ThiagoDamasceno: Cinema: “O Último Desafio”, com Arnold Schwarzenegger

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Cinema: “O Último Desafio”, com Arnold Schwarzenegger

O Último Desafio: Quando o Mundo Especial Vai Até o Mundo Comum
Kim Ji-Woon, The Last Stand, 2013, EUA.


Por Thiago Damasceno

Neste texto, não quero falar sobre o quanto esse filme é fraco comparado a outros estrelados por Schwarzenegger; nem no quanto ele apela em mostrar um chefão do tráfico internacional que escapou do FBI, mas que foi pego por policiais mal treinados; nem nos seus velhos discursos de heroísmo norteamericano concentrando coragem e honra inabaláveis no personagem do eterno Exterminador do Futuro. Quero falar sobre um ponto interessante no seu roteiro, que é a ida do Mundo Especial ao Mundo Comum do Herói. Para os leitores de primeira viagem dos meus textos sobre cinema, algumas palavras antes.


Minha abordagem de roteiros de filmes tem como base a chamada Jornada do Herói, um conjunto de padrões mitológicos identificados e organizados pelo mitólogo Joseph Campbell (1904-1987) em sua principal, O Herói de Mil Faces. Campbell identificou assuntos e experiências universais nos mitos e demais estórias do mundo e essas estruturas míticas foram e são usadas nas narrativas  da literatura e no cinema. Um tema universal, por exemplo, é a Coisa Proibida: a fruta que não se pode comer, a sala que não se pode entrar, a caixa que não se pode abrir, algo que não pode ser visto, entre outros.

Voltemos ao filme.

Toda estória envolve um Herói que se aventura em busca de algo e devido à essa busca, esse Herói se transforma. Do medo, ele vai à esperança, da dor à alegria. Na sua jornada, geralmente o Herói parte de um Mundo Comum, o seu lugar seguro, conhecido e tranquilo, ao chamado Mundo Especial, o lugar desconhecido e perigoso onde as aventuras ocorrem. O primeiro passo de muitas estórias é mostrar o Herói na segurança do seu Mundo Comum para que posteriormente, quando ele estiver no Mundo Especial, seja percebida a diferença entre o Mundo Comum e o Mundo Especial. Após o Herói ser mostrado em seu Mundo Comum, ele entra em contanto com uma missão, fase da jornada designada Chamado à Aventura, e parte ao Mundo Especial, pondo o pé na estrada e iniciando sua aventura. Como exemplo, o famoso hobbit Frodo Bolseiro, de O Senhor dos Anéis, que está no seu tranquilo Condado (Mundo Comum) e sabendo que precisa dar um fim ao Um Anel e se dirige até a Montanha da Perdição para destruí-lo, se lançando na Terra Média (Mundo Especial), onde tudo é novo e arriscado.

Em O Último Desafio as coisas não se passam exatamente desse modo. As estórias do mundo todo têm a mesma estrutura ou estruturas semelhantes em muitos pontos e variam conforme a cultura e os desejos de seus criadores. Essas variações deixam as estórias mais interessantes e até certo ponto, originais, mas é possível apontar traços comuns à outras obras, como veremos adiante.

No filme em questão, Gabriel Cortez (Eduardo Noriega), chefe do tráfego internacional, foge do FBI durante sua transferência da prisão. Dirigindo loucamente um Corvette C6 ZR1, ele zarpa rumo à fronteira dos EUA com o México para sair das terras do Tio Sam passando por uma ponte móvel construída por seus capangas. O detalhe é que essa ponte foi erguida na pequena cidade de Sommerton, no Arizona. O outro detalhe é que o xerife dessa cidade é Ray Owens (Arnold Schwarzenegger), um cara durão e simpático (claro que simpático numa dimensão onde não há Skynet).

O FBI informa ao xerife Ray que ele pode sair do caminho de Gabriel, pois a S.W.A.T. está indo para Sommerton e nenhum policial vai poder pará-lo. Ray ignora o aviso. Sabendo que a cavalaria não chegará a tempo, decidi resolver a parada por conta própria junto com seus policiais despreparados, um maluco dono de um milhão de armas ilegais e Frank Martinez (Rodrigo Santoro), um veterano da Guerra do Golfo.


O ponto curioso do filme é que não são os heróis que vão ao Mundo Especial, como na maioria das estórias, mas o Mundo Especial que vêm até eles. Eles não precisam sair do seu Mundo Comum, a pacata cidade de Sommerton. Pelo contrário, é o mundo perigoso, o Mundo Especial, encarnado no vilão Gabriel Cortez e seus capangas vindos da cidade grande, que chega à cidade do interior. Mesmo assim, a trama contém a mesma carga dramática (embora com qualidade muito menor) que as estórias em que o Herói parte ao desconhecido. Os heróis aceitam o Chamado à Aventura, que é deter Cortez (chegando até a desobedecer o conselho do FBI) e vestidos com uma coragem sobrehumana, usam o que têm para detê-lo.

No começo do filme, o policial mais jovem da cidade, Jerry Bailey (Zach Gilford) desabafa para Ray que Sommerton é muita pacata para um policial e declara seu desejo de trabalhar em Los Angeles, onde Ray trabalhou por muitos anos (e se traumatizou) na Narcóticos. Ray lhe diz que essa vontade de deixar o lar e enfrentar desafios é comum nos jovens e avisa que irá dar uns telefonemas. Nesse momento, fica claro o desejo do jovem Herói (Jerry) de sair da sua terra e se aventurar pelo desconhecido em busca de crescimento, enquanto que Ray, já cansado das suas experiências como policial de uma cidade grande, resolveu assumir um posto mais tranquilo, que é o de xerife do interior. Isso é recorrente nos mitos e estórias e tem paralelo em nossas vidas. O jovem Jerry se anima com seu futuro, mas no primeiro confronto com os homens de Cortez, é mortalmente ferido.

A morte de Jerry encoraja o xerife ainda mais a enfrentar os homens de Cortez e a jornada dele e dos demais heróis começa. Essa jornada não é exterior, pois os personagens heróis não põem o pé na estrada. Essa jornada é interior. As mudanças e aprendizados se passam dentro deles sem que eles precisem deixar Sommerton. Ao fim da luta, eles aprenderam e incorporaram valores como honra, confiança, amizade e coragem.

Até o momento em que escrevia este texto, só me vieram à memória dois filmes com essa característica de ida do Mundo Especial ao Mundo Comum: Anjos Rebeldes (1995) e Independence Day (1996). No primeiro, a guerra celeste entre as tropas fiéis a Deus contra as tropas fiéis ao Arcanjo Gabriel chega até a Terra e o detetive Thomas Dagget (Elias Koteas) envolve-se na luta. No segundo filme, a Terra é invadida por naves extraterrestres hostis e os heróis não saem do planeta para lutar e lutam aqui mesmo. Segundo Renildo Júnior na sua crítica para o site Cine SET¸ O Último Desafio tem como referência clara o filme Matar ou Morrer (1952), que também mostra o xerife Gary Cooper defendendo sua pequena cidade com seus poucos recursos.


O Último Desafio, como os demais filmes novos dos antigos ícones do cinema de ação, aborda o humor (como outros do astro principal) assumindo a terceira idade dos astros, mas passa batido no currículo de Schwarzenegger. 

E como rir é sempre o melhor remédio, abaixo, uma ótima charge do site Humortadela.


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