ThiagoDamasceno: Fábulas

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Fábulas

         Agradeço aos seguidores do blog e a todos os usuários pela atenção. Com vocês, duas fábulas tiradas da árvore da minha imaginação.

 "A Fábula é uma pequena narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade".
(La Fontaine, poeta e fabulista francês do século XVII)

O Leão Estressado
Por Thiago Damasceno
        Todos os dias o leão corria atrás do rebanho de búfalos e comia um daqueles grandes animais. Três hienas sempre o observavam a distância e esperavam ele ficar de barriga cheia para irem comer os restos dos búfalos. Às vezes sobrava carne, outras vezes, só ossos, mas elas sempre devoravam as sobras de comida do leão. Acontece que a relação entre o leão e as três hienas não era das mais amigáveis. Mesmo deixando as carcaças dos búfalos, o leão se zangava com as hienas que não tinham coragem de caçar e apenas esperavam ele se satisfazer com sua comida para poderem satisfazer a si mesmas. Quando elas iam sedentas comer o que o leão deixava, ele se retirava irritado:

-Covardes! Nojentas! Só não devoro vocês aqui mesmo porque já estou de barriga cheia! Não lhes suporto mais!
       
        A mais atrevida das hienas retrucava:

-Entenda uma coisa Rei da Selva, os covardes também precisam matar sua fome...
       
        O leão sempre voltava para casa estressado e não tratava bem à leoa, seus filhotes e os vizinhos. Se irritava com eles e estava sempre a reclamar da vida. A leoa já sabia que quando ele retornava do almoço, seria sempre a mesma irritação. Cansada daquilo tudo, ela lhe disse:

-Meu bem, não adianta mais viver assim! Veja como envelhecestes! Estás doente devido àquelas hienas. Sugiro que procure ajuda com a sábia coruja.
       
        Ouvindo sua esposa, o leão foi até a coruja e perguntou como ele poderia sanar sua relação ruim com as hienas, não se perturbar tanto com elas e não jogar essa carga em cima dos outros que não tinham ligação com os acontecimentos. A coruja lhe respondeu:

-Não te irrites tanto com elas, já que elas comem o que tu não queres mais comer.

        E acrescentou:

-Não vale a pena se estressar com seres que passam uma parte do dia com você. Teus dias e tua existência não dependem tanto deles.



A Raposa Que Ouvia Pensamentos
Por Thiago Damasceno
         Era uma vez uma raposa muito esperta e curiosa. Andava sempre lendo livros, que roubava das bibliotecas dos humanos, e também lia as “páginas da natureza”, observando o cotidiano dos outros animais. Rondava um boato pela selva que dizia que ela substituiria a coruja quando esta morresse. A coruja era considerada a mais sábia entre todos os animais. A raposa já tinha então fama de esperta, inteligente e estudiosa, mas sua curiosidade não acabaria por aí. Após alguns dias de reflexão ela empenhou-se na busca do que ela chamava de “a maior das inteligências”. Perguntou a muitos animais: ao leão, ao elefante e à hiena, mas não obteve respostas satisfatórias.  Finalmente ela perguntou à coruja, que com toda sua sabedoria, lhe respondeu:

-A “maior das inteligências” deve ser e deve estar na inteligência reunida de todos os animais.
        
        Não era segredo para ninguém que a coruja ensinava por meio de parábolas, fábulas, poemas, enigmas, etc. A raposa começou a pensar na espécie de “inteligência reunida” e chegou à conclusão de que deveria saber o que se passava na cabeça de todos, ou seja, precisava ouvir os pensamentos dos outros animais, juntá-los, e assim teria a “maior das inteligências”. Ela foi novamente à coruja e perguntou, cheia de confiança na sua esperteza:

-Mestra Coruja, o que eu devo fazer para conseguir ouvir os pensamentos de todos os outros animais?

-Fizeste agora a pergunta de forma mais direta. Como sou conhecedora de muitas coisas, tenho essa resposta na ponta do bico, mas preciso perguntar primeiro se queres mesmo esse dom.

-Sem dúvida, se isso me levar a ter a “maior das inteligências”, por que não?

-É uma escolha difícil de fazer, pense bem.

-Difícil para quem tem preguiça de buscar sempre mais de si mesmo.

-Tudo bem, vejo que você já decidiu. Existe uma fonte sagrada à 2 km da Grande Árvore. Beba sua água numa noite de lua cheia e você terá esse dom.

-Obrigada mestra, muito obrigada mesmo.
        
        A raposa até que foi educada, mesmo sendo arrogante, porém, no seu íntimo, ela sorria, pois iria ouvir e memorizar até os pensamentos da coruja e se tornar então, a mais sábia dos animais.
        Numa noite de lua cheia ela vagou pela selva até encontrar a Fonte Sagrada. Ela bebeu sua água e no mesmo momento milhares de vozes vieram à sua mente. Ela percebeu que estava ouvindo todos, como se estivessem conversando com ela, mas eram pensamentos alheios que invadiam sua cabeça. Ela entrou em desespero, mas viu que precisava se acostumar. Ela precisava controlar aquela chuva de pensamentos, idéias e opiniões. A raposa passou um mês isolada numa gruta numa espécie de treinamento. Após controlar seu poder e aprender a ouvir mentes isoladas e meditar sobre as reflexões dos outros, desde uma formiga a um elefante, ela resolveu sair e experimentar seu poder na prática. Ela queria saber o que os outros pensavam e tirar vantagem de tudo. A curiosa raposa pensava que a dor de receber esse poder era seu preço, mas se ela tivesse a sabedoria da coruja saberia que o preço era outro... e bem mais caro.
         Depois de alguns dias tendo conhecimento das opiniões dos outros animais, a raposa estava frustrada. Ela absorveu muitos fatos que cada animal aprendeu, é claro, mas ela também soube que a maioria deles não a suportava e odiavam sua curiosidade, não pela sua sede de conhecimento, mas pela sua vontade de ser melhor que os outros. Falavam com ela só por falar e com muita falsidade, pois preferiam tê-la como amiga, ainda que na aparência, do que tê-la como inimiga.
        A raposa então viu que a maioria dos animais não eram burros, como antes pensava e também viu que vivia numa selva cheia de mentirosos com suas segundas intenções. Ela nem quis conhecer os pensamentos da coruja, pois estava em tamanho desespero que apenas chorava. Alguns animais vinham ajudá-la, como pose, mas ela sabia dos seus pensamentos mais sinceros:

-Tomara que dessa ela não passe!

-Nem sua esperteza poderá lhe salvar!

-Sem essa rabugenta metida à besta, viveremos mais tranqüilos!
        
        Ela não suportou essas afrontas e se jogou do mais alto rochedo. Quem presenciou sua queda foram apenas os pensamento alheios que nem sabiam por quem eram ouvidos. No fim, a coruja estava certa em saber o local exato da fonte e não bebê-la, pois a curiosidade mataria o gato, como diz um velho ditado, mas nesse caso, matou a raposa.

Se desejas saber o que os outros pensam, certifica-te primeiro se estás preparado para ouvir, suportar e conviver com as opiniões alheias.

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