ThiagoDamasceno: setembro 2020

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

CRÔNICA: Há Vida em Marte, Major Tom?

Hoje me deparei com uma certa euforia nas redes sociais devido à notícia sobre a descoberta de gás fosfina na atmosfera de Vênus, que pode indicar presença de vida.

Nada mais brega que isso! Isso mesmo: B-R-E-G-A! E também enfadonho e estúpido. E até nocivo. Vou explicar porquê.

Quando eu era adolescente estudava Astronomia e Astrofísica “a fundo”, dentro do possível para um jovem no interior do Maranhão em meados dos anos 2000. Construí minha primeira luneta com canos PVC e algumas lentes. Abandonei esse instrumento quando meu pai me presenteou com um telescópio profissional. Na época, as maravilhas do espaço sideral me encantavam, bem como as possibilidades de vida extraterrestre.

Eu queria muito sair do amadorismo e me tornar um Astrônomo profissional, mas a vida tem muitas portas, caminhos, decisões, escolhas e renúncias e acabei me tornando historiador, formação que me dá muita satisfação e...

Senso crítico – e ousadia - para questionar o ânimo social com certas descobertas espaço-siderais. Vejam bem: não estou questionando as Ciências Espaciais nem suas validades e utilidades. Meu questionamento é em um sentido mais profundo, existencial e, por isso mesmo, cotidiano. Questiono nossa empolgação perante descobertas que, no presente contexto, acabam nos alienando da nossa atual condição: a de sermos homicidas e suicidas planetários.

Estamos sofrendo há meses com um vírus maldito e há anos com a ascensão do fascismo em várias regiões do globo e com muitas outras mazelas sociais. Em suma: nosso mundo está piorando porque nós estamos nos tornando habitantes piores. Nossas relações uns com os outros, com as outras espécies e com a Natureza como um todo estão nos direcionando para nossa própria extinção e para a morte de tudo que respira.

Ora bolas, se nossa situação vai de mal a pior o que nos importa saber de vida para além daqui?  

Anos e anos de descobertas científicas em muitas áreas para quê?! Para continuar tocando o mundo no ritmo alucinante da vida industrial que a tudo e a todos consome sem responsabilidade social e ecológica?! Sim!!

Então que se lasquem descobertas “impactantes” e “estupefatas” que acontecem para além da nossa atmosfera! Temos ciências já consolidadas que não servem para melhorar nossa qualidade de vida enquanto ser planetário! Que quero então eu saber sobre vida em outros planetas se nem do meu eu consigo cuidar? Ou melhor... se nem de nós mesmos conseguimos cuidar?

A Terra, enquanto estrutura física, vai continuar existindo conosco ou não, com as outras espécies ou não. No fim das contas, as lutas ambientais são um esforço em prol da nossa preservação hoje: nem das gerações futuras nem das pós-futuras, mas hoje! Não cuidamos nem disso direito, então para quê ânimo com E.T.s, alienígenas, odisseias espaciais, etc., enfim, com verdadeiros mitos da atualidade que mais nos alienam do que nos conscientizam da nossa atual condição global?

E vejam que paradoxo: os alienígenas nos alienam e, sendo alienados, nos tornamos alienígenas!

Vejo que nossa atual euforia com isso tudo é triste, brega, enfadonha, estúpida e nociva e, por fim, alienante: vibrar com vida em outros planetas e chorar o fim da vida no nosso...

Não caberemos todos em nenhum ônibus espacial da NASA! A tendência é que pereçamos por aqui mesmo...

Enfim, essas são as reflexões angustiadas de um cidadão brasileiro em plena pandemia e desgoverno Bolsonaro. Sendo assim, minha mensagem para meus irmãos e minhas irmãs do Planeta Azul é: Mais Terra, menos espaço sideral!  

E como diria o E.T. Bilú da Record: “Busquem conhecimento”.

Thiago Damasceno, 14 de setembro de 2020

 

Quem está ao sol e fecha os olhos,

Começa a não saber o que é o sol

E a pensar muitas coisas cheias de calor.

Mas abre os olhos e vê o sol,

E já não pode pensar em nada,

Porque a luz do sol vale mais que

[os pensamentos

De todos os filósofos e de todos os poetas [...]”.

(Fernando Pessoa: poemas de Alberto Caeiro)