ThiagoDamasceno: julho 2019

quarta-feira, 24 de julho de 2019

LEITURA DA VEZ: “Eu Sou a Lenda”, de Richard Matheson


“Eu Sou a Lenda” (“I am Legend”, no original) narra o cotidiano de Robert Neville, o último homem na Terra após a disseminação de uma praga que transformou todos os seres humanos em vampiros. De dia, Neville cuida da segurança de sua casa, procura por suprimentos pela cidade e mata alguns vampiros adormecidos que encontra pelo caminho. De noite, Neville fica enclausurado no seu lar, protegido dos vampiros que, inclusive, sabem onde ele mora e ficam chamando-o do lado de fora de sua casa, sedentos por seu sangue.



Nessa trama, publicada originalmente em 1959, o escritor estadunidense Richard Matheson (1926-2013) mescla com maestria, coerência e coesão elementos dos gêneros horror, terror, fantasia e ficção científica. Não é à toa que suas obras influenciaram outros criadores na cultura pop, como Stephen King (1947-) e George Romero (1940-2017), e obras posteriores contextualizadas em cenários de fim do mundo e/ou de apocalipse zumbi. Vale ressaltar que Matheson escreveu alguns roteiros da série clássica “The Twilight Zone” (“Além da Imaginação”) e outros trabalhos literários não diretamente relacionados ao horror ou ao terror.

            Apesar de ter recebido influências de obras anteriores - como “Drácula”, de Bram Stoker (1847-1912) - Matheson apresenta vampiros mais semelhantes a mortos-vivos desesperados por sangue do que vampiros elegantes e astutos. Curioso é o tom científico da obra que, às vezes, gera até humor: pesquisando sobre a natureza da praga vampiresca e sobre o porquê de os vampiros morrerem com elementos como estaca no coração, luz do Sol e alho, Neville questiona, por exemplo, se um vampiro muçulmano poderia temer a cruz. Além disso, com o fluxo de consciência do personagem principal – por meio da técnica do discurso indireto livre – nós, leitores, temos acesso aos pensamentos e à vida íntima de Neville, contribuindo assim para a geração de simpatia entre nós e o protagonista.

A narrativa de Matheson nos apresenta um mundo novo e terrível aos poucos, de forma crível. Com a leitura de poucas páginas já somos fisgados para aquele contexto apocalíptico onde as indagações existenciais de Neville sobre a solidão e o sentido da existência humana representam nossas próprias reflexões. Contudo, quando menos se espera, o cotidiano de Neville – tedioso para o personagem, mas interessante para nós – sofre uma reviravolta com o surgimento de uma nova personagem, que leva ao desfecho surpreendente e impactante do livro.

Sem sombra de dúvidas, “Eu Sou a Lenda” é leitura obrigatória para os amantes de fantasia e ficção científica.

P.S.: “Eu Sou a Lenda” foi adaptado três vezes para o cinema:
 1 – “The Last Man On Earth” (“Mortos que Matam”), de 1964, dirigido por Ubaldo Ragona e Sidney Salkow;
2 – “The Omega Man” (“A Última Esperança da Terra”), de 1971, dirigido por Boris Sagal;
3 – “I am Legend” (Eu Sou a Lenda”), de 2007, dirigido por Francis Lawrence. 

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sexta-feira, 19 de julho de 2019

LEITURA DA VEZ: "Tristessa", de Jack Kerouac

       Hoje terminei a leitura do romance "Tristessa", do autor beat estadunidense Jack Kerouac (1922-1969), mais conhecido pela obra "On The Road" ("Pé na Estrada").


       "Tristessa" foi publicado pela primeira vez em 1960 e, assim como as outras obras de Kerouac, é autobiográfica, inspirada na paixão que o autor cultivou, em 1955, por uma prostituta mexicana chamada Esperanza.
       No romance, o poeta Jack viaja à Cidade do México e se apaixona por Tristessa, uma prostituta viciada em morfina. Apesar disso, o poeta narra suas aventuras e sua paixão com muita delicadeza, carinho e afeto. Uma das marcas de Kerouac - além de sua rica prosa poética bastante musicalizada - é a glorificação que ele faz dos marginalizados da sociedade, dando voz e ouvidos a personalidades interessantes e surpreendentes.
       Outros aspectos marcantes em "Tristessa" são os discursos religiosos, presentes de duas maneiras: na divinização de Tristessa - colocando-a como uma espécie de anja caída ou como uma santa em decadência - e na transmissão de ensinamentos budistas sobre a transitoriedade da existência e sobre os desejos humanos. Desses procedimentos vem minha frase preferida da obra: "[...] a beleza das coisas deve estar no fato de terminarem".

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CRÔNICA: Trabalhar Não é Mandamento Divino, é Castigo!


       Era um típico fim de tarde quando fui até uma vendedora, instalada em uma calçada no centrão de Goiânia, comprar queijo e algumas frutas. Enquanto eu escolhia, um senhor parou ao lado da banca, observou tudo e, em seguida, falou à vendedora:
- Só ralando, né? Batalhando... Isso aí! Deus ajuda quem trabalha! Foi assim que ele mandou lá no Livro! Do suor do teu rosto comerás!
       Depois, ele seguiu sua vida.
       Achei engraçado o tom pomposo de sua voz ao falar aquele discurso e o brilho do seu olhar para a vendedora, como se o simples ato de trabalhar, por parte dela, fosse consertar todas as mazelas do mundo. Aos olhos daquele senhor, a vendedora estava envolta por uma aura de santidade e salvação. Ela era a nova Messias. Contrariando o que está escrito na Primeira Epístola de São João, 5: 19, o mundo não ficaria mais sob o poder do Maligno, pois ali estava uma mulher genuinamente trabalhadora para nos salvar.
       Também chamou minha atenção a interpretação daquele senhor acerca da mensagem bíblica sobre o trabalho, interpretação essa que já vi ser defendida por outras pessoas em outros contextos. Nesse modo de entender a Bíblia, muitos consideram o trabalho como um mandamento divino, a exemplo dos 10 Mandamentos das tábuas de Moisés. Nada mais equivocado! Essa interpretação não tem sentido quando se lê o texto bíblico com profundidade. O capítulo 3 do livro de Gênesis relata que, após comerem o fruto da árvore do meio do Jardim do Éden, Adão e Eva percebem-se nus, sem suas típicas inocências. Ao perceber o ocorrido, Deus puniu a serpente e o casal primordial, dizendo a Adão o seguinte:
       “(...) Porque escutaste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te proibira comer, maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimentos deles te nutrirás todos os dias de tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos, e comerás a erva dos campos. Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás”. (Gênesis 3: 17-19).
       É mais coerente interpretar que essa passagem mítico-religiosa transmite a ideia de que o trabalho foi uma punição, um castigo à Humanidade devido à sua desobediência às ordens divinas, levando à expulsão Homem e da Mulher do Paraíso, local em que não havia nenhum tipo de sofrimento, onde o trabalho para a sobrevivência não era necessário. 
      Além disso, a depender das diabólicas reformas trabalhista e previdenciária, nós, brasileiros, seremos ainda mais expulsos do nosso “Paraíso tropical”, sendo cada vez mais e mais castigados com um modo de trabalho precário, mal remunerado e carente de direitos.

       Que Deus nos ajude!

15 de julho de 2019