ThiagoDamasceno: fevereiro 2016

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Sociedade e Política: Goiás: Estado Violência

Goiás: Estado Violência

Por Thiago Damasceno


“Estado Violência, deixe-me querer!
Estado Violência, deixe-me pensar!
Estado Violência, deixe-me sentir!
Estado Violência, deixe-me em paz!”

(Estado Violência, Titãs)

Sou mais um maranhense que veio tocar a vida em terras goianas, terras de povo simpático e hospitaleiro, qualidades que minimizaram meus humanamente naturais medos da mudança e da adaptação. Esses medos não existem mais. Sete anos desde minha migração, já me sinto com identidade goiana e considero este estado também o meu lar. Porém, outro medo nasceu, ou melhor, cresceu. É o medo da violência. E para piorar, é um medo da violência tanto dos fora-da-Lei quanto dos agentes da Lei.



             Não vou falar sobre os criminosos perante a Lei porque isso é praxe. Falarei dos crimes cometidos por aqueles que estão sob a proteção legal e que, justamente por isso, abusam de suas autoridades e poderes. Há exceções, claro, mas quem dera viver sob o manto da ética e da justiça fosse fato para todos.

            Goiás, e principalmente a capital Goiânia e cidades vizinhas, vêm passando por momentos sociais e políticos turbulentos: além dos problemas “de sempre”, ultimamente a maioria da população vem sofrendo com o aumento abusivo da passagem do transporte coletivo e com as cacetadas de uma governança autoritária, avessa ao diálogo e a explicações de suas atitudes para com aqueles que mantêm os cofres públicos tilintando de moedas: nós, o povo, esse termo vago e genérico, mas que você e eu entendemos bem.
           
            O governo estadual, de forma arbitrária, quer introduzir o sistema de gestão escolar via Organizações Sociais. Isso gerou um movimento forte e coeso por parte dos estudantes secundaristas e até ação civil do Ministério Público de Goiás contra tal procedimento. Claramente, a gestão escolar via OSs favorece um grupo detentor de poderes políticoeconômicos e desfavorece as classes mais socialmente fragilizadas da população. É um esquema imoral, um esquema oriundo da lógica neoliberalista de governar. Sobre isso, o professor e diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP, Luiz Carlos de Freitas, fala melhor.  


            Manifestações estudantis contra as OSs vêm ocorrendo desde o conhecimento público desse esquema, e de “brinde” a essas manifestações, a violência da Polícia Militar de Goiás. Ando com medo, você também deve andar assim. Mas agora não sei se tenho mais medo de um bandido ou da polícia. A polícia aqui prende, bate e humilha psicologicamente a seu bel-prazer, principalmente se você estiver participando ativamente de uma manifestação ou passar perto de uma. O discurso que as autoridades fardadas usam para legitimar seus abusos de poder é raso, superficial: “Fulano é vândalo, malandro, bandido, terrorista”, etc, etc... É um discurso bastante estúpido e simplório. 

Claro que há pessoas mal intencionadas e violentas nos movimentos sociais, mas isso não é “regra”. Claro que há PMs que exercem suas funções com ética - e paz na medida do possível - mas a “regra” que vem crescendo é a oposta. Vi e ouvi dizer de amigos, colegas e conhecidos sendo presos e humilhados pela PM. Durante uma ocupação na Seduce (Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte), no dia 15 de fevereiro, 31 pessoas foram presas por ocuparem o órgão. 13 dos presos eram estudantes menores de idade e um era professor doutor em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É necessário que os eleitores goianos saibam dessas atrocidades cometidas pelo governo e se lembrem delas no próximo período eleitoral.

O aparato policial durante a ocupação da Seduce... Guerra contra o tráfico: viaturas, helicópteros e policiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais). A polícia até usou um ônibus coletivo da CMTC (Companhia Metropolitana do Transporte –Transtorno - Coletivo) para levar para a cadeia os 31 presos políticos que estavam apenas exercendo seu direito constitucional de livre manifestação e queriam acompanhar o andamento do processo jurídico do esquema das OSs na Educação (processo fechado para o público, uma clara ação anticonstitucional. Coisas de Goiás....). A força policial, levando todos em um ônibus coletivo, lembrou o clima do livro 1984, lembrou uma conspiração no ar arquitetada pelos poderosos. Aqui, em outros lugares do país, ativista político é rotulado de bandido.






A classe policial é uma classe muito incoerente. Não é detentora do poder econômico – na prática é uma classe trabalhadora - mas ou obedece sem refletir as ordens da classe superior (que a explora!) que manda “descer o cacete” em todo mundo que incomoda o sistema pelas suas falhas ou os policiais violentos simplesmente carregam o germe da violência dentro de si e são sádicos por natureza e por isso batem, prendem e xingam quem e quando querem.

             Nem vou entrar nas questões tanto sociais quanto filosóficas que envolvem a violência humana, tema muito complexo e polêmico, mas isso serve de gancho para mencionar a tristeza acarretada pelo assassinato da estudante Nathália Araújo Zucatelli de 18 anos no Setor Marista - bem como lembrar outros crimes tão ou mais bárbaros ocorridos com pessoas de outros setores da cidade, com outras cores e condições econômicas – e o despreparo democrático do governador Marconi Perillo para lidar com o caso.

            Numa coletiva de imprensa, o governador demonstrou sua falta de tato com jornalistas, principalmente quando uma das profissionais cobrou medidas mais práticas por parte do governo. Ela cobrou isso porque a retórica de Perillo foi de fuga do assunto e essencialmente de isentar-se de culpa. A culpa, como sempre nestes dias de “Ódio ao PT” disseminado por seus opositores, foi da tal “crise sem precedentes na história do Brasil” (se esqueceram dos anos 80/90!) e da presidenta Dilma.

            Não estou defendendo nem o PT e nem Dilma Rousseff. Obviamente a presidenta e seu partido têm seus muitos problemas, como toda a estrutura política do país e seus partidos, mas culpá-los EXCLUSIVAMENTE por todas as desgraças do país – como muitos cidadãos vêm fazendo, criando uma verdadeira algazarra de estupidez política – é ingenuidade, desinformação, falta de senso crítico e até – dependendo do caso – mau caráter.

            Ao governador Marconi Perillo sobrou o autoritarismo esnobe para pedir a demissão da ousada jornalista e a cômoda posição de, enquanto principal gestor de um estado, representar-se como vítima perante uma “crise em igual” e escrever uma carta para a “demoníaca” presidenta Dilma Rousseff cobrando uma posição. Até onde sei, existem forças policiais exclusivamente de Goiás e verbas federais para a segurança, mas parece que é mais rentável investir em propaganda e pagar cachê para cantores milionários – como o Leonardo e companhia – em detrimento de investimentos sociais que favoreceriam a construção de uma sociedade mais pacífica e humanizada.

            Os donos do poder estão no poder há tempos e pouco se importam com a sociedade. Não sei como conseguem dormir direito à noite.  Ou talvez durmam bem, afinal de contas, há uma teoria – parece que de caráter popular, não pesquisei a fundo – que defende que uma pessoa para chegar em um altíssimo cargo de gestão em escala estadual/nacional/mundial, dependendo do seu cargo, precisa de elevada dose de apatia e “des-sentimentalismo”. Ou então a escalada do poder políticoeconômico em si leva ao desenvolvimento de tais estados psicológicos.

            Vivemos tempos complicados em que muitas autoridades são os verdadeiros bandidos e os bandidos explicitamente foras-da-Lei não ficam para trás. Vivemos tempo complicados, injustos e violentos. Ou talvez sempre se viveu assim.

            A sombra do medo paira sobre Goiás. Tenho saudades daquele tempo em que era recém-chegado nestas terras, em que tudo era uma novidade e eu sentia apenas bons ventos soprarem pelo cerrado do coração do Brasil.


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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Crônica: A Noite Goianiense

A Noite Goianiense
Por Thiago Damasceno


A noite goianiense cheira a cerveja, cheira à “cantina das trevas” e a uísque caro que leva ao mesmo efeito de uma pinga nacional boa e barata. A noite goianiense cheira à nicotina, porronca e maconha. Cheira a um perturbador alívio.

A noite goianiense cheira à ressaca e à sofreguidão da última noite mal dormida.

A noite goianiense cheira a vulvas e pênis tanto encharcados quanto ressecados. A noite goianiense cheira a arrotos imorais. Cheira a fogo e cinzas de prazeres.

            A noite goianiense cheira a pobres almas desesperadas mendicantes de atenção, a anjos em busca do Paraíso, a demônios viciados no Mal procurando em vão a salvação.

            Mas salvação não há na noite goianiense.

            A noite goianiense cheira a intelecto ansioso por gamas de assuntos, por questões, dúvidas e incertezas que aflijam o espírito e por isso mesmo o acalante, porque não há nada mais relaxante para a angústia existencial tu que viver em busca de respostas.  

            A noite goianiense cheira a você preferir ir a um pub onde uma banda faz cover do bom e velho Nirvana a ir a um show de uma banda internacional viajada cujo som não passa de um rockão antigo que começa a tocar numa daquelas cenas clichês de filmes hollywoodianos em que dois motoqueiros descolados entram num bar.

            A noite goianiense cheira à tua amiga te deixando em casa na calada da madrugada enquanto a cevada já corrompe teu senso de juízo e direção e ela já te fez todas as perguntas cujas respostas você só confessaria pra Deus ou pro Diabo.

            A noite goianiense cheira à busca por algo, mesmo sabendo que você não vai conseguir esse algo, mas que precisa quebrar a cara, pagar pra ver.

            A noite goianiense cheira à sobrevivência após andar por quebradas obscuras em um setor nobre. É na nobreza que se escondem os vícios. A pobreza nada tem a esconder, é explícita e declarada. A miséria é sincera. A riqueza mente.

            A noite goianiense cheira à lição de se satisfazer e se contentar com uma bela noite de sono. A cama está lá toda a te abraçar. 

            A noite goianiense chega ao fim no teu quarto silencioso enquanto aquela velha parábola zen fica a ecoar na tua mente cheia de conceitos e ideias até que você a acalme porque no final essa é a única saída que resta no beco da ansiedade.

            A noite goianiense cheira à tua sombra, cheira à tua projeção nublada no escuro.

            A noite goianiense cheira à meditação. Mas salvação não há na noite goianiense.



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