ThiagoDamasceno: agosto 2016

domingo, 7 de agosto de 2016

Crônica da Minha Morte

Crônica da Minha Morte
Por Thiago Damasceno


Foi na madrugada após o show do grupo Ira! que sonhei que morri. Foi um sonho ou um pesadelo? Não sei. Um psicanalista pode explicar melhor. O lance que quero dizer é que morrer dói. É triste, mas a dor é maior do que a tristeza.

          No sonho, eu estava de férias numa cidade litorânea, num barzinho todo de adobe e palha numa praia afastada. Dentro, um ambiente animado: música, bebidas, conversas, sinuca e apostadores. Eu conversava com um hippie, numa boa, quando um grupo de uns 5 trombadinhas renderam a todos, com pequenos revólveres.

          O maior de todos, um pré-adolescente, mandou todos ficarem parados e mostrarem as carteiras. Mostrei a minha para um garotinho que não deveria ter mais de 7 anos. Ele ficou encantando primeiramente com as moedas, ignorando as notas de 20 reais. Um maiorzinho o mandou pegar as notas. Ele as pegou, com se fosse a primeira vez que entrava em contato com dinheiro de papel, como se descobrisse um novo continente, e ficou lá acariciando gananciosamente as cédulas.

          Olhou pra mim com olhos de pena e entregou a arma para o maiorzinho. Ele cravou seu olhar no meu. Entendi que morreria ali. O moleque puxou o gatilho. Corri.

          Senti uma dor danada na perna e sabia que havia recebido mais dois tiros: um na barriga e outro na coxa, mas só a perna doía. Cruzei a porta do boteco e não estava mais na praia, mas numa rua de uma cidade do interior. Vi a luz... a luz!

          Era o Sol queimando tudo com sua quentura tropical.

          Tropecei, não conseguia mais andar. Pensei nos moleques, não com raiva, mas com pesar por viver num país com uma violência metralhada por fatores sociais e onde um bando de gente doida pensa que mais violência, Bolsonaros e Bíblias excludentes vão resolver tudo. Pensei que deveria fazer logo as pazes com Deus, mas o tempo corria... Nessa hora o sobrenatural, o além da vida invadiu meu medo. Deus, Deus, e agora?!

          E agora, José?! E agora, Carlos?!

          Pensei: “Ah não... vou morrer... Que droga...”.


          E então morri, como acontecimento banal que é a morte de um ser vivo.