ThiagoDamasceno: Crônica: Como Um Coração Partido Me Perturbou Na Madrugada

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Crônica: Como Um Coração Partido Me Perturbou Na Madrugada

Como Um Coração Partido Me Perturbou Na Madrugada

Por Thiago Damasceno


O autor tomou a liberdade de alterar o nome dos envolvidos e de não mencionar datas precisas para evitar possíveis possibilidades indigestas com as pessoas da trama.
Os editores


Se eu existisse na Terra-Média de Tolkien, certeza que seria um hobbit de Bolsão. É porque sou do tipo que prefere ficar no aconchego da toca, mas quando uma aventura aparece, eu caio dentro, querendo ou não e felizmente ou não.  

            Foi assim numa madrugada (des) qualquer.

            Estava assistindo Romasanta: A Casa da Besta quando a luz foi pra Mordor. Então relâmpagos e trovões passaram a compor a sinfonia da noite. Os relâmpagos iluminavam toda a kitinete, tirando raios-X das paredes. Os trovões faziam o ar vibrar. Ambiente ideal pra fabricar a criatura do Doutor Frankestein.

            Então os elfos de Valfenda chegaram e a luz voltou. Terminei de ver o filme. O sono já havia então se fortalecido nas cavernas do inconsciente. Dormi.

            Oh, fatídico Destino, por que não me destes pelo menos um singelo sinal do que viria em seguida?! Por que és tão inexorável perante nossas tolas mortalidades?!

            Chega de melodrama barato. Vamos aos fatos.

Era mais ou menos uma da madrugada quando acordei com o interfone tocando.

- Ti-ri-ri-rrinnnn!!!

Fazia um silêncio denso, e aquilo vibrou o ar que nem os trovões. Me levantei. Ouvi uma discussão na kitinete vizinha e um abre e fecha de portas. Era um casal discutindo. O interfone voltou a tocar. Mais portas abrindo e fechando. Na verdade, eu estava tão semisonâmbulo que não lembro da quantidade de sons e da ordem das coisas. Minhas percepções dormiam.

            Sei que após certo tempo o silêncio retornou e voltei a dormir.

            Então o interfone tocou de novo. Alguém estava na calçada tentando entrar, mas todos os moradores do lote têm suas próprias chaves. Quem seria àquela hora?

Não lembro o que fiz. Sei que quando o bendito interfone tocou de novo eu levantei na cama (de novo) e só então resolvi atender com um Mas que diacho!... na cabeça.

- Oi... – falei.

            Ninguém, só aquele ruído de estática.

- Oi... – repeti.

            Uma moça atendeu. Chorava. Soluçava. Sofria.

- Moço, abre pra mim, por favor... – pediu.

- Hãã?!  

- Abre pra mim, por favor... Eu preciso entrar.

- Quem tá falando?

- É a Helena. Deixa eu entrar, por favor...

        Helena. É o mesmo nome de uma personagem de um romance que estou escrevendo. E a minha Helena se envolve com uns sujeitos perigosos. Pensei: “Tô num episódio de Além da Imaginação e meus personagens viraram realidade. Fodeu!...”.

            Também pensei que seria um golpe e que quando eu abrisse o portão, uma ruma de assaltantes fortemente armados invadiria o lote e roubaria todas as kitinetes.

- Deixa eu entrar, por favor, eu prometo que vou deixar o portão aberto...

            Se ela soubesse o que se passava na minha mente, tenho certeza de que não teria usado esse argumento.

- Por favor, eu tenho que falar com o Menelau. Deixa eu entrar.

Então fui despertando mais e mais e entendendo que esse era o casal que tinha brigado minutos atrás. Menelau é meu vizinho. Só conheço de vista.

Ele é universitário e um dia desses vi uma moça com cara de universitária saindo semiabruptamente da sua kitinete. Sua saída coincidiu com a hora em que eu estava chegando à minha toca hobbit. Seria a mesma moça daquele dia? Esses jovens de hoje...

Preocupado também com uma possível violência à moça, perguntei:

- Ele tá te machucando?

- Ele me magoou... – disse ela, meiga como uma heroína mal amada de uma novela mexicana.

- Mas é caso de polícia? – insisti, em busca da verdade.

- Ele me magoou...

- Ah, moça, então eu não tenho nada a ver com isso não... – afirmei, frio e calmo como um vulcano, como eu havia ficado durante todo o diálogo.

- Deixa eu entrar, por favor...

            Baseado nessa pequena antiterapia e na ideia de que Se ela conseguiu falar isso tudo do lado de fora, quer dizer que não está sofrendo violência física, telefonei pra Agamenon, dono das kitinetes, que mora no mesmo lote.

- Alô – disse ele, com uma voz bastante acordada pro horário.

- Seu Agamenon, é o Bilbo Bolseiro. Desculpa incomodar, mas é que tem uma moça aqui chorando e querendo entrar...

- Ah, é a ex-namorada do Menelau. Ele disse que ela tá meio descontrolada da cabeça.

- Ah tá... Ela não para de interfonar.

- Tira o interfone do gancho.

            Obedeci. E tentei voltar a dormir. Demorou. Sonhei com elfos, hobbitses nojentos e cavalos de madeira.

            No dia seguinte, encontrei Seu Agamenon e ele resumiu a história, que bate com o que pude presenciar.

            Alguém abriu o portão do lote pra que Helena pudesse entrar. Ela o fez. Em seguida, Helena pulou o muro do castelo de Menelau e este fez questão de levar a moça de volta pra fora. A partir disso, não sei por quê Hades ela escolheu interfonar na minha toca de hobbit pra tentar entrar de novo em Tróia.

            Acontece. Vez ou outra, a aventura nos chama. 


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