ThiagoDamasceno: Crônica: Eu Já Disse Adeus, Mas Quem Não?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Crônica: Eu Já Disse Adeus, Mas Quem Não?

Escrita em 09/01/12

Eu Já Disse Adeus, Mas Quem Não?

Por Thiago Damasceno

“Batidas na porta da frente, é o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter argumento
Mas fico sem jeito, calado, ele ri, ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar e eu não sei"

(Canção de Aldir Blanc e Cristovão Bastos interpretada de forma belíssima por Nana Caymmi)
                   
         Assim que acordei liguei meu MP3 e selecionei a pasta “Boca Livre”. Fiquei deitado na cama ouvindo as doces melodias desse excelente grupo vocal/instrumental mineiro. Vi o forte brilho da luz do sol pela janela ainda fechada. Seria mais um tradicional dia de sol maranhense com céu azulado. Me surpreendi quando ouvi um carro de som anunciando uma nota de falecimento. O velório anunciado era o de um senhor conhecido desde a minha infância, o pai da melhor amiga de minha mãe. Enfim, um amigo da família. Passei boa parte da infância na sua casa, brincando com seus netos nas calçadas e praças da famosa Avenida Getúlio Vargas, cheia de mangueiras e casarões antigos. A Avenida é um cartão postal de Carolina, com destaque pra Catedral São Pedro de Alcântara.
           
         Minutos depois almocei e em seguida troquei de roupa. O velório era na casa do falecido mesmo, próximo à casa de minha vó, onde moro. Bastava dar a volta no quarteirão. O sol estava de lascar! Me senti como o protagonista do romance O Estrangeiro, do escritor francês Albert Camus. No começo dessa estória, o protagonista vai ao enterro de sua mãe debaixo do sol abrasador da capital da Argélia. A cada passo o coração batia mais forte e a respiração ficava mais difícil. Eu senti as lágrimas querendo sair, mas não chorei.
            
         Cruzei a praça, que corta a Avenida ao meio, e entrei na casa. Cumprimentei as filhas do falecido, mas não disse os clássicos “Meus pêsames”. Não gosto muito. Acho que a presença já diz tudo. O clima era triste, mas como eu esperava, as filhas estavam conformadas com a morte do pai. São pessoas fortes. Havia a melancolia da morte do ente querido, claro, mas não havia desespero. Sua vida foi longa e ele recebeu bons cuidados até onde seu fôlego de vida pôde suportar.
           
         Alguns presentes comentaram que o corpo do homem tinha morrido, mas não o afeto que sentiam por ele. Concordei, mas pensei mais adiante. Não só o corpo morria. Ele foi um personagem importante na minha infância, uma figura famosa na Avenida. Quem morou/mora no interior entende isso, o efeito de “Mãe, vou na casa do Senhor Fulano!”. Foi então que vi que parte da minha infância também morria com ele. Lembrei que muitas outras pessoas do meu passado também já tinham ido embora e de várias formas. Outras simplesmente perderam contato comigo e vice-versa. É assim mesmo, as pessoas vêm e vão em nossas vidas.

         Em certo momento saí pra calçada e vi algumas coisas da minha infância que ainda estão presentes. Dentre as quais, os casarões antigos, às vezes reformados mas sempre com aparência de velhos e as centenárias mangueiras da Avenida, indiferentes ao modo como vemos e sentimos o Tempo. No fim, perde-se e ganha-se, mas ainda ficamos sendo parte do que fomos, como escreveu Oswaldo Montenegro em Metade: “Porque metade de mim é lembrança do que fui, o resto eu não sei”.


            Saí do velório dizendo adeus a muitas partes da minha infância. Heitor me esperava pra gravar umas músicas em sua casa. Gravaríamos duas músicas às pressas (fato comum no princípio da propagação da vida artística) pra enviá-las a um produtor musical. Achei que seria estranho mexer com música após a morte de um ente querido, mas encaro a Arte como um antídoto, uma fuga de muitas coisas. Será que sou um romântico incurável? 

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