ThiagoDamasceno: Crônica de Viagem: Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Crônica de Viagem: Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui

Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui 

Por Thiago Damasceno

Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui... Essa frase infeliz foi criada e musicada por mim em 2010, quando eu era apenas um mero calouro de História da Universidade Estadual de Goiás numa viagem com a galera do curso à tranquila cidade do sudoeste goiano. A viagem tinha fins didáticos, paradidáticos e etílicodidáticos. Era um congresso internacional de História na UFG. Eu não conhecia o mundo naquele período, mas hoje o conheço após andar tanto em viagens, seja acompanhado por uma cambada de suaves facínoras, seja como um lobo solitário, como a última que fiz a Jataí.


            Não foi tão legal quanto em 2010, mas vamos lá...


         Dessa vez eu fui de ônibus, diferente da ida via avião para Cuiabá. Humilhação total. Mas cheguei bem. Logo que desci na rodoviária fui lavar a cara no banheiro para tirar a eterna poeira da estrada e, ao sair, um cidadão um pouco mais jovem que eu, e mal vestido do tanto que tentou combinar roupas “descoladas”, tentou barrar minha saída com um gingado de dinossauro bêbado, sorrindo como só os idiotas saber sorrir. Fitei-o e tirei meu corpo de sua torpe presença. Mentalmente, amaldiçoei sua linhagem até a quinta geração.

            Passado esse aborrecimento, fui a um hotel lá perto, dentre vários. E para minha surpresa, a energia elétrica do quarto também funcionava via cartão magnético, que nem o hotel de Cuiabá! Mas como meus ditosos leitores já podem esperar, tais artimanhas tecnológicas do terceiro milênio não podem mais assolar minha mente inquieta. Manejei o cartão como só um ciborgue artesão maneja seus cartões!

            Passada algumas peripécias envolvendo caminhadas angustiantes sob o Sol em busca de elementos básicos para sobrevivência como lan house e folhas Chamex, repousei e fiz o que tinha que fazer e, no fim da tarde do dia seguinte, chegando a hora de ir para a rodoviária para pegar o ônibus da volta, cheguei a pensar: “Putz, fiz nada aqui, não aconteceu nada. A viagem não vai render nem uma crônica...”. Pobre de mim, este reles mortal que vos escreve, cujo pensamento infantil e ansioso foi ouvido por Cronos, o deus do tempo.

            Resolvi pegar um ônibus para a rodoviária, em vez de pegar um táxi. Fui até um ponto com uma mulher tão perdida quanto eu. Ficamos conversando. Ela beirava os quarenta anos e estava se recuperando de um difícil tratamento de câncer. Contou um pouco sobre suas dores. Fiquei ouvindo com certo pesar. Então o ônibus chegou.

            O ônibus chegou e foi indo, foi indo, foi indo... E nada de rodoviária. E eu precisava estar lá às 17: 40 – horário da viagem – e já eram umas 17: 15.

            Quando brotaram as 17: 25, minha intuição disse o óbvio: “Não vai dar tempo, abestado”. Perguntei para alguns autóctones que estavam no ônibus sobre a distância temporal à rodoviária. Me confirmaram que não daria tempo, pois o ônibus – os sempre simpáticos ônibus – iria dar uma volta imensa. Desci no primeiro ponto que apareceu.

            Era o cruzamento entre duas avenidas e havia acontecido um acidente entre uma moto e um carro. Nada fatal. Os acidentados e dois PM´s já estavam conversando. Respirei fundo, parei e raciocinei firamente. Precisava ligar para o táxi. Eu tinhao número, o problema eram meu celular que não tinha sinal. Coisas da TIM (momento Denúncia!).

            Desliguei e liguei o celular até ele pegar sinal e liguei para o taxista. Perguntei para alguém ali perto sobre o endereço da localidade. Perguntei para um dos acidentados – o primeiro que apareceu na minha frente – todo sujo e meio ensanguentado. Respondida a pergunta, falei a localização para o taxista e logo ele chegou. E logo chegamos à rodoviária, bem em cima da hora! Foi só eu entrar no ônibus e ele partiu!...

            Muita adrenalina. Nunca mais, mas nunca mais confio em ônibus para chegar em algum lugar com hora programada.

            A volta para casa foi tranquila, diferente da volta de 2010...

            Era noite. Estávamos esperando o motorista da van contratada, no Ginásio Vilelão, onde nos hospedamos. Éramos cerca de vinte suaves facínoras. Deu 01: 00 da manhã e nada do homem. Deram 01: 30, mais ou menos, e ele chegou... Morrendo de sono. Lembro perfeitamente que havia concordado com a ideia maluca de alugar uma van com menos assentos do que o número de pessoas, sendo que deveria revesar bancos, hora ficando sentado, hora em pé e hora até deitado. Coisas de calouro... Na volta, não lembro se comecei sentado ou em pé, mas lembro do motorista me chamar até a cabina. Mas não chamou apenas eu. Chamou também meu violão. Ao chegar lá, ele me disse assim:
- Ei, rapaz, toca aí umas músicas pra gente despertar o sono...

            Em seguida, sacou um colírio da mochila que estava atrás do seu banco e pingou algumas gotas nos seus olhos. Estava frio, pois uma das janelas estava parcialmente aberta, e um colega que também estava lá na cabina a fechou. Então o motorista pronunciou tenebrosamente:

- Deixa aberta pra ficar frio. Se fechar, esquenta, e o calor dá sono...

            Começou a chover forte, com relâmpagos, trovões e toda aquela sinfonia noturna e soturna da madrugada. Naquela noite, toquei como nunca. Toquei como um desesperado para manter o motorista acordado. Superei meu sono e meu cansaço. Nem sabia que conhecia tanta música. Toquei de Legião a Belchior passando por Zé Ramalho e sei-lá-mais-o-quê. Só não toquei a “Aquela música da ‘ela sai de saia e bicicletinha, uma mão vai no guidão e outra na calcinha’...” que o motorista sonolento pediu porque eu tinha uma honra para manter e aquilo era demais para mim, tiraria todo o sentido da minha vida que estava por um triz.

            Naquela noite, nascia, sem que eu percebesse, o embrião da face mais sombria do que seria o Viajante Clandestino.

            E assim fomos, até umas 04: 00 da manhã. Chegamos bem em casa. Ainda bem.

            Na próxima semana, aventuras mirabolantes e mil e uma confusões em Posse-GO. Ou seria Posse-BA? 


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