ThiagoDamasceno: Cinema: “Quando Explode a Vingança”

domingo, 13 de janeiro de 2013

Cinema: “Quando Explode a Vingança”


Quando Explode a Vingança
Sergio Leone, “Giùla Testa”, 1971, Itália/México

Por M. V.

A película inicia com uma citação de Mao-Tsé-Tung, nos dando uma dica do que esperar: “A revolução é um ato de violência”. Na cena inicial há um homem “mijando” no deserto, nos mostrando que o filme se trata de um homem simples e de modos rudes. Ao passar uma carruagem ele suplica humildemente por uma “carona” e é deste modo que começa a trama. Um homem humilde (isso pra não dizer pobre, feio, sujo e com cara de fome) sentado literalmente e propositalmente com feição de bobo, olhando os ricos comerem, beberem e conversarem. O fato da conversa ser sobre “pobres” é hilário, cheias de opiniões acima de tudo hipócritas e preconceituosas. Enquanto isso, Juan Miranda (Rod Steiger)  observa e faz uma cara muito convincente de que não está entendendo nada. Interrompidos no meio do diálogo por um assalto os burgueses se veem surpreendidos por Juan Miranda. Sendo o chefe dos assaltantes, Miranda toma o controle e nessa sequência inicial Sergio Leone já nos indica do que se trata toda a trama.


Juan Miranda demonstra uma tremenda consciência de classe ao rebater as críticas dos burgueses, mas o interessante é que ele não quer mudança, nem universalização de direitos ou de terras. Enfim, não é, nem um pouco, comunista. Ele é um personagem que desde o início só se preocupa com sua sorte, pois essa mesma consciência de classe também traz a percepção realista dos resultados das revoluções.

O personagem interpretado por Rod Steiger encontra Sean Mallory (James Coburn) numa estrada em meio à explosões e o obriga a segui-lo num assalto a banco. Mallory é um especialista em explosivos, pensativo, calculista, tem sede revolucionária e, ao contrário de Juan, quer universalizar a revolução, porém, seu EU revolucionário está hibernando desde o fracasso de sua atuação na Irlanda. Sean Mallory muitas vezes tem flashbacks de sua vida e lembranças boas e ruins parecem ser um dos fatores de seu engajamento na revolução vigente.

Após algumas situações interessantes entre os dois personagens, como quando Juan queria convencer Sean a roubar um banco (e este foge de forma hilária), seus caminhos novamente se cruzam numa cidade riquíssima, porém com muita repressão política. Sean Mallory engana Juan Miranda e o faz assaltar um banco que na verdade só tinha presos políticos e nada de dinheiro. Num instante Juan Miranda se torna um herói, guiando centenas de pessoas humildes que buscavam uma fuga à repressão por parte do poder vigente.

Nesse momento a mente de Sergio Leone reaparece no personagem de Juan Miranda. Juan não acreditava em revolução, sentia que no fim quem sairia perdendo seriam os pobres, pois os intelectuais tomariam o poder. Essa sempre foi sua concepção – os pobres sairiam perdendo de todo jeito, então o melhor era procurar apenas o seu próprio bem. Sean Mallory, ao contrário, tinha uma grande sede revolucionária, mas parecia não ter o padrão de líder que Juan inconscientemente tinha. Além disso, Juan estava mais próximo do povo por simplesmente pertencer ao povo. Sean tinha a função de ser o apoio intelectual da trama, entretanto esse papel foi anulado numa cena em que Juan faz um grande discurso sobre a verdadeira função dos escritores – nada – ou melhor, escrever ilusões. A partir desse momento Sean Mallory reconhece Juan como um grande líder. Mesmo sendo analfabeto, ele tinha muito mais a dizer do que alguns intelectuais participantes da revolução.



 Os protagonistas da rebelião popular passam por altos e baixos. Líderes e participantes são executados pelo exército e alguns líderes são torturados até entregarem informações. Os familiares de Juan são mortos e este vai preso. Nessa etapa Sergio Leone nos apresenta a sua visão mais ácida do processo revolucionário.

Numa reviravolta de sentimentos, a trama deixa um pouco a tristeza de lado, após Juan escapar da morte. Sean, re-convencido dos resultados trágicos da revolução, resolve partir com Juan aos EUA para serem ladrões de banco, como no antigo sonho de Juan. Nesse momento as cenas são de dois homens cabisbaixos e com forte sentimento de frustração diante da situação, ou seja, homens que nadaram, nadaram e morreram na praia. Mas não demoram para mudar suas feições. Escondidos dentro de um trem eles passam por um lugar onde a revolução ainda estava forte e o trem do exército reacionário onde os dois estavam é recebido a tiros e pedradas. Nesse instante o líder da elite, ou seja, o homem que representava toda a repressão, a concentração de terras e tudo o que Juan e Sean estavam lutando há tempos, entra no vagão dos dois e Juan tem a chance de matá-lo, porém recua, tendo um flash de memória lembrando-se dos seus entes queridos mortos a mando daquele homem. Mesmo assim, Juan hesita em matá-lo. Porém, num instante o homem tenta fugir depois de deixar uma mala de jóias para Juan, e então este, que é um ótimo atirador, atira e mata-o.

Enquanto um grupo luta contra as tropas reacionárias, Sean vê os tiros e tenta sair em direção oposta para fugir do conflito, e quando descem do vagão os dois são surpreendidos pela população e são aclamados como símbolos da revolução. Juan já estava famoso, até os grandes líderes queriam conhecê-lo. Ao seu contragosto eles ficam e ajudam a construir uma barricada. Sean constrói uma emboscada e é nessa emboscada que ele encontra a morte, sendo baleado. Enquanto Juan vai pedir ajuda, Sean, na beira da morte, é alvo de uma bomba que explode em cima de si (uma bomba que ele mesmo havia armado). E o filme acaba com um close na feição de Juan ao ver a explosão.

Por mais que muitos considerem que “Quando Explode a Vingança” fala sobre a Revolução Mexicana, na verdade o filme fala sobre os dois personagens (Juan e Sean). Se você não souber previamente que fala sobre a Revolução Mexicana e, se não tiver um grande tato com História, dificilmente chegará a essa conclusão. Na verdade poderia ser qualquer revolução, pois a história é muito mais sobre a concepção de revolução dos personagens (atos, efeitos colaterais, etc.) do que sobre a Revolução em si. A Revolução, que poderia ser qualquer uma, na verdade foi apenas o cenário. Tanto é que o filme se encerra quando Sean Mallory morre. Outro ponto importante é a opinião de Sérgio Leone e, consequentemente, de Juan quanto à revolução e seus ideais. Ela quase sempre aparece como algo utópico, que só causa dor e que não leva a nada, pois quem sofre são apenas os pobres e humildes. E depois de sofrer voltam ou continuam no status de antes da revolução. Isso fica muito claro nas falas de Juan: “O poder apenas troca de mãos”. 



Sergio Leone às vezes parece nos citar Karl Marx e só faltou Juan e Sean serem operários, pois são dois homens de origens, ideais e histórias diferentes que se juntam para lutar contra a opressão da elite e contra a concentração de riqueza nas mãos de poucos. Por mais que Juan fosse levado a fazer os atos revolucionários, no fundo seu personagem sabia da importância do que estava fazendo, porém já sentia que o final iria ser trágico.

A trilha sonora é peculiar. No fundo ela não combina com os cenários e personagens. É uma ótima música, isso não tem como negar, mas na verdade o expectador se acostuma com as repetições. Com uma pesquisa rápida na internet veremos que todos os comentaristas dizem que a trilha é impecável e é mesmo, porém devemos levar em conta que essas pessoas assistiram ao filme no mínimo três vezes, além de serem na maioria das vezes especializados no Sergio Leone.


“Quando Explode a Vingança” é o filme menos conhecido de Sergio Leone e o segundo da trilogia “Era Uma Vez”, situado entre “Era Uma Vez no Oeste” e “Era Uma Vez na América”. É uma ótima obra para assistir quando se está de cabeça limpa e com tempo para refletir. Desde o início e em grande parte do filme as cenas são marcantes e de grande discussão sociológica. Sergio Leone parece que quer responder à grande questão “O que a massa pensa da revolução?”. Porém, nesse caso ele “forçou amizade”, ainda bem que foi por uma boa causa, trazendo um personagem humilde, porém com grandes ideias e ideais, dignos de uma pessoa que realmente espia o mundo à sua volta e o percebe de forma muito clara. Juan é simples só na origem e no traje, isso fica evidente nas primeiras cenas em que Juan estava na carruagem e depois rebate todas as críticas preconceituosas dos burgueses.
Leoni ainda nos traz presenteia com o ex-revolucionário Sean Mallori, (às vezes se referia como John) que ao mesmo tempo não tinha nada a perder numa revolução. Ele sempre lembrava com melancolia do seu tempo de revolução na Irlanda. Sean sabia por experiência própria o preço a se pagar por ser crítico e não aceitar a opressão. 
Juntos os dois personagens passam por grandes aventuras, batalhas, e por interessantíssimos momentos discussões protagonizadas na grande maioria das vezes por Juan. Sean simplesmente virava as costas ou simplesmente sorria segurando um capim entre os dentes nos closes de Leoni. Boa fotografia, roteiro impecável, boa direção e bons atores. Isso é o que aguarda quem se habilita a assistir esse incrível faroeste escondido pelo tempo.






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