ThiagoDamasceno: Cinema: Adeus, Lenin!

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Cinema: Adeus, Lenin!

Por Thiago Damasceno


Adeus, Lenin!

Título Original: “Good Bye, Lenin!”
País de Origem: Alemanha
Ano: 2003
Estúdios: Bavária Film International
Direção: Wolfgang Becker
Roteiro: Bernd Lichtenberg
Elenco: Daniel Brühl, Katrin Sass, Chulpan Khamatova Maria Simon, Florian Lukas, Alexander Beyer, Burghart Klaussner e Michael Gwisdek

“Ao olhar as nuvens naquele dia, entendi que a verdade era um conceito dúbio que eu podia adaptar à visão que minha mãe tinha do mundo”
(Alex Kerner)




Embora tenha muitos momentos de drama, sem chegar a ser um típico dramalhão, Adeus, Lenin! é um filme engraçado e divertido. É uma comédia inteligente que nos faz pensar sobre socialismo, capitalismo e democracia. Seu contexto histórico é a Alemanha dividida no período da Guerra Fria. O filme conta a estória de uma família alemã que vive sob um regime dito “socialista” na República Democrática Alemã (Alemanha Oriental). O ano é 1989 e os protestos dos cidadãos alemães orientais pela liberdade estão se intensificando. Christiane Kerner (Katrin Sass); uma mulher cujo marido foi embora para a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) e não voltou, e que se dedica a atividades sociais sob supervisão do regime socialista; tem um infarto após ver o filho, Alex Kerner (Daniel Brühl), ser preso numa das manifestações. Como Christiane demorou a ser levada para um hospital, entrou em coma.
           
            A trabalhadora mãe de família acorda do coma após oito meses. O que é muito bom, porém o problema é que dentro desses oito meses, o Muro de Berlim foi derrubado, a Alemanha se reunificou e o capitalismo, propriamente dito, se instalou no que era o lado oriental da Alemanha. Enfim, o mundo onde Christiane vivia foi por água abaixo. Alex quis levar sua mãe para casa e seu médico avisou que era arriscado, porque ela não poderia sofrer nenhum aborrecimento ou fortes emoções. Assim, ela não poderia saber tão cedo o que aconteceu com a Alemanha Oriental que tanto amava.

            Para não por a saúde de Christiane em risco, seu amoroso filho tenta lhe esconder os últimos fatos históricos do país, enquanto ela permanece em casa. Ou melhor, literalmente, Alex conta a ela outra história, afirmando que as Alemanhas ainda estão divididas e que muitos ocidentais estão migrando para a porção oriental do país. Para isso, ele conta com a ajuda dos vizinhos, de sua irmã, de sua namorada e principalmente de Denis (Florian Lukas), seu amigo e editor de vídeos, que sonha em ser diretor de TV e Cinema. Alex e Denis simplesmente fazem seu próprio telejornal com notícias inventadas e exibem para Christiane quando ela quer ver televisão. Confira abaixo uma imagem da armação televisiva dos dois jovens.




O humor do filme está principalmente nas peripécias de Alex para adaptar a realidade à visão de mundo que sua mãe quer. O jovem chega a escaldar conservas de vidro que estavam no lixo. Essas conservas eram de uma famosa marca de pepino ao molho, os “pepinos Spreewald”, que eram vendidos na antiga Alemanha Oriental. Com a reunificação, o produto saiu de linha e não era mais encontrado em nenhuma mercearia ou supermercado. Quando sua mãe pediu os pepinos Spreewald para comer, a única solução que Alex viu foi colocar pepinos de outra marca nos recipientes escaldados da antiga marca. Outro momento engraçadíssimo acontece numa cena do começo do filme, em que Alex está sentado em um banco de praça, durante o 40º aniversário da Alemanha Oriental e diz estar se sentindo um homem. Detalhes: ele está bebendo cerveja, sentado com as pernas bem abertas e arrotando a bebida que tomou.

            Um momento inesquecível do filme, e que justifica seu nome, acontece quando Christiane consegue andar e sair do apartamento sem que ninguém a veja. Ela anda pela rua e estranha tantas pessoas novas, tantos carros diferentes e os outdoors. Porém, ela se assusta mesmo quando vê um helicóptero levando uma enorme estátua de Lenin.  Essa estátua existiu. Tinha 19 metros e estava na antiga Praça Lenin, em Berlim. Hoje a praça se chama Praça das Nações Unidas. Após a queda do Muro, a famosa estátua foi retirada da capital junto com outras cem esculturas referentes à personalidades políticas. Segundo o jornal alemão Bild, uma antiga fábrica de alimentos será reformada para dar origem a um recinto de exposições com mais de cem esculturas de figuras políticas, desde personalidades dos anos imperiais aos anos nazistas e socialistas, incluindo, claro, a conhecida estátua de Lenin. A construção do recinto custará cerca de 12,4 milhões de euros e ficará pronta, assim como suas esculturas, em 2013.


O filme de Becker também dá uma boa ideia da mudança cultural que ocorreu na Alemanha Oriental com a entrada de produtos industrializados ocidentais, como carros (de diversas marcas), roupas, alimentos, filmes adultos e a onipresente e deliciosa Coca-Cola. É muito cômico o que acontece com a irmã de Alex, que deixa seu curso universitário de Teoria Econômica para trabalhar em um quiosque da Burger King. Segundo Alex, se sua mãe soubesse da troca de ocupação social da filha, iria entrar em coma de novo.

            Além de focar as relações familiares, se situar na história da Alemanha e possibilitar uma discussão político-econômica, Adeus, Lenin! brinca ainda muito com o fundo histórico alemão ao mostrar personalidades reais, como Erich Honecker, governante da Alemanha Oriental de 1971 a 1989; Mikhail Gorbatchev, um dos principais dirigentes da falida União Soviética; Helmut Kohl, primeiro chanceler da Alemanha reunificada e Sigmund Jähn, o primeiro alemão a ir ao espaço em 1978. No filme, Jähn acaba se tornando um motorista de táxi e até ajuda Alex em suas farsas para a mãe. A queda do status social desse personagem (de astronauta a motorista de táxi) pode simbolizar a queda de toda a Alemanha Oriental.

            Quero salientar ainda alguns elementos interessantes do filme. O primeiro é o acobertamento da “verdade”, feito por Alex, que me lembrou (claro que, guardando as devidas proporções) o acobertamento feito por regimes autoritários. Tais regimes escondem as desgraças sociais (fome, endividamento dos países, etc) e exibem uma propaganda que exalta o ditador da nação e mostram a pátria crescendo constantemente. Aconteceu no Brasil, principalmente durante o período do Governo Médici (1969-1974), onde os problemas, alguns citados anteriormente, e a repressão do governo eram mascarados pela propaganda do “milagre brasileiro” e pela vitória do Brasil na Copa do Mundo de 1970, a terceira vitória da seleção brasileira no mundial. Na extinta União Soviética houve o culto à personalidade de Stalin, semelhante à adoração da figura de Hitler na Alemanha nazista. Para entender um pouco mais essa questão do acobertamento da “verdade” e sua influência no público, cito uma frase de Joseph Goebbels, chefe do Ministério da Educação do Povo e da Propaganda do governo de Hitler: “Uma mentira dita cem vezes torna-se verdade”. Essa frase nos leva ao velho ditado: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” e a um trecho de “A Melhor Banda De Todos Os Tempos Da Última Semana, dos Titãs: “Não importa contradição, o que importa é televisão, dizem que não há nada que você não se acostume, cala a boca e aumenta o volume, então!”.

            Usei o termo “verdade” entre aspas, porque aprende-se em qualquer curso universitário de História que se preze, e pela vida afora, que existem muitas “verdades”. Esse é o segundo ponto que quero salientar. A “verdade” depende de quem fala, de onde essa pessoa viveu, em que tempo viveu, enfim, de todo um contexto social e de todo uma aprendizado pessoal. A “verdade” para um cristão é uma, para um muçulmano é outra, para um nazista é outra, assim como para um democrata e demais adeptos de muitas concepções de mundo. Com isso, existem muitas versões sobre a mesma “história”. Depende do ponto de vista de quem deixou algo escrito ou de quem tem algo para falar, e depende até do ponto de vista de quem aborda um fato. É como Humberto Gessinger canta em Ilusão de Ótica, do álbum “O Papa É Pop” (1990) do Engenheiros do Hawaii: “Cada um tem o seu ponto de vista, encare a ilusão de sua ótica. Os olhos dizem ‘sim’, o olhar diz ‘não’.” O filme me lembrou essa discussão acerca da “verdade”, muito comum em História e Antropologia e bastante polêmica, porque flerta com um relativismo que pode ser encarado como exagerado.

            Adeus, Lenin! foi o filme mais visto na 27ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ganhou o Prêmio César, como melhor filme da União Europeia, vários prêmios no Prêmio Europeu de Cinema e foi indicado ao Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro. É um filme marcante. Recomendo!

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