ThiagoDamasceno: março 2020

sábado, 28 de março de 2020

CRÔNICA: Onde Querem Enfiar Tanto Dinheiro?


Vejamos as opiniões de três personalidades públicas brasileiras sobre o momento crítico em que estamos.  Em seguida, aplicarei a pergunta-título acima aos seus discursos.
Um alerta: o conteúdo dessas falas é indigesto para quem tem bom senso, empatia e solidariedade.
Para o empresário e publicitário Roberto Justus, o conjunto de medidas preventivas para combater o coronavírus... “Vai custar muito caro. Você está preocupado com os pobres? Você vai ver a vida devastada da humanidade na hora do colapso econômico, da recessão mundial, dos pobres não ter o que comer, das empresas fecharem, do desemprego em massa, não dá pra comparar com um vírusinho, que é uma gripezinha leve para 90% das pessoas”.
Reforçando essa ideia, o empresário Junior Durski, dono da rede restaurantes Madero, disse o seguinte: “Nós não podemos, por conta de 5 mil pessoas ou 7 mil pessoas que vão morrer... eu sei que é muito grave, eu sei que isso é um problema, mas muito mais grave é o que já acontece no Brasil [...] E agora vão morrer então 5 mil pessoas de... pela coronavírus que nós não podemos evitar, nós não podemos evitar...  não tem como fechar tudo, se esconder do inimigo e não trabalhar [...] Não pode parar o Brasil. O Brasil tem que continuar trabalhando”.
E para fechar o combo de pensamentos diabólicos, o despresidente da Desrepública Desfederativa do DesBrasil: “A economia não pode parar. Afinal de contas, não basta termos meios, se não tivermos como levá-los ao local onde serão usados, bem como os profissionais têm também que se fazer presentes nesses locais [...] Então estamos acertando para que um Estado não aja diferente dos outros e que não bote em colapso o setor produtivo”.
É fato que a atual pandemia está produzindo e produzirá consequências sociais complicadíssimas, incluindo na economia, como as três criaturas mencionadas pontuaram. Contudo, por trás dessa “inteligência” e “elegância” discursiva (alguns bovinos podem encontrar inteligência e elegância nisso) há uma preocupação maior com a economia e não com as pessoas.
O foco desses três é salvar o dinheiro, não o povo. Para eles, a máquina que gera grandes lucros para poucos não pode parar, mas a logística social da nossa saúde e, logo, das nossas vidas, deve.
O que esses três mentecaptos têm em comum? São homens héteros brancos e endinheirados. Essa maldita “fórmula” gera seres (des)humanos inescrupulosos, perversos e idiotas, como observamos cotidianamente nos últimos anos.
Pior do que isso é o espaço que suas ideias têm. E ainda pior do que isso é quem os apoia. Devem apoiá-los por uma mistura de representatividade (em almejar ter o dinheiro que eles têm) e por perversão mesmo. Não aceito mais a ideia de apoio por má informação e ignorância, pois eles chegaram ao ponto extremamente alienante de defender dinheiro no lugar de vidas sem o mínimo receio! Eles vêm a público afirmar isso como se fossem ideias ou opiniões a serem levadas em conta!
Onde quem enfiar tanto dinheiro? Para quê serve um mundo cheio de dinheiro sem gente para viver nele? Onde essa corrida pelo ouro vai nos levar?
Parafraseando Drummond em “Poema de Sete Faces”: “Para quê tanto dinheiro, meu Deus, pergunta meu coração”.
Não é o dinheiro que gera a gente, mas o contrário! Quantas pessoas ainda devem morrer e quantas desgraças ainda devem acontecer para que entendam isso?!
É hora do “Nós” contra “Eles”. Devemos boicotar, censurar e rebater essas ideias e discursos. Devemos nos rebelar em massa e escorraçar esse tipo de conduta, opinião e argumentação, pois isso virou uma questão de sobrevivência.
Se Eles querem o dinheiro, Nós queremos a vida.


Thiago Damasceno, 25 de março de 2020

quarta-feira, 25 de março de 2020

CRÔNICA: O Ridículo do Mundo



Historiador de formação, filósofo de boteco e ansioso de carteirinha como sou, sempre penso nas tragédias do mundo. Acho que ando pensando nisso até demais, inclusive. Mas como não pensar quando o Apocalipse deixa de ser apenas um livro e passa a ser uma realidade cotidiana plausível? Quem leu minhas crônicas anteriores sabe que os moradores de rua, cujo número cresce a olhos vistos, são personagens recorrentes aqui nas minhas tramas textuais. Esse é um exemplo das tragédias sobre as quais penso.
Mas hoje quero comentar sobre o novo problema global, o nosso mais novo vilão: o coronavírus. E baseado nisso, comentar também o que chamo de “ridículo do mundo”, pois o coronavírus é um bom “exemplar” para mostrar esse ridículo porque ele é o inimigo em comum de todos. Não há país que o queria em suas fronteiras. Não há quem o queria em seu corpo. Não há manifestação política de cidadãos histéricos – convocada por um despresidente - que resista a ele. E isso tudo mostra o quanto nossas vidas, nossas culturas, nossas vaidades e desejos são montagens, fragilidades, enfim, coisas que podem ser desfeitas, desmanteladas.
E tenho comigo que tudo que pode ser desmantelado é, em essência, muito idiota, pueril, risível, em suma, ridículo. Ou talvez minha percepção das coisas esteja exagerada, enganada e, por que não, ridícula? Mas vamos lá... Peguemos como exemplo a manifestação política dos cidadãos histéricos. Vocês sabem qual é, é aquele ensaio de golpe político marcado para o 15 de maio.
Essa turma toda é bem exaltada, com emoções à flor da pele e cheios de certezas com seus argumentos que, na cabeça enganada e doentia deles, fazem sentido. Pois bem, tudo isso faz parecer que eles são bem convictos do que querem e do que farão. Eles dão a entender que levarão tudo isso até as últimas consequências! Mas não... levam isso apenas até aparecer um novo vírus. E sob ordens do líder de tudo, que dias atrás tinha debochado do vírus e dito que não havia convocado nada.
Para quê coisa mais ridícula que isso?!
Citei esse exemplo porque ele é o mais notável neste momento nacional. Mas o ridículo do mundo também é percebido em momentos mais “genéricos”, como tarde da noite. Vejamos outro exemplo.
Um dia desses acordei de madrugada com a cabeça doendo e fui à cozinha pegar água para tomar um comprimido. No sossego da escuridão e do silêncio daquele momento, percebi o ridículo do mundo. Como assim? Ora, o mundo estava parado!
Parecia que todo mundo tinha parado para dormir, desde os bandidos de esquina aos políticos maléficos às novas pragas biológicas. Eu sei, eu sei... meu campo de visão no momento era limitado: a minha rua, o mundo logo depois da minha janela, etc. Mas acho que o episódio exemplifica o pensamento: tudo que pode ser pausado, adiado, reformulado ou mudado é passível a ser ridículo. Acho que eu levaria o mundo e as pessoas mais a sério se nada parasse ou mudasse, se ninguém dormisse, se ninguém pausasse para pregar os olhos, para tomar um ar. Nessas horas, consigo até imaginar, no passado, o demônio do Adolf Hitler dormindo. Pense nisso: um tirano daquele dormia, ficando vulnerável igual a um bebê. Um tirano vulnerável é um tirano ridículo!
Resumindo o meu pensamento: Todo mundo quer matar um ao outro até aparecer um inimigo em comum. Todo mundo se leva muito a sério até aparecer um novo vírus. Todo mundo sabe de tudo até o Google sair do ar.
Em essência, somos frágeis, quebrados, ridículos. Logo, o mundo que criamos também.

Thiago Damasceno, 14 de março de 2020