia seguinte, chegando a hora de ir para a rodoviária para pegar o ônibus da volta, cheguei a pensar: “Putz, fiz nada aqui, não aconteceu nada. A viagem não vai render nem uma crônica...”. Pobre de mim, este reles mortal que vos escreve, cujo pensamento infantil e ansioso foi ouvido por Cronos, o deus do tempo.

            Resolvi pegar um ônibus para a rodoviária, em vez de pegar um táxi. Fui até um ponto com uma mulher tão perdida quanto eu. Ficamos conversando. Ela beirava os quarenta anos e estava se recuperando de um difícil tratamento de câncer. Contou um pouco sobre suas dores. Fiquei ouvindo com certo pesar. Então o ônibus chegou.

            O ônibus chegou e foi indo, foi indo, foi indo... E nada de rodoviária. E eu precisava estar lá às 17: 40 – horário da viagem – e já eram umas 17: 15.

            Quando brotaram as 17: 25, minha intuição disse o óbvio: “Não vai dar tempo, abestado”. Perguntei para alguns autóctones que estavam no ônibus sobre a distância temporal à rodoviária. Me confirmaram que não daria tempo, pois o ônibus – os sempre simpáticos ônibus – iria dar uma volta imensa. Desci no primeiro ponto que apareceu.

            Era o cruzamento entre duas avenidas e havia acontecido um acidente entre uma moto e um carro. Nada fatal. Os acidentados e dois PM´s já estavam conversando. Respirei fundo, parei e raciocinei firamente. Precisava ligar para o táxi. Eu tinhao número, o problema eram meu celular que não tinha sinal. Coisas da TIM (momento Denúncia!).

            Desliguei e liguei o celular até ele pegar sinal e liguei para o taxista. Perguntei para alguém ali perto sobre o endereço da localidade. Perguntei para um dos acidentados – o primeiro que apareceu na minha frente – todo sujo e meio ensanguentado. Respondida a pergunta, falei a localização para o taxista e logo ele chegou. E logo chegamos à rodoviária, bem em cima da hora! Foi só eu entrar no ônibus e ele partiu!...

            Muita adrenalina. Nunca mais, mas nunca mais confio em ônibus para chegar em algum lugar com hora programada.

            A volta para casa foi tranquila, diferente da volta de 2010...

            Era noite. Estávamos esperando o motorista da van contratada, no Ginásio Vilelão, onde nos hospedamos. Éramos cerca de vinte suaves facínoras. Deu 01: 00 da manhã e nada do homem. Deram 01: 30, mais ou menos, e ele chegou... Morrendo de sono. Lembro perfeitamente que havia concordado com a ideia maluca de alugar uma van com menos assentos do que o número de pessoas, sendo que deveria revesar bancos, hora ficando sentado, hora em pé e hora até deitado. Coisas de calouro... Na volta, não lembro se comecei sentado ou em pé, mas lembro do motorista me chamar até a cabina. Mas não chamou apenas eu. Chamou também meu violão. Ao chegar lá, ele me disse assim:
- Ei, rapaz, toca aí umas músicas pra gente despertar o sono...

            Em seguida, sacou um colírio da mochila que estava atrás do seu banco e pingou algumas gotas nos seus olhos. Estava frio, pois uma das janelas estava parcialmente aberta, e um colega que também estava lá na cabina a fechou. Então o motorista pronunciou tenebrosamente:

- Deixa aberta pra ficar frio. Se fechar, esquenta, e o calor dá sono...

            Começou a chover forte, com relâmpagos, trovões e toda aquela sinfonia noturna e soturna da madrugada. Naquela noite, toquei como nunca. Toquei como um desesperado para manter o motorista acordado. Superei meu sono e meu cansaço. Nem sabia que conhecia tanta música. Toquei de Legião a Belchior passando por Zé Ramalho e sei-lá-mais-o-quê. Só não toquei a “Aquela música da ‘ela sai de saia e bicicletinha, uma mão vai no guidão e outra na calcinha’...” que o motorista sonolento pediu porque eu tinha uma honra para manter e aquilo era demais para mim, tiraria todo o sentido da minha vida que estava por um triz.

            Naquela noite, nascia, sem que eu percebesse, o embrião da face mais sombria do que seria o Viajante Clandestino.

            E assim fomos, até umas 04: 00 da manhã. Chegamos bem em casa. Ainda bem.

            Na próxima semana, aventuras mirabolantes e mil e uma confusões em Posse-GO. Ou seria Posse-BA?