ThiagoDamasceno: Crônica (Escrita no dia 20/08/10)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Crônica (Escrita no dia 20/08/10)

A Cervejinha de Sexta-Feira

Por Thiago Damasceno

    Não bebo cerveja. Gosto de ser brasileiro, mas não gostaria de ser um “brasileiro clichê”, aquele que samba, que joga bola em todos os finais-de-semana, que grita “gostosa!” para qualquer gostosa que passa na rua, que não perde um capítulo da novela das oito (que na verdade começa às nove) e que bebe uma cerveja sempre que possível (ou quando não deve), mas nem por isso eu deixarei de falar sobre a cerveja. Essa bebida envolve até quem não a toma.

    Numa tranqüila noite de sexta-feira fui à 1ª Grande Revirada Cultural, um evento realizado na calçada do histórico Grande Hotel, na Avenida Goiás, centro de Goiânia. Caso alguém desconheça o local, farei uma breve descrição do lugar. A calçada do Grande Hotel é larga e abriga um palco, onde os músicos se apresentam. Há mais uma calçada do outro lado da avenida, obviamente. A Avenida Goiás é cortada por uma pequena praça, que alguns chamam canteiros, com suas flores, grama, postes, bancos e pontos de ônibus.

    Chegando à uma zona do canteiro próxima ao palco, para apreciar uma boa música brasileira (samba e choro), sentei num banco entre dois vendedores de bebida. Esses vendedores colocaram seus produtos em grandes caixas de isopor remendadas e reforçadas com as populares fitas dúrex. Para conservar a temperatura das latinhas de cerveja e garrafas de água mineral, colocaram sacos com gelo dentro das caixas. Gente aparentemente de origem humilde, tentando ganhar uma renda a mais. Nada mais normal que isso. Pois bem, a maior parte do público estava perto do palco e vinha constantemente comprar cerveja.

    Numa certa hora da noite uma mulher reclamou com os vendedores, dizendo que eles não tinham autorização para vender no local, apenas as barracas de artesanato tinham. Essas barracas pagaram uma determinada taxa... Tava explicada a fúria da garota! Fiquei vendo aquela singela discussão. O vendedor que estava mais próximo de mim expressava no vermelho dos seus olhos toda a angústia e dor da opressão. A mulher disse que alguém iria até lá recolher os produtos. Ela saiu com passos decididos. Para melhorar a situação, um possível futuro cliente protestou contra o preço da latinha, disse que ia comprar com um cara “ali” que vendia mais barato. Mesmo assim o vendedor não cedeu. Depois ele ainda teve que agüentar dois caras que pediam pedras de gelo. Ele não deu afirmando que tinha que usar o gelo para seu comércio. Estava com toda razão. Algumas pessoas são folgadas a ponto de comprarem cerveja no meio da rua e se darem ao luxo de pedir pedras de gelo, só faltaram pedir limão e desconto de 50%! Eu achava cômica aquela situação do vendedor e queria conversar com o mesmo, servir-lhe de ombro amigo. Para isso, tentei puxar conversa. Falando algo como: “vendedor escuta desaforo né?”. Ele respondeu, mas falava mais com o nada ao redor do seu corpo do que comigo.

    Passados alguns minutos, a mulher revoltada veio e mais uma vez ameaçou recolher tudo. Disse que eles deveriam vender as bebidas no outro lado da rua. Então percebi que a rua é pública até você pensar em vender alguma coisa. A partir daí as prefeituras podem cobrar impostos até por pensamentos capitalistas. O engraçado é que o fato de os vendedores irem para o outro lado da rua não impediria que as pessoas fossem comprar cerveja. Ficaria até mais incômodo, já que elas teriam que atravessar a rua. O que seria do samba sem a cervejinha? Além do mais, os expoentes da 1ª Grande Revirada Cultural falam que estão mostrando a cultura brasileira, claro, nossa música é parte da nossa cultura, mas se esquecem que a “cervejinha de sexta-feira” é tão cultural quanto o samba e o choro. No fundo, eles só querem partilhar dos lucros dos vendedores, e não estão errados quanto a isso, já que brasileiro que é brasileiro gosta do de partilhar as coisas com o próximo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário