ThiagoDamasceno: 2021

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Crônica: Vacina de Pirro

             A expressão “Vitória de Pirro” surgiu com o triunfo do general grego Pirro, também rei de Epiro e da Macedônia, sobre o exército romano na Batalha de Ásculo em 279 a.C. Nesse conflito, os romanos perderam 6 mil homens e, os gregos, 3.500, um enorme número, apesar do êxito grego. Com esse resultado, Pirro teria dito: “Mais uma vitória como essa, e estou perdido!”.  Assim, “Vitória de Pirro” passou a indicar um triunfo com alto custo, que pode até se aproximar de uma derrota. Tive essa sensação agridoce ao me vacinar contra a Covid-19: recebi uma vacina de Pirro. Mais uma pandemia como essa, e estaremos mais perdidos ainda!

            Não me entendam mal: defendo a vacinação e o SUS, mas não consigo sentir alegria genuína com minha vacinação pessoal porque muitos já morreram e, infelizmente, muitos outros morrerão. A maioria dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo federal agisse com um mínimo de boa vontade e decência e que utilizasse a estrutura estatal para cuidar do seu povo. Como não temos isso, estamos chegando às 500 mil mortes por Covid-19 no país.

Por isso não estou genuinamente alegre. Na verdade, estou mais aliviado do que alegre. Aliviado porque comecei minha imunização, mas não consigo sentir alegria de fato sabendo que tantos não tiveram e nem terão o mesmo privilégio que eu tão cedo devido à execução da política de morte do governo Bolsonaro. Não consigo falar sobre esse alívio com a minha vacinação sem sentir uma espécie de culpa, pois vivemos um momento em que estar alegre com a vacinação pessoal pode soar quase como um desrespeito aos mortos e aos enlutados.

Estou amargo? Sem dúvidas. Tempos amargos produzem pessoas amargas, e é preciso muita espiritualidade para irmos além da amargura deste nosso tempo, um tempo onde ser pessimista e ser realista viraram a mesma coisa e o otimismo virou a negação da realidade e, por isso mesmo, uma espécie de refúgio na covardia. A cada dia, sobreviver vem sendo um privilégio. Todo santo dia me pergunto como este país ainda está de pé!

Assim como pessimismo e realismo viram sinônimos, ser bolsonarista e idiota e perverso, também. Como pode Bolsonaro ainda ter tanto apoio? Como podem desejar tanto o mal ao próximo? Eles acham que a solidariedade é um pecado de comunistas destruidores da pátria, quando na verdade a solidariedade é um fator civilizacional. Não chegamos até aqui negando auxílio uns aos outros. Precisamos uns dos outros para viver, em diferentes níveis. Mas infelizmente, também chegamos onde estamos odiando e matando uns aos outros. A civilização tem seus vícios e suas virtudes, seus pecados e suas benevolências.

Espero que em breve os ventos da benevolência e da solidariedade soprem por aqui e que tudo de ruim na nossa política e vida cotidiana seja varrido para bem longe. Estou sendo um otimista me refugiando na covardia? Talvez, mas acho que me estou me refugiando mais nos sonhos e desejos por um país mais humanizado e imunizado.

Viva a vacinação pública! Viva o SUS! Viva todos os servidores e servidoras públicas que trabalham em prol da vacinação em massa! Fora Bolsonaro e toda sua corja!

Thiago Damasceno, 16 de junho de 2021

terça-feira, 6 de abril de 2021

Carta Aberta ao Diabo

 Você está aí, Diabo? Sou eu, Thiago.

            Escrevo para trocarmos umas ideias, para tentar tirá-lo do tédio que suponho que você esteja vivendo. Não deve ser fácil estar fora da boca do povo enquanto o seu inimigo, Deus, continua sendo citado de tudo quanto é jeito. Já se foi o tempo em que diziam “Isso é coisa de Deus!” e “Isso é coisa do Diabo!”. Hoje tudo é coisa de Deus, para o bem e, principalmente, para o mal.

O ser humano nunca foi de assumir plenamente seus atos. Se faziam algo ruim, culpavam você. Se faziam algo bom, diziam que tinham sido inspirados por Deus. Mas agora você está esquecido. Só se fala em Deus para qualquer coisa. Dizem que Ele elegeu os políticos. Dizem que Ele trouxe o corona. Dizem que Ele adoece e salva quem quer. Dizem que a vacina também é graças a Ele. Tudo muito contraditório no fim das contas, mas você bem sabe que isso faz parte da natureza humana.  

Usar o nome de Deus para justificar qualquer coisa é um feito humano que nunca saiu de moda. É assim desde que o mundo é mundo. Vez ou outra o citam do jeito certo, mas de uns tempos pra cá, neste Brasil varonil, andam dizendo que Deus elegeu Fulano e Beltrano e não há nada a ser feito, pois é a vontade Dele! Até genocida já foi eleito desse jeito!

            No alto da minha ingenuidade, eu pensava que com toda nossa ciência e experiências sociais acumuladas poderíamos chegar a um ponto em que o fanatismo político cairia por terra. Ou que pelo menos o povo não fosse tão ingênuo a ponto de acreditar em político: ainda mais nos que fizeram carreira em fazer nada!

            Confesso que fui mesmo muito ingênuo, pois só agora percebi que o potencial de inteligência da mente humana é proporcional à sua burrice. Há quem filosofe sobre o valor da existência e há quem faça carreata para a Morte. Tem gente por aqui que não gosta de vacina, que acha que Jesus andaria armado, que Deus gosta de ver as pessoas morrerem de fome, etc., etc., etc.

Confesso que o que mais me impressiona na humanidade não é nem o egoísmo ou todas as variações dos pecados capitais, mas sim seu potencial em acreditar em mentiras ou defender abertamente o Mal. Essas duas coisas, de todo modo, levam ao autoextermínio. Isso é o que mais me impressiona porque a humanidade parece ser a única espécie que sente algum regozijo em eliminar a si mesma. Que coisa, não?

Aproveitando a ocasião, tenho uma pergunta franca sobre nosso cenário: Você gostou de assistir isso tudo do camarote do Inferno?

            Arrisco dizer que sim. E também que não. Não me entenda mal, vou me explicar: você gostou de ver um monte de patetas caindo na velha lábia dos donos do poder, mas odiou não ter sido citado, e sim Deus! Afinal de contas, quem é o Pai da Mentira?!

            E por falar em pai... pobre Deus! Imagino que viva uma decepção tremenda a cada milésimo de segundo. A frustração com Adão e Eva nem chega aos pés da sua frustração atual.

            E se Deus é pobre, a religião também é, pois por aqui ela se tornou um mero instrumento político de convencimento. Dizem o nome de Deus para conquistar os pobres corações e mentes de fiéis carentes de tudo.

Outra pergunta franca: Você acha que o Brasil ainda tem jeito?  

Percebi  que esta carta é mais um desabafo do que uma troca de ideias. Desculpe-me por isso. Sabe como é: “Errar é humano”.

            Despeço-me com uma das passagens bíblicas mais memoráveis para mim. “Bons tempos” aqueles em que você andava por aqui, não é?

“No dia em que os Filhos de Deus vieram se apresentar a Iahweh, entre eles veio também Satã. Iahweh então perguntou ao Satã: “De onde vens?” – “Venho de dar uma volta pela terra, andando a mesmo”, respondeu o Satã” (Jó, 01:06-07).

Thiago Damasceno, Goiânia-GO,

06 de abril de 2021

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

CRÔNICA: O Hype Com o Snyder Cut e Suas Coisas Engraçadas

A versão do cineasta Zack Snyder do filme “Liga da Justiça”, que será lançada no próximo dia 18, é um dos assuntos mais comentados na cultura pop ao lado de séries como “Wanda Vision” e “Falcão e o Soldado Invernal”. Como nerd de carteirinha, estou acompanhando a discussão e rindo muito de ideias e discursos exagerados provocados pelo hype com o filme

A primeira dessas ideias que vou abordar é um comentário comum nos posts sobre essa versão da Liga: “Snyder é o melhor diretor de todos os tempos!”.

Calma lá, jovem!...

Se Snyder é o melhor diretor de todos os tempos, que adjetivos utilizaremos para nomes como Kubrick, Scorsese, Coppola, Godard, Glauber Rocha, dentre outros consagrados? Não que Snyder seja um diretor ruim. Gosto de trabalhos dele como “Madrugada dos Mortos” (2004), “300” (2006), “Watchmen” (2009) e “Homem de Aço” (2013), mas igualar sua carreira de filmes de super-heróis e outros personagens badalados da cultura pop com filmografias mais sérias e profundas de diretores respeitadíssimos é de um descabimento risível. 

Não que filmes de super-heróis não possam ser mais sérios e com uma abordagem adulta com temas socialmente relevantes para se pensar. Trabalhos como “Batman: ao Cavaleiro das Trevas” (2008), “Watchmen” (2009), “Capitão América 2: O Soldado Invernal” (2014) e “Logan” (2017) provam isso, mas obras nesse estilo ainda não são maioria no gênero cinematográfico dos super-heróis. A maior parte desses filmes segue a fórmula comercial blockbuster sem muitas pretensões artísticas autorais. 

Outro discurso igualmente risível é: “ “Liga da Justiça: Snyder Cut” será o maior filme de todos os tempos!”.

Calma lá, jovem 2: o retorno...

Acho a feitura desse filme uma vitória para Zack Snyder e para nós, fãs do gênero. A demissão de Snyder pela Warner Bros durante as filmagens de “Liga da Justiça” devido a problemas familiares do diretor (a morte da sua filha) foi uma tremenda barbaridade. Como se sabe, entregaram o projeto a Joss Whedon, diretor dos dois primeiros filmes dos Vingadores. O resultado foi um “Liga da Justiça” (2017) sem sal e todo remendado, nada jus ao carisma dos maiores heróis do universo DC Comics. Contudo, dizer que o Snyder Cut será o maior filme de todos os tempos é uma avaliação final precipitada.

Sem contar que, pelo andar da carruagem, a tendência é que esse filme seja no máximo mediano tal qual o até hoje comentadíssimo “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” (2016). Nessa obra, considero que Snyder errou feio. Colocou tantos plots das HQs sem se preocupar com o desenvolvimento de coisas básicas que o filme se tornou um amontoado de referências forçando apelos épicos a cada meia hora. Em vez de tentar desenvolver mais o Superman ou o Batman, Snyder tentou, em um único filme, apresentar Batman, Lex Luthor e Mulher Maravilha e, de cara, também colocou o vilão Apocalipse e a morte do Superman. Usou conteúdo demais em um único filme, sem contar o Batman questionável dele, cujo problema não é nem estar cansado, violento e amargurado com sua trajetória, mas sim em não investigar as coisas a fundo, já que o personagem é, em essência, um detetive.

Assim, vimos um Batman que não entende o Superman como uma personalidade benéfica para o mundo (considera apenas o kryptoniano inexperiente visto em “O Homem de Aço”) e, pior ainda, vemos um super-herói conhecido pela sua inteligência e capacidade estratégica tornar-se totalmente manipulável por Lex Luthor. E esse ainda é colocado no filme como um vilão megalomaníaco caricato que só faltou dar gargalhas após revelar seu perverso plano de destruir tudo com um monstro incontrolável como Apocalipse.  

Não quero entrar em detalhes sobre os outros problemas de BvS, apenas alertar que “Liga da Justiça: Snyder Cut”, é sua continuação direta, correndo o risco de repetir os mesmos problemas de seu antecessor. Apesar das 4 horas de duração que o filme terá, pelo que já vimos de trailer e teasers, Snyder deverá fazer muitas coisas nessas quatro horas como apresentar metade dos membros da Liga da Justiça, três vilões principais (Lobo da Estepe, Darkseid e o Coringa de Jared Leto), dentre outros personagens e plots das HQs, como o Superman ressuscitado todo de negro e os grandes potenciais de Flash, como viajar no tempo. Fora toda a trama em si com amazonas, atlantes e ameaças intergalácticas de tempos idos!

Há quem diga que ele tentará fazer em 4 horas (ou nos seus 2 filmes) coisas que a Marvel fez em pouco mais de 10 anos com vários filmes... Tendo a concordar com esse comentário, infelizmente.

Chuto que “Liga da Justiça: Snyder Cut” terá duas linhas temporais principais, uma no presente, com a conquista do Lobo da Estepe e o Superman Negro como servo de Darkseid, e outra no futuro, ambientada no universo “Batman Knightmare”. As tramas do filme serão baseadas nas relações entre essas duas temporalidades e no que os heróis deverão fazer para evitar o domínio de Darkseid na Terra.

Também veremos flashbacks em relação à mitologia desse grande vilão e sua tentativa antiquíssima de conquistar a Terra em uma batalha que envolveu atlantes, amazonas, deuses antigos e lanternas verdes.

Não me entendam mal: quero que esse filme seja bom. Quero gostar dele. Já irei assisti-lo querendo isso, mas com tudo que já expliquei aqui, acho que minhas expectativas não serão satisfeitas...

Finalizo re-alertando para o risível proporcionado pelo hype com o filme: achar o Snyder Cut como a última maravilha do cinema! O hype leva a pensamentos e palavras impensadas, descabidas, sem um senso de proporção adequado das coisas.

Gosto muito desse universo e desse gênero cinematográfico, mas, no fim das contas, são filmes sobre heróis super coloridos que vestem cueca por cima das calças e vilões megalomaníacos que gritam “Muaháhá!”... Não é a invenção da roda ou a descoberta da penicilina! Muito menos algo refinado e fenomenal como a trilogia “O Poderoso Chefão” e outros filmes consagrados da história do cinema.

Em suma, não levemos o universo dos super-heróis tão a sério... Vamos apenas nos divertir e refletir dentro das propostas que eles apresentam.  

Thiago Damasceno, 26 de fevereiro de 2021


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