ThiagoDamasceno: setembro 2013

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Crônica: A Francesa e o Transporte coletivo Goianiense

A Francesa
e o
Transporte Coletivo Goianiense
Por Thiago Damasceno

            Estava eu voltando das minhas andanças urbanas e entrevistas domiciliares pelo IBGE, esperando um ônibus inchegável no Terminal Bandeiras, zona conhecidíssima de Goiânia, quando me deparei com uma curiosa senhora.
            Eu ouvia Dire Straits via fones de ouvido quando fui arrebatado do meu êxtase roqueiro pela dedada da curiosa senhora. Ela tinha olhos indagadores e uma cabeça que procurava mistérios insolúveis pelo ar.
            Falou em uma língua estranha. Não entendi. Perguntei se ela falava português. Não entendeu. Sorriu. Juntei toda minha coragem e erudição aprendida em cursos rápidos de inglês e destilei meu veneno:
- Do you speak English?
            Ela fez um gesto veemente de “não” com a cabeça. Pelo que vi, ela entendia um pouco, e falava um pouco menos pouco ainda.
            Então ela começou a falar na língua dela que eu não compreendia. Me expressei em duas línguas pra lhe demonstrar que não entendi. Primeiro disse “I don´t understand”, e depois fiz o sinal de LIBRAS, pondo a mão na cabeça, balançando mão e cabeça e fazendo uma expressão facial de dúvida. Aí ela entendeu. Gestos são mesmo universais.
            Palavras soltas e isoladas vão, palavras soltas e isoladas vêm, fomos até a placa informativa sobre as linhas de ônibus. Com mais algum esforço, entendi que nossa turista estrangeira queria pegar a linha 004, que passa pelo Setor Central. Meu destino era o mesmo. Ela estava no lugar certo pra embarcar, mas foi só eu tentar fazer mais perguntas, querendo saber onde exatamente ela iria descer, que a coisa piorou.
            Foi quando ela fitou o local vazio que deveria ter um ônibus, cruzou os braços com aflição e disse uma palavra elegante (para aquele contexto) que resume toda a situação da maioria dos goianos que dependem do transporte coletivo:
- “Difícil”.
            Pronunciou perfeitamente. E ainda disse (mais ou menos) que o português era difícil por causa da pronúncia. E disse mais coisas em francês.
            Depois ela tentou me comunicar mais coisas. Pegou um dicionário bilíngue meia-boca, mas não rolou. Outra vez, estufei minha verborragia pseudo-poliglota nos seguintes termos:
- Háblas Espanõl?
            Também não deu certo. Ela falava élfico e línguas extintas da antiga suméria, menos português, inglês ou espanhol. Então olhei melhor pra sua aparência: branca, loira, olhos claros... E cuspi-lhe mais verborragia internacionalística:
- Where are you from? Europe?
- Yes, French.
            Finalmente alguma compreensão puramente verbal! Ela entendia muito pouco, mas deu pro gasto. Foi nesse momento de alegria mútua, que ela começou a pronunciar repetidamente:
- Mercy.
            Tentamos mais algumas orientações.
- Mercy.
            Tentei ajudá-la mesmo.
- Mercy.
            Até insisti de novo, vagarosamente:
- Se-eu-falar-em-português-bem-devagar-você-me-entende-?
            Disse que não. E não parava de mercyzar. O ônibus chegou e ela entrou correndo. Ainda perdida. Foi cômico ver ela de pé, tentando se equilibrar e se segurar nas barras do ônibus, no meio do chacolejar constante.
            Minutos depois ela reconheceu onde tinha que descer, apertou mil vezes o botão de parada antes de eu avisar que tinha dado certo, e desceu. Desceu sorrindo e dizendo:
- Mercy!
            Eu falei um “Good bye!”, pensando na sua perfeita pronúncia de “Difícil”.
            É... pegar ônibus no Brasil não tá fácil pra quem é brasileiro de puro sangue mestiço, imagine pra quem é francês e vem parar no país sem saber português, espanhol ou inglês...


See you soon!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Crônica: Como os Fantasmas Estragam Uma Metamorfose

Como os Fantasmas Estragam Uma Metamorfose

Por Thiago Damasceno


Após algumas mortes na família (incluindo meu cachorro), volta às aulas a mil por hora depois de uma greve de três meses, manifestações pelo Brasil afora, aprovação em um concurso público, boas ideias na cabeça pra um bom romance juvenil, conclusão da graduação chegando, novas escolhas pra minha carreira acadêmica, a consolidação de um grande amor, uma viagem muito massa à verdadeira capital do país (São Paulo), e o anúncio de Bell Marques sobre sua saída do Chiclete Com Banana... volto a blogar, trazendo o equilíbrio à literatura cronística cerradense, conforme reza a Profecia...

            Meus dedos ficaram um tempão sem apalpar as teclas, mas andei desenvolvendo meus pensamentos entre ônibus lotados e pedras pelo meio do caminho. E assim, tem horas que percebemos que mudamos tanto que olhamos pra trás e nos sentimos estranhos em uma terra estranha, ou “desterrados em nossa própria terra”, como diz Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.

            Brasileiro desbrasileirado ou não, gosto de ver umas coisas como antes, no seu devido lugar. Isso conforta a mente. E sim, podem me chamar de conservador, nesse ponto. Meu inconsciente me mostrou algo desse (des)conforto em um sonho que tive indo pra agitada e cosmopolita São Paulo.

            Sonhei que estava descendo as escadas do meu prédio e me deparei com três pequenos vultos. Percebendo que eram crianças, corri pra assustá-las, mas elas avançaram e então vi que as três estavam mortas. Não eram zumbis, como prega a moda. Eram fantasmas. Corri delas com muito medo. Justamente: medo. Tenho medo de fantasmas. Sempre tive. Os das estórias e os aparentemente reais. Se tem uma coisa que me dá medo são os ditos cujos fantasmas. Serial killers chegam a ser menos maléficos pra mim.

            O bom disso, tirando o banal e incipiente exercício freudiano, é que claramente meu medo infantil permanece. Ainda tenho um pé em algo firme e antigo, como todo mundo. E como o próprio mundo.

Sonho e escrevo em letras grandes, de novo
Pelos muros do país
John, o tempo andou mexendo com a gente...

(Belchior)