ThiagoDamasceno: Dramas Urbanos: Esse Ônibus É Uma Peça!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Dramas Urbanos: Esse Ônibus É Uma Peça!

Esse Ônibus É Uma Peça!
Por Thiago Damasceno

ATO 01

        Para caminharmos com elegância para o Natal nada melhor (ou pior) do que um texto artístico descontraído, daqueles que você imprime para ver no banheiro (por favor, não façam isso!). Os eventos relatados aconteceram em um ônibus em movimento, quando eu voltava de Anápolis para Goiânia na noite de quarta-feira, dia 08 de Dezembro de 2010, na época em que eu fazia Oficina de Teatro e participava de um iniciante e eufórico grupo teatral. Para facilitar a leitura dividi o texto como se fosse uma peça teatral, tendo em mente a modalidade comédia. Boa leitura!

P.S: Todo o texto abaixo foi escrito em dezembro de 2010. Este ano fiz apenas algumas correções de coerência. Nota-se que o texto está menos elaborado que meus atuais escritos, claro que devido ao período em que foi escrito, mas está engraçado, como muitos dos meus textos atuais.


ATO 02

Cena 01
       
        Certa vez, meus professores de Teatro disseram à turma que fazemos várias personagens no cotidiano e que, logicamente, encontramos outros. Observei alguns enquanto voltava de Anápolis de mais uma aventura teatral.
       
Para começo de conversa, a aventura (ou espetáculo) começou com a espera do ônibus para Goiânia em um ponto perto do campus de Ciências Humanas da UEG. Até que ele chegou rápido. Assim que o ônibus encostou no meio-fio e abriu a porta, uma orla de desesperados lutou para entrar. Um Estudante que estava perto de mim disse que estava sem dinheiro. Disse que só tinha vindo de Goiânia com o dinheiro da passagem de ida. Vai entender, né?! Ele mostrou sinais de nervosismo, mas sua linda Amiga disse que tinha mais dinheiro na bolsa e lhe emprestou. Uma mulher prevenida! Uma criatura adorável! O Motorista estava com aquela cara de “Vamô logo cambada!”.
       
Sentei atrás de um Velho (no sentido de posição para transporte coletivo). Ele estava conversando com um Rapaz moreno que estava no banco ao lado, não no banco ao seu lado, mas no banco do outro lado do ônibus. Falavam sobre música, quer dizer, o Velho falava sobre música, o Rapaz apenas mexia a cabeça ou emitia monossílabos tônicos. O Velho usava sapato social velho, calça social amarela (seria um fã de Restart?) e camisa social branca velha. Tudo velho. Ele perguntou se o Ipod do Rapaz tocava alguma coisa. O Rapaz disse que sim, com ar inseguro. O Velho falava alto, de um jeito que estava incomodando os outros passageiros. Em certo momento ele se levantou, pôs sua cabeça branca para fora da janela e soltou uma escarrada daquelas... Todo mundo olhou com cara de nojo. Imediatamente eu olhei para as janelas anteriores a dele para ver se o escarro não tinha batido nelas, igual ao vômito que se dá para fora de um ônibus em movimento. Mas o escarro não bateu nas outras janelas. Ou o ônibus não estava com velocidade suficiente para a realização desse fenômeno físico ou o escarro se dissolveu no ar.
       
Voltando ao interior do ônibus...

O Velho continuava a puxar conversa com o silencioso e furtivo Rapaz. Ele até descobriu que o Rapaz tocava piano a cinco anos. Foi aí que a conversa se desenvolveu mais ainda. Ele perguntou ao Rapaz se ele sabia alguma definição de música. O Velho disse uma que era mais ou menos isso (engraçado, o Velho perguntou e ele mesmo respondeu):

-Música é toda expressão dos acordes do coração e dos acordes de um instrumento.

        Acordes do coração?! Acho que entendi... Ele continuou a falar sobre suas definições de música, sempre poéticas e muitas vezes desnecessárias.
       
Eu começava a pensar que o Velho estava bêbado, e acho que os demais passageiros também pensavam o mesmo, mas ele não estava. Ele era apenas um senhor que conversava muito no ônibus e o engraçado era que todos olhavam para ele com uma cara de espanto, de desprezo, como se ele fosse um ser estranho, anormal, e ele estava apenas conversando com alguém dentro do ônibus, então eu vi que mais estranho é quem fica calado perto de tanta gente. O diálogo entre os dois seres de idades diferentes prosseguiu. O Velho perguntou ao Rapaz:

-Cê é tímido, né?

-Sou mais na minha.

        Eufemismo engraçado. Um cidadão pergunta para o outro se ele é tímido e ele responde “Sou mais na minha”. É como perguntar para um filósofo: “Você é filósofo?” e ele responde: “Só sei que nada sei”. Pra quê isso? Mais de duas palavras substituindo apenas uma. Fala que é! Como se fosse uma coisa totalmente negativa ou uma doença contagiosa esse tal traço de personalidade chamado timidez. O Rapaz era tão tímido que tinha até vergonha de dizer que era tímido.
      
Cena 02

        Enquanto eu prestava atenção no papo daquelas duas figuras, notei que a Garota que estava sentada ao meu lado estava lendo Alice No País Das Maravilhas em inglês, do escritor britânico Lewis Carrol (pseudônimo de Charles Dodgson). Espere! Eu disse que ela lia Alice no original. Menti. Já que ela lia no original, ela estava lendo Alice´s Adventures In Wonderland, em english.
        Assim que o ônibus chegou à rodovia intermunicipal o Motorista apagou as luzes. A Garota que lia Alice teve que terminar sua atividade linguística. A luz da Lua e as poucas que apareciam na estrada eram insuficientes para leitura. Eu não parei de observar as pessoas à minha volta e o Velho não parou de falar. Ele foi ao Motorista e perguntou quando íamos chegar e depois perguntou algo sobre o jogo do Goiás contra o Independente da Argentina, pois o jogo estava acontecendo naquele momento em Buenos Aires. O Motorista balbuciou poucas palavras. Acima dele estava a placa: “Converse com o motorista apenas o indispensável”. Tipo: “Socorro! Estão assaltando o ônibus!”, “Tem alguém morrendo!” ou “Essa carroça não vai mais rápido não?!“
       
A viagem prosseguia, mas não com calma. De repente, ou melhor, mais que de repente, um cidadão gritou lá no fundo do ônibus:

-Gol! Gol! Toma porra! Gol!!!

        Eu pensei: “já não basta o papagaio aposentado no escuro, agora um viciado em LSD tendo alucinações”. Mas não, era o Estudante, e ele apenas estava vendo o jogo pelo celular, ou o que fosse aquele aparelho, já que hoje em dia tudo que é aparelho eletrônico portátil funciona como TV. Ele era apenas um torcedor fanático. Torcedor fanático... Será que era mesmo? Por que formamos nossa opinião sobre os outros baseados nos primeiros gestos que vemos e nas primeiras palavras que ouvimos deles? Vale lembrar que o Estudante estava sentado ao lado de sua Amiga, ou sua Amiga estava sentada ao lado dele. Não importa. A bela criatura estava ao seu lado naqueles viajantes momentos.
        
O Velho achou aquilo divertido e foi ver o jogo também. Ele correu para o fundo do ônibus como uma criança correndo atrás de um animal desconhecido que pode pôr sua vida em risco. Ele falou para o Estudante algo como:

-Pô, eu queria ver o jogo e cê me deixou lá na frente esperando...

        Já estávamos em Goiânia e eu desci após esse breve e amoroso diálogo. Acho que eles viraram amigos de infância.


Cena 03

        Assim que cheguei em Goiânia fui ao Terminal da Praça da Bíblia e peguei um Eixão, para quem não conhece, um ônibus maior que corta Goiânia de leste a oeste passando por toda a Avenida Anhanguera. Sentei-me calmamente e vi que perto de mim o lendário Rapaz havia se sentado. Ele estava comendo um Sonho de Valsa de chocolate branco de forma diferente da maioria das pessoas. Ele quebrava pedaços pequenos com seus ágeis dedos de pianista e docilmente levava-os à boca. Analisei aquilo. Eu como um Sonho de Valsa em duas mordidas. Talvez minha boca seja grande. Caso alguém pergunte: “Sua boca é grande, né?” Eu posso responder o tímido “Sou mais na minha” ou o exagerado “Não é que minha boca seja grande, é que tenho uma elasticidade mandibular proeminente”. Quanto às outras pessoas, acho que elas comem Sonho de Valsa em mordidas, e não quebrando-o com as mãos. Vai entender, né?

ATO 03

        Naquela noite eu observei os personagens à minha volta: o Motorista, que não falou quase nada; o Velho, que falou muito; o Rapaz, que era na sua; a Garota, que dizia Good Night; o Estudante apaixonado por futebol, sua bela Amiga, sempre ao seu lado, e eu mesmo, que fiz o papel de Observador, já que naquele dia eu tinha lido que um bom ator é um bom observador, mas será que um bom observador é um bom ator? Eis a questão!


P.S. 2012: Que forma mais esdrúxula de concluir o texto! Eu e meu eu de dois anos atrás...

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