ThiagoDamasceno: Música: Renato Russo

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Música: Renato Russo

Renato Russo E Sua Via Láctea De Fãs

Por Thiago Damasceno


“A gente tá aqui no palco,
mas a verdadeira Legião Urbana são vocês”
(Renato Russo, em show)

           
Na faixa A Via Láctea, do álbum “A Tempestade”, Renato Russo canta: “Hoje a tristeza não é passageira, hoje fiquei com febre a tarde inteira. E quando chegar a noite, cada estrela parecerá uma lágrima”. Dentro do contexto de criação desse álbum e dessa melancólica canção, Renato Russo antecipa o choro de seus muitos fãs, causado pela sua morte em decorrência de complicações causadas pela AIDS. Há uma comparação numérica entre a quantidade de fãs e a quantidade de estrelas da nossa galáxia.  Renato Russo faleceu em 11 de outubro de 1996, aos 36 anos, pouco tempo após o lançamento de “A Tempestade”, deixando uma via láctea de fãs.



            Mas nem só de fãs é composto o “séquito” desse artista. Ele é admirado por muitos e odiado por alguns, mas é incontestável que ele foi e é muito ouvido e que é um marco para o rock e a música brasileira. Os motivos para não admirá-lo são vários e tem muito a ver com gosto pessoal. Assim, arriscarei falar um pouco sobre alguns motivos que levaram e levam à admiração dessa figura que marcou toda uma década. Tais motivos são, de certo modo, aceitos pela maioria dos seus admiradores, senão aceitos por todos.

            Muitos dizem que Renato cantava para uma única pessoa. Por mais que objetivamente ele cantasse para multidões, a impressão de privacidade era a que ficava. De fato, o desenvolvimento dos discos da Legião Urbana mostra o contínuo interesse do campo privado e íntimo em detrimento do campo público. Quero destacar primeiramente os álbuns da Legião Urbana gravados por inteiro em estúdios, para dar ênfase às fases de criação da banda. São também os que mais ouvi. São eles: “Legião Urbana” (1985), “Dois” (1986), “Que País É Esse” (1978/1987), “As Quatro Estações” (1989), “V” (1991), “O Descobrimento Do Brasil” (1993), “A Tempestade” (1996) e o póstumo “Uma Outra Estação” (1997). Os diversos assuntos das canções, e o fato delas serem abertas, propícias à discussão, ajudaram muito na admiração e em alguns casos, no messianismo a Renato, autor de todas as letras.
           
            Alguns dos temas abordados pela Legião Urbana são: crítica político-social, dor-de-cotovelo, bissexualismo, família, amores de escola, amantes distantes, drogas e filosofia oriental. Desses temas, saíram vários hits, cuja popularidade deles me permite não citá-los. Vale ressaltar que a Legião Urbana era uma criação conjunta: Renato Russo (voz e letras), Dado Villa-Lobos (guitarra), Marcelo Bonfá (bateria) e de 1985 a 1989, Renato Rocha (baixo). Mas mesmo sendo um grupo, é destacável a função de Renato como letrista, compositor e cantor.

            As letras de Renato Russo podem ser caracterizadas como grandes e únicas. São diretas, simples e ao mesmo tempo sofisticadas e profundas. O que ele diz nem sempre tem uma única interpretação, mas é compreensível, a partir de qualquer maneira que se busque interpretar. Assim, suas letras são simples, mas sofisticadas, trabalhadas, elaboradas. Ele conseguiu uma coisa que revelou ao jornalista Arthur Dapieve, em entrevista: dizer “eu te amo” sem parecer cafona. Abordando de forma interessante temas mais interessantes ainda, Renato tornava suas letras profundas. Alguns dizem que são melancólicas, e Renato era mesmo um artista romântico em busca de felicidade, seja em um lugar, em uma época de sua vida ou em uma pessoa, mas acho impossível encontrar um brasileiro (ou um ser humano de qualquer nacionalidade) que não se identifique com parte considerável delas. As letras de Perfeição, Índios e Tempo Perdido exemplificam bem o que talvez eu não tenha exposto com clareza suficiente. Já Por Enquanto, Andre Doria e Metal Contra As Nuvens mostram um Renato mais poeta, mas nem por isso menos compreensível.

           
Quanto à interpretação, além da já citada “noção de privacidade”, o canto de Renato Russo é brilhante. Valoriza suas letras e as letras de outros artistas. Servem como exemplo para esse ponto, além das canções da Legião Urbana, as regravações dos seus excelentes álbuns solos, o “The Stonewall Celebration Concert” (1994) e “Equilíbrio Distante” (1995), gravados nos Estados Unidos e na Itália, respectivamente, e cantados nas línguas oficiais desses países. Já vi pessoas discordarem dessa opinião sobre ele e seu canto, sugiro então que cantem as músicas no tom original de gravação ou então que façam vocalizações de arrepiar como em Conexão Amazônica e Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar. Renato dominava a técnica de canto e se divertia bastante nisso.   
           


            Não se deve esquecer a atração que Renato exercia nos seus shows. Denise Bandeira, sua amiga íntima, afirmou no programa Por Toda Minha Vida que “A plateia do Renato era um outro show. Era muito, muito apaixonada, entusiasmada”. Ainda no Por Toda Minha Vida, o antropólogo Hermano Vianna informa que assistiu aos shows da Legião Urbana para estudar o público e compreender sua “religiosidade” dedicada à banda. No mesmo programa, Philippe Seabra, vocalista da banda brasiliense Plebe Rude, diz que Renato conseguiu sintetizar o que era ser jovem no Brasil, o que era crescer nesse país confuso. Assim, Renato criou canções que viraram e viram trilha sonora da vida de muita gente. Percebe-se então, a diferença entre o efeito que a Legião Urbana causava no público em relação às outras bandas brasileiras. Talvez a única banda que tenha se equiparado ou até superado a Legião Urbana na relação com o público, por certo tempo, foi o grupo RPM.

Bandas consagradas como Capital Inicial e Paralamas do Sucesso defendem essa “divisão” entre a Legião Urbana/Renato Russo e as outras bandas. Renato, com suas posturas em palco, frases de efeito sobre política e amor, letras diretas e sinceras que defendiam a ética em qualquer campo, o público ou o privado, conquistava muitos admiradores, jovens ou não. Não é à toa que ele foi um dos portavozes da juventude, principalmente da juventude que viveu a explosão do rock nacional na década de 1980. Sorte dos jovens nascidos durante e após os anos 1980 que a música de toda aquela época e, principalmente as de Renato Russo, sobreviveram à passagem do tempo e podem ser ouvidas e vividas até sabe-se lá quando, ou ao menos até a distante morte da Via Láctea, daqui a muitos bilhões de anos.  

           
“Porque o meu canto redime o meu lado mal,
porque o meu canto é o que me mantém vivo”
(Cazuza, em Quando Eu estiver Cantando, a última faixa do seu último disco. Renato Russo também cantava essa canção nos shows da Legião Urbana)



Referências

DAPIEVE, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Editora 34, São Paulo, 1995.

DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. Dumará Distribuidora de Publicações LTDA, Rio de Janeiro, 2000.


POR TODA MINHA VIDA. Direção de Ricardo Waddington. Central Globo de Produção, 2007. (65 min.): Ntsc, son., Port.

2 comentários:

  1. Boa tarde. Sou autor do blog www.mixpoint.com.br e gostaria de permissão para republicar esse texto, com os devidos créditos de fonte.

    Obrigado!

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