ThiagoDamasceno: dezembro 2017

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Crônica: Todo Natal é um Estrago


Era uma noite fria de domingo quando eu voltava do cinema com uma amiga. Havíamos assistido ao filme “Assassinato no Expresso Oriente”. Paramos em um dos semáforos da Praça Cívica por força da ordem furiosa da luz vermelha. Estávamos a contemplar o clássico cenário natalino da praça quando um pedinte apareceu.

            Ele cumpriu sua função social: pedir dinheiro para sobreviver nos lembrando o quanto a sociedade é desigual, mesmo que  tal desigualdade social nem sempre ressoe em nosso interior emocional como deveria. Entre apelos e atropelos discursivos, ele falou algo como “não queria estragar o Natal das crianças”. Não entendi bem se ele havia destruído alguma coisa na praça sem querer ou se queria comprar algo para os filhos dele. O fato é que ele encostou no retrovisor do carro e começou a discursar.

            Falou das dificuldades da vida, etc, etc, etc... Conversa banal sobre o óbvio infernal. Luz verde, passagem livre. Semeamos mais distâncias na desigualdade abissal que havia entre nós e ele. No caminho, minha amiga levantou uma questão importante, no campo das emoções. Eu, como de praxe, estava concentrado no campo material.

- Tadinho dele... Só queria desabafar – disse ela.

- Pois é... – respondi.

- Tá vendo, ele não tem nada, nem ninguém pra ouvir as noias dele. A gente pelo menos tem um ao outro pra ficar ouvindo as noias, as angústias e os dilemas.

- Realmente... – respondi de novo, mas dessa vez absorvendo profundamente a seriedade daquele assunto.

            Maldita desigualdade social: não basta deixar muitos na miséria material, tem que tirar deles até boas companhias humanas, um ombro amigo, um ouvido atento, um olhar carinhoso. Desse jeito, não há Natal que não tenha estragos.