ThiagoDamasceno: maio 2012

domingo, 27 de maio de 2012

Música: Cantores de Uma Música Só - Lista 02


Viajante Clandestino - "Cantos Urbanos" 

Produção musical independente e gratuita! 

"Onde deixaram as chaves do carro?
Quais são as cores da bandeira global?
Tanto céu, tantas nuvens, pouca constelação!"
(Geração Coca Zero)
 

Cantores De Uma Música Só
Lista 02

Por Thiago Damasceno

            Caso você não tenha visto a lista anterior, sugiro que procure-a em BUSCA ou na coluna ao lado em POSTAGENS POPULARES. Agradeço a todas as leituras e comentários sobre o post anterior. Aguardo mais sugestões para continuarmos nessa caminhada musical. Desta vez, começarei falando bem sobre boas músicas.

01) Vanessa Rangel – Palpite

Tô com saudade de você debaixo do meu cobertor
E te arrancar suspiros, fazer amor...

E aí, será que você volta?
Tudo à minha volta é triste
E aí, o amor pode acontecer
De novo pra você
Palpite

            Ótima música e melhor ainda quando é ouvida a dois. É uma pena que Vanessa Rangel tenha feito sucesso apenas com essa.

02) Kiko Zambianchi – Primeiros Erros

Meu caminho é cada manhã
Não procure saber onde estou
Meu destino não é de ninguém
E eu não deixo meus passos no chão

Nem preciso citar a letra completa. Kiko Zambianchi é um ótimo compositor e enquanto tocava com Capital Inicial essa música decolou. Tornou-se um dos símbolos do pop rock nacional. Eu e meus amigos nem suportamos mais tocá-la, mas claro que a respeitamos muito. Zambianchi tem muitas outras músicas excelentes, mas só Primeiros Erros ficou na boca da maioria do povo.

03 – Fat Family – Jeito Sexy

Mas eu sei que você sabe
Que um outro amor não cabe
Pode estragar, não vou parar
Te quero demais!

Oh baby dance, dance dance
vem mexendo assim não pare, pare, pare
com seu jeitinho sexy,sexy,sexy
no meu ouvido fale, me fale, me fale



Um álbum que vendeu muito (cerca de 1,8 milhão de cópias) foi o Fat Family, de 1998. O grupo, de mesmo nome, era composto pelos irmãos Sidney, Simone, Suzete, Kátia, Celinha, Deise, Felipe, Coutinho e Sueli, que se inspiravam nos grupos vocais norteamericanos. Com certeza todos se lembram do intrigante e descolado movimento de pescoço que eles faziam na coreografia de Jeito Sexy, versão de Milton Guedes da canção Shy Guy, de Diana King.

Deixando as coisas sexys no passado, o conjunto passou a se apresentar em 2005 como um grupo gospel.

04 – Pepê & Neném – Mania de Você

Olhos nos olhos, boca na boca
Que coisa louca, a gente rolar outra vez
Baby me chama, me leva pra cama
E diz que me ama, pelo menos uma vez

Por que você não vem ficar comigo, baby?
Eu sou louca por você!
Por que você não vem ficar comigo?
Me alivia essa mania de você!


            Um hino das mulheres sexualmente insatisfeitas e semidesesperadas. Em 1999, essa enjoativa canção estava no primeiro disco das irmãs gêmeas idênticas conhecidas como Pepê & Neném. Rendeu Disco de Ouro e apresentações em vários programas de auditório. Reza a lenda que em 2001, no ponto máximo do sucesso, elas foram roubadas pelo próprio empresário e faliram. Mas posteriormente, retomaram a carreira. Porém, nunca mais ouvi falar das duas nem de nenhuma mania. 

05 – Amado Edilson – Mulher da Blusa Amarela

Vocês estão vendo aquea
Mulher da blusa amarela
E a saia de outra cor?
Vendo ela desprezada,
Lembraste que foi amada?
Já foi meu primeiro amor

Já foi meu primeiro amor
Já foi meu primeiro amor



            Essa canção é uma tragédia. Muito popular no Norte e Nordeste do país, principalmente (e acho que apenas) nas épocas de vaquejada. Não sei se ela é popular nos outros cantos do Brasil. Popular no país todo ou não, Amado Edilson é uma espécie de discípulo de Lairton & Seus Teclados (este último tem uma canção comentada na seção anterior). A voz de Amado, muito aguda e artificial, lembra um Lairton entalado ou um Lairton que engoliu gás Hélio. Edilson tem outras canções, mas como todas são muito parecidas (tediosas, mal cantadas, com melodias parecidíssimas, com os mesmo ritmos e os mesmos temas) parecem que são apenas uma canção só.
           
A criatividade mandou lembranças pra Edilson em relação ao seu nome artístico: “Amado Edilson”, que automaticamente nos faz lembrar de Amado Batista. O plágio é feito na cara dura. É como se eu resolvesse fundar uma banda de rock chamada Multidão Urbana. Alguém iria dizer que já ouviu esse nome em algum lugar...


domingo, 20 de maio de 2012

Crônica: Uma Coincidência Que Salvou Um Celular


Uma Coincidência Que Salvou Um Celular

Pelo indivíduo que dá seu nome a este blog
Para Gumercinda, Astrogilda e Petronília

Goiânia, 14/05/12, céu nublado. Tempos difíceis vêm chegando...

            Na estirpe maranhense dos Damascenos há uma antiga lenda que diz que aquele que chegar em determinada etapa do seu desenvolvimento intelectual e artístico deve receber um presente de uma parente mais velho. Tal presente ajudará esse Escolhido na luta contra as hordas malignas que assolam o mundo às vésperas do Fim dos Tempos.

            Essa lenda também diz que em algum dia nublado, frio, quando Comensais da Morte estiverem à espreita do Escolhido, esse Herói irá perder seu presente, mas três corajosas guerreiras o ajudarão a encontrá-lo, colaborando assim, para a extinção das forças do Mal do Universo.

            Eu sou esse Escolhido. O presente é um celular que minha tia me deu. As três guerreiras são três amigas. A história é real, claro, senão seria “estória”, palavra que se usa para substituir “story” (ficção), do inglês. Usei pseudônimos para me referir a elas para proteger suas integridades físicas, morais, antropológicas, hormonais, culturais e existenciais. Concluindo o prólogo dessa aventura, vamos nos deliciar na leitura dessa tecnológica epopeia cotidiana pós-moderna.

            Nas férias de fevereiro, minha tia me deu um celular de presente (ou smartphone, até hoje não sei a espécie do aparelho). Era um Nokia preto, modelo X2-01, construído no Instituto Xavier com auxílio de Tony Stark, vulgo Homem de Ferro. O artefato acessava Internet, fotografava, filmava, gravava vídeos e voz, aceitava músicas e vídeos em diversos formatos, cantava diversas canções em português, russo, mongol, polinésio, enfim, fazia uma porção de coisas que deixava meu ultrapassado antigo celular comendo bits e bits pelos sistemas binários afora. Segundo ela, “um universitário tem que ter um celular decente!”. Se os universitários são decentes para ter tal equipamento (decente?), isso é outra história...

            Aquele foi um bom momento da minha vida intelectual e artística, como dizia a lenda. Eu estava na metade do curso na universidade, já sabia o que queria e o que podia vir pela frente, e também gravava, junto como um amigo, nosso primeiro álbum musical. Veja, homeotérmico leitor, que tudo eram flores na minha singela vida, até que o Declínio bateu à minha porta...

            A queda do Herói começou hoje. Como de costume, voltei da universidade em Anápolis no ônibus que eu e muitos outros estudantes fretamos. A Universidade não é tão massa quanto Hogwarts, mas é massa! Sentei ao lado de Astrogilda enquanto Gumercinda conversava conosco e com um professor e enquanto Petronília conversava conversas curiosas com outras pessoas mais ao fundo do veiculo que mencionei no começo deste parágrafo. Era tudo risos, gargalhadas, paz e amor.  Eu nem podia imaginar que trevas já avançavam sobre nossas juvenis figuras...

             Quero lembrar que, quando chego em Goiânia, troco de ônibus para poder descer  do segundo ônibus em um local mais conveniente para minha jornada existencial diária. Apenas Gumercinda e mais três companheiras de aventura me acompanham para o outro veículo. Guarde essa informação no fundo do seu ser, vertebrado leitor.

            Chegando em Goiânia, troquei de ônibus. Como todos os dias anteriores, Gumercinda me acompanhou junto com as três aventureiras, mas uma dessas aventureiras, justo hoje, era Petronília, que iria substituir uma amiga no serviço, amiga esta que também trocava de ônibus comigo. Entenda bem essa “troca” de passageiras! Até então creio que o Destino não revelou ao Mal suas intenções. Dizem que ventos bons sopram para aqueles que têm força e coragem.

            O ônibus chegou em certo ponto do centro da cidade e desci com Gumercinda, como de costume. As demais companheiras, incluindo a petrolífica Petronília, permaneceram no veículo para descer mais adiante. Enquanto eu andava com Gumercinda pelas agitadas ruas da cidade, com o céu cinza sobre a cabeça e o a imponência dos prédios nos ameaçando das alturas, senti falta do meu prodigioso celular. Após fatigáveis procuras nos bolsos do short e na mochila, me conscientizei que o havia perdido.

-Ah!!! Gumercinda, perdi meu celular!!!

            Gumercinda, aturdida, quase desmaiou tamanha era minha desventura. Estavam no aparelho minhas mensagens, minhas fotos, meus rabiscos digitais de letras de música em “Rascunhos”, minhas músicas, incluindo a discografia do Viajante Clandestino, a dupla mais irada do momento!

            Desesperado, com o coração aos prantos e barrancos, retornei minha rota a pé para ver se não tinha deixado o celular cair no chão, mas imaginei primeiro que podia tê-lo deixado cair em um dos ônibus. Assim, mesmo com a existência em pedaços, lembrei que Astrogilda havia permanecido em um dos ônibus e Petronília estava no outro. Gumercinda, de notável ascendência nordestina, recuperou sua garra e força para viver e ligou para nossas companheiras para ver se elas tinham encontrado o artefato tão fundamental para esses tempos confusos de pós-modernidade. Nossa sorte era que justo hoje, Petronília estava em um dos ônibus e poderia procurar o celular, porque eu não tinha o celular de nenhuma das três companheiras que viam usualmente no segundo ônibus comigo e nem conhecia o motorista ou outra pessoa do ônibus que pudesse procurar o celular.

            Petronília disse que estava escutando o celular chamando em algum recanto perdido do ônibus, mas não conseguia encontrá-lo. Nessa busca desesperada, chegou até a bater a cabeça na TV do ônibus! Dizem que jorrou muito sangue do seu membro mais superior. O chafariz sanguíneo foi semelhante a uma poça de petróleo que jorra petróleo desenfreadamente assim que é descoberta.  No outro ônibus, Astrogilda, perdida, não sabia ao certo onde procurar. Após várias ligações de umas para as outras, momentos de tensão com nossos corações estatelados nas saídas das bocas, finalmente Petronília informou que encontrou o celular. Pronto! Estava feito! Cumpriu-se a profecia! As forças do Mal jamais prevaleceriam sobre a Terra! Imagine se Petronília não tivesse ido substituir sua amiga no serviço e não estivesse no ônibus hoje, quem iria procurar o celular? Essa coincidência salvou meu celular das garras de um possível tirano desconhecido que o encontrasse e não o devolvesse mais.


           
            Claro que exagerei na narrativa, mas tudo aconteceu, Não da forma que narrei, mas aconteceu. Ao fim de tudo, Gumercinda pediu para Petronília levar o celular para a universidade no dia seguinte e, após ver que eu me recuperava da quase perda do celular, perguntou:

- Cê não consegue viver sem celular por um dia só não?!

            Depois de segundos de reflexão, respondi com convicção:

- Não, claro que não. 

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Crônica Fantástica: Solidão


Solidão

Por Thiago Damasceno

“A solidão é fera, a solidão devora, é amiga das horas, prima-irmã do tempo e faz nossos relógios caminharem lentos, criando um descompasso no meu coração”.
(Alceu Valença, Solidão)

Entro no quarto com o desejo de fugir da solidão da noite. Ligo pra amigos, mas nenhum deles atende. Não há ninguém em casa, não há ninguém pra conversar, não há ninguém pra trocar ideias, não há nenhuma novidade no Facebook. Desço à calçada do prédio. Não há ninguém no elevador, não há ninguém na portaria. Vou ao meio da rua e grito com as mãos abertas ao lado da boca: “Tem alguém aqui?! Alguém?!”. Ninguém. A noite tenta engolir as luzes acesas dos prédios e por isso eu sei que há gente por toda parte, mas ninguém quer aparecer, então é como se eles não existissem. Eles fingem que não me ouviram. Volto ao apartamento. Talvez a escrita seja minha fuga da solidão.

Sento ao computador e olho a cidade pela janela que está ao meu lado. Tudo começa a dormir. Ouço o barulho de algo se aproximando pelo lado de fora. É um som agudo que vai ficando cada vez mais intenso. Sinto cheiro de coisa podre. Minutos depois aparece um corpo levitando do lado de fora, subindo lentamente e passando pela janela, como se estivesse sendo manipulado por mãos invisíveis. O cadáver pousa no chão do quarto.  Olho pra ele com curiosidade moderada. Há um buraco de bala na sua testa e outro no coração. O sangue ainda escorre dos ferimentos. O cheiro é insuportável. O sangue que desliza pelo chão escreve “assassino”. Então lembro que ele é alguém que conheci há certo tempo e que o matei. Ia me esquecendo desse homicídio, só não esqueci que escondi isso dos outros.

Homens e mulheres mentem, escondem emoções e fatos. Uns são loucos ocultos. Alguns tentam conhecer os outros, mas não param pra pensar que talvez não conheçam nem a si mesmos e que muitos dos outros não se conhecem. Essas pessoas nunca leram nada sobre Sócrates, que dizem que dizia “Conhece-te a ti mesmo”. Não quero beber veneno, como Sócrates, mas também não quero passar o dia todo bebendo apenas água.

Homens e mulheres mentem, escondem emoções e fatos, enganam uns aos outros. Então por que buscamos a companhia dos outros? Seremos movidos por nossos interesses ou somos convencidos pelo interesse dos outros? Seria tudo uma questão de interesse, de egoísmo? Talvez não. Talvez se alguém pudesse ler os pensamentos dos outros não teria tempo pra entender os seus, mas talvez chegasse ao menos a uma resposta pra cada uma dessas perguntas. Já parou pra pensar que uma determinada pergunta pode ter mais de uma resposta? Então pra quê fazer muitas perguntas ao mesmo tempo?

Ouço o barulho de algo se arrastando pelo teto da cozinha. De longe vejo as grandes sombras que o misterioso rastejador faz ao passar perto da lâmpada.  Seu corpo é disforme. Ele tira minha atenção do cadáver. De repente este último abre os olhos e sussurra pra mim:

- Um demônio vive debaixo do armário da cozinha... Você nunca o viu? As corujas me disseram que ele quer companhia. Ao menos por esta noite.

Ouvi atentamente e tenho certeza que meu rosto esboçou um misto de curiosidade, medo e incredulidade. Há mesmo um demônio debaixo do armário da cozinha? Esse defunto acabou de falar comigo?

Não quero que me vejam como um assassino de coisas do passado, então posso tentar convencer a todos que foi o tal demônio da cozinha que matou esse pobre coitado que foi jogado no chão do meu quarto. Minutos depois o barulho no teto para e um homem muito bonito entra no quarto. Jogo vinho na cara dele e ele me xinga. Sim, eu queria mesmo me embriagar e escrever nesse estado.

Eu rio da cara do homem bonito e me divirto com isso porque ele é como as demais pessoas: mente, engana, usa máscaras, esconde interesses. Se contar o fato de que é muito bonito e que talvez possa levar a mulher que quiser pra cama, já que sua aparência mescla beleza com algo misterioso. Isso é legal! Isso é sair da rotina! São enigmas a serem desvendados! Bebo uma taça de vinho de uma só vez porque lembro que também sou um humano, por mais que eu tenha repentinas e temporárias vontades de ter nascido sob a forma de uma raposa, aí pelo menos eu seria mais astuto. O vinho desce rasgando e queimando a garganta. Então entendo porque os indígenas das estórias em quadrinhos chamam o vinho de “água de fogo”.

Passada sua raiva, o demônio lambe o vinho do seu corpo e começa a conversar comigo. Ele tem uma voz gutural e um olhar penetrante, gélido. Parece que procura meus segredos mais sombrios. Percebo claramente o tom de ironia de suas frases. Parece que fala sem querer falar. Ele pergunta onde fica a escada pro Paraíso. Digo que nem sei do que ele está falando e se soubesse, não diria.  

- Imagine se o Mal entrasse no Paraíso?! Se Bem e Mal se misturassem?! – falei.

- Mas o mundo é assim mesmo, seu tolo! – disse o demônio.

Olho pro defunto que continua morto. Digo ao demônio que o defunto falou comigo instantes atrás. O demônio gargalha e diz que além de tolo, sou louco. Ele tenta me convencer, me ludibriar, como qualquer um de nós faria, mas eu digo que conheço de cor a história das tentações de Cristo no deserto e das tentações de Buda na floresta. No caso de ambos, foram três tentações, no momento em que eles estavam em atividades espirituais. Digo ao demônio que escrever é minha espiritualização e que ele me deixe em paz. Ele insiste. Pra ele me deixar em paz, lhe empresto meu exemplar de O Casamento do Céu e do Inferno, de William Blake. Talvez Blake, em suas visões sobrenaturais, tenha escrito a localização da escada pro Paraíso. O demônio sai do quarto, contente com o livro, e se esconde no escuro debaixo do armário da cozinha pra ler sossegado. 

“A Eternidade estremeceu ao ver
O Homem gerando a semelhança
De sua própria imagem dividida!”

“O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria!”

Da cozinha, o demônio grita essas sentenças do livro, com uma voz doce de alguém que conheci há muito tempo, tanto que cheguei a pensar que essa pessoa invadiu o apartamento, mas lembro que é só mais uma falácia do demônio. Essa pessoa não fala mais comigo como antes, então ela está morta. Pouco importa se ela está viva. Pra mim está enterrada a sete palmos! 

O demônio cessa sua gritaria e o cadáver no chão do quarto permanece morto. Não há ninguém mais pra se relacionar. Não há ninguém na cidade. Só eu. Há muitos papéis querendo ser lidos, mas eles não dizem nada com nada. No fim das contas todas as teorias dependem mais de quem vê do quê do que se vê.

Preciso dormir.






Acordei suado. Ainda estava escuro. Era madrugada. Não havia mais corpo no chão, nem demônio na cozinha.

Goiânia, 20/04/12



Literatura Fantástica
           
Segundo o crítico estruturalista francês de origem búlgara, Tzvetan Todorov, o fantástico marca presença numa estória em que um acontecimento anormal pode ter duas explicações: uma explicação natural e portanto, racional, a partir daí a estória seria classificada no ramo estranho, e uma explicação sobrenatural, a partir daí a estória seria classificada no maravilhoso. O fantástico hesita entre essas duas explicações, assim, é ambíguo, deixa o leitor ou o autor/narrador em dúvida.

Escrevo contos fantásticos e resolvi começar a produzir crônicas na mesma vertente por achar mais fácil criar estórias menores e mais simples a partir do cotidiano, o que não faço muito com os contos. Solidão foi a primeira crônica que produzi nesse campo, unindo o fantástico à metáforas.

Cabe ao leitor decidir uma ou nenhuma explicação para os casos anormais que narrei. Como autor e narrador, já fiz minha escolha. 

terça-feira, 1 de maio de 2012

Crônica: Dizem Que Sou Louco

Viajante Clandestino - "Cantos Urbanos" 

Produção musical independente e gratuita! 

"Não vou aguentar ficar sozinho não
Se você passar, por favor
Me leve pra onde você for
Eu preciso mesmo é viajar".
(Andarilho Noturno)


Dizem Que Sou Louco

Por Thiago Damasceno

Goiânia, 27/04/12

          ADVERTÊNCIA: Os fatos narrados a seguir aconteceram ao amanhecer. O assunto é complexo, mas aviso logo que tudo foi levado na brincadeira, na esportiva e não desconsidero os cursos universitários diferentes do meu, pelo contrário. Esta breve advertência tem como objetivo impedir interpretações equivocadas. Este texto é uma crônica bem humorada.

           
Acordei cansado e arrependido por ter acordado. Tem sido assim há três anos, desde que faço História na UEG, em Anápolis. Acordo cedo pra pegar o ônibus, assim como muitos outros estudantes de Goiânia. Levantei da cama, me vesti, escovei os dentes, peguei a mochila e zarpei pro ponto de ônibus. Fui ouvindo música pra esquentar o corpo.

O meu ponto fica numa esquina. Sempre fico sentado em um batente da calçada esperando o ônibus. Em 99% das vezes, devido ao sinaleiro, o ônibus para na rua que fica ao meu lado direito (e não à minha frente) e assim preciso andar um pouquinho pra pegá-lo. Hoje, prevendo que ele pararia além da minha posição, já fui andando pra posição que ele costuma parar, ou seja, um pouquinho longe de onde sento, mas o sinal ficou vermelho e o ônibus parou bem perto de onde eu estava sentado, assim, voltei alguns metros pra pegá-lo (perceba aí uma pequena Lei de Murphy). Deu pra entender?! Não dei mais detalhes sobre essa localização (nome de ruas, etc) porque não sei se algum sociopata/sequestrador lerá isto. Deu pra entender?!

Quando entrei no ônibus, o motorista fez graça comigo, perguntando:

- Sim, Thiago, pronde cê ia?

            Respondi zombando de mim mesmo:

- Eu já tava indo era a pé mesmo...

            O motorista riu junto com três moças que estavam perto. Duas eu conhecia, eram do ônibus mesmo. Uma era estudante de Letras e a outra, de Pedagogia. Ambas da UEG também. A terceira garota eu não conhecia, mas já lhe tinha visto antes. Deveria ser de outro campus que fica na rota do ônibus.  

            A garota desconhecida perguntou minha origem. Responderam que eu fazia História. A moça desconhecida riu e falou algo que eu ouço desde o primeiro dia na faculdade:

- Historiador é tudo doido!

            A cidadã berrou isso gratuitamente, logo pela manhã, assim, quase sem mais nem menos, mas eu ri, afinal de contas, já estou acostumado com o velho e equivocado estereótipo do historiador, o sujeito que consegue ser, simultaneamente: maconheiro e/ou viciado em drogas mais pesadas, homoafetivo, ateu, revolucionário, sempre sexualmente ativo, arrogante e claro, louco. Eu ri, afinal de contas, fazer o quê? Criar uma bomba atômica e acabar com as estirpes acadêmicas contrárias ou com quem defende essa visão? Não, melhor não... Depois sempre fica muita radiação espalhada pelo planeta... Após pensar nessa possibilidade, sentei perto das garotas.

            Minutos depois, as moças começaram a conversar. Então descobri que a moça desconhecida fazia Biologia. Conversa vai, conversa vem e descobrimos que a moça de Biologia irá pra outro estado realizar um trabalho emocionante que consistirá, basicamente, em estudar cupins madrugada adentro.

            Como de bobo só tenho o nome do meu cachorro, aproveitei a oportunidade pra soltar aqueles trocadilhos...

- Uuu... Vai pesquisar as baladas dos cupins...

- Uuu... Vai fazer mapas dos cupinzeiros...

- Uuu... Vai fazer autópsia nos cupins...

            Despejei tais frases com um movimento de braços e com flexões na voz que só quem já me ouviu caçoar de alguém reconheceria, mas todas riram. O papo foi divertido e incrível pra ser de tal modo logo nos primeiros passos da manhã, pena que durou pouco, porque nossa intrépida caçadora de cupins teve que descer antes da saída de Goiânia pra pegar outro ônibus (Vai que ela chegaria atrasada pra Festa de Ação de Graças em algum cupinzeiro...).

            Após sua saída, pus-me a refletir e desabafei pra moça de Letras:

- A menina vai ficar acordada de madrugada, no meio do mato, estudando cupim e depois eu é que sou o doido...