ThiagoDamasceno: Comentando Letras

domingo, 5 de dezembro de 2010

Comentando Letras

         Aproveitando o clima musical proveniente da postagem anterior, comentarei duas letras de uma das minhas bandas preferidas: Ira! As letras são das canções Flores Em Você e Dias De Luta, bem conhecidas. Ambas são do segundo álbum do Ira! chamado Vivendo E Não Aprendendo, de 1986. Esse álbum fala basicamente de juventude e amor ao som de ótimos arranjos, melodias belíssimas e letras bem pensadas. Na época de sua gravação os integrantes queriam uma sonoridade semelhante à do grupo inglês The Jam, o que causou tensões com o produtor Liminha. Coloquei o link para download do álbum e das canções no final do texto. Boa leitura! Aguardo comentários, réplicas, tréplicas, etc...

Por Thiago Damasceno
Flores Em Você
(Edgard Scandurra)

De todo o meu passado
Boas e más recordações
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois

Nessa vida passageira
Eu sou eu, você é você
Isso é o que mais me agrada
Isso é o que me faz dizer
Que vejo flores em você

        Flores Em Você tem o arranjo de um quarteto de cordas e um violão tocado por Edgard Scandurra (guitarrista da banda) que acompanha o vocal de Nasi. Nos meus primeiros pensamentos sobre Flores Em Você, pensei que ela se tratasse apenas de uma dócil canção de amor para uma segunda pessoa. Ainda hoje concordo que é para uma segunda pessoa, mas não da forma como antes, pois a expressão “flores em você” leva consigo mais de um sentido.
        A elegia é uma forma de poema que apareceu no Classicismo, escola literária que nasceu na Europa do século XVI. A elegia lamenta a morte de alguém. Vejo Flores em Você quase como uma elegia, só não é uma elegia no sentido mais comum porque não lamenta a morte de alguém, pois o sujeito poético (quem fala na letra) parece se conformar com a morte de um ente querido.
        Tal sujeito faz uma análise da sua existência nos primeiros versos “de todo o meu passado, boas e más recordações”, ele quer se apegar ao breve presente e revivê-lo posteriormente “quero viver meu presente e lembrar tudo depois”. A morte é constatada na parte “nessa vida passageira”. Scandurra também usou essa expressão na canção Vida Passageira, que é claramente uma elegia. O falecimento de um ente querido é observado em “vejo flores em você”, ou seja, o corpo de um indivíduo num caixão, com flores e tudo, mas o sujeito poético parece se sentir bem com essa morte “eu sou eu, você é você, isso é o que mais me agrada...” Uma espécie de “ainda bem que não fui eu”. Esse sentimento de tranqüilidade com a morte de uma pessoa querida só seria possível se a pessoa morta soubesse que iria morrer e quando a morte chegasse, ela estaria satisfeita e em paz com a vida, tranqüilizando a si mesmo e os demais. O falecido não estaria necessariamente feliz, mas saberia que respirou numa vida feita de bons e maus momentos que geraram “boas e más recordações”.        
        Quem morreu (na história da letra) deveria ter idade avançada, pois não acredito que algum jovem morreria satisfeito com a sua existência. Poderia ser um tio, avô ou avó do próprio Scandurra ou do sujeito poético, já que nenhum autor é necessariamente o narrador de seus escritos. Suposições e mais suposições, viagens e mais viagens...
        Eu disse no parágrafo anterior que um jovem não morreria satisfeito com sua existência. Essa idéia nos leva ao próximo comentário, logo abaixo.

Dias De Luta
(Edgard Scandurra)

Só depois de muito tempo fui entender aquele homem
Eu queria ouvir muito, mas ele me disse pouco
Quando se sabe ouvir não precisam muitas palavras
Muito tempo eu levei pra entender que nada sei
Que nada sei...

Só depois de muito tempo comecei a entender
Como será meu futuro como será o seu
Se meu filho nem nasceu, eu ainda sou o filho
Se hoje canto esta canção,o que cantarei depois?
Cantar depois...
O quê?!

Se sou eu ainda jovem, passando por cima de tudo
Se hoje canto esta canção, o que cantarei depois?
Cantar depois...
O quê?!

Só depois de muito tempo comecei a refletir
Nos meu dias de paz, nos meus dias de luta...
Se sou eu ainda jovem, passando por cima de tudo
Se hoje canto esta canção, o que cantarei depois?
Cantar depois...
O quê?!
       
        Corre a lenda entre os fãs do Ira! que Scandurra compôs essa canção para seu pai “se meu filho nem nasceu, eu ainda sou o filho”. Vejo que ela fala sobre a arrogância de grande parte dos jovens que pensa que podem qualquer coisa “se sou eu ainda jovem, passando por cima de tudo”. Todos podem muito, claro, mas nem todos conseguem o que querem. O sujeito da letra demorou muito “pra entender aquele homem” e “só depois de muito tempo comecei a refletir”. Na ânsia juvenil de alguns em viver intensamente cada momento, ou simplesmente “curtir a vida”, não há muito tempo gasto para pensar. Acredito que a letra fala também de quem é imediatista e no fim das coisas, quando tudo acaba, fica sem saber o que fazer. Essa metáfora consta em “se hoje canto esta canção, o que cantarei depois?”.
        O sujeito da letra se encontra inexperiente e cheio de dúvidas e aprendendo, depois de muito tempo, com o que disse “aquele homem”. O indivíduo está então em conflito, conflito que vejo expresso principalmente na introdução instrumental da canção. As palavras da letra falam muito, mas o arranjo não é mudo.
       
Flores Em Você:


Dias de Luta:


Álbum Completo:




Obs: Peguei o link do álbum em http://www.camaleaodownloads.com/

Um comentário:

  1. As letras de Scandurra sempre foram a marca diferenciada daquela festa bagunçada dos anos 80/90. Líricas, mas com palavras diferentes e que levavam a construções ao mesmo tempo claras e amplas, sem serem objetivas demais. As de tom transgressor e rebeldes principalmente. Sua observação de "Flores em Você" é interessante, mas eu tenho outra opnião. O eu poético pode estar querendo sair de uma relação, onde "eu sou eu, você é você", sem querem ferir o coração de sua amada. As lembranças do passado, as "boas e más recordações" são fruto de uma intensa convivência, mas agora é bola pra frente, viver o presente e "lembrar tudo depois". A amada foi uma boa companhia, e a expressão "vejo flores em voê" não é necessariamente um eufemismo, uma lamentação de morte. Porém, sua ánálise da música ficou boa. Até!

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