ThiagoDamasceno: Cinema: O Diabo Veste Prada

domingo, 3 de junho de 2012

Cinema: O Diabo Veste Prada

“O Diabo Veste Prada”: Uma Heroína Voltando Para Casa

Por Thiago Damasceno

            Nessa excelente comédia Anne Hathaway interpreta Andy Sachs, jornalista recém-formada que busca emprego e que termina sendo escolhida como 2ª assistente da famosa Miranda Priestly (Meryl Streep), editora-chefe da Runway, uma das mais famosas, caras e luxuosas revistas sobre moda. Como o funcionário e amigo de Miranda, Nigel (Stanley Tucci) diz para Andy, “Esse é o emprego que um milhão de garotas dariam a vida para ter”. Acontece que Andy não se interessa seriamente por moda, em um primeiro momento, e Miranda é vista como o Diabo em pessoa. Sua arrogância, egoísmo e demais caprichos faz com que várias assistentes sejam despedidas em curto tempo e que a convivência com ela beire o impossível. Mais difícil ainda é trabalhar para ela!

            Andy termina se adaptando ao mundo da moda, um novo mundo para ela, e isso tem seu preço: ela começa a perder amigos e o namorado, Nate (Adrian Grener). Andy também pensa sobre a dificuldade em manter uma boa vida pessoal ou um bom emprego e trabalhar bem. No meio disso tudo faz escolhas morais difíceis, como ir a um evento em Paris após ser promovida à 1ª assistente deixando para trás sua antiga colega e antiga 1ª assistente de Miranda, a preocupada Emily (Emily Blunt). Mas após muitas experiências e escolhas, Andy se demite e volta para o namorado, amigos e seu antigo modo de vida.

            Abordo neste texto a Jornada de Retorno da heroína do filme, Andy Sachs, segundo as concepções mitológicas do estudioso Joseph Campbell, que afirma a existência de personagens e temas comuns nas mitologias de várias culturas. Campbell ainda destaca que esses personagens e temas foram incorporados pela literatura e pelo cinema. Assim, primeiro farei breves comparações sobre os caminhos tomados por Andy e os heróis de outras obras e como isso influi na personalidade dessa personagem.


            Estórias dos mitos, da literatura e do cinema são baseadas principalmente nos heróis, no que eles buscam e por onde andam e quem conhecem nessas buscas, enfim, essas estórias focam a Jornada do Herói. Baseado na obra de Campbell, o mitólogo e roteirista Christopher Vogler divide a Jornada do Herói em 12 etapas. Destacarei a primeira e a última, chamadas respectivamente de Mundo Comum e Retorno com Elixir.

            Todo Herói é mostrado primeiramente no seu mundo, o Mundo Comum, onde ele vive com segurança. Além desse mundo está o Mundo Especial, onde há perigos e aventuras, onde começa mesmo o caminho do Herói. Harry Potter sai da insuportável casa de seus tios e vai para a misteriosa Hogwarts. Frodo Bolseiro deixa a segurança do Condado e se lança a lugares desconhecidos da Terra Média para destruir o Um Anel. Em O Diabo Veste Prada Andy sai do seu mundo de classe média e vai trabalhar na Runway, onde vive-se de maneira cara e sofisticada. O dia a dia na Runway e tudo que envolve essa revista, como jantares, entrevistas, desfiles e reuniões é o Mundo Especial de Andy.

O contraste entre o Mundo Comum e o Mundo Especial dessa heroína é óbvio nos primeiros minutos do filme. Andy busca um bom emprego e no caso de trabalhar na Runway, uma boa referência no currículo. Durante a realização de seus objetivos ela faz amigos e inimigos. É testada, como quando Miranda pediu que ela conseguisse para suas filhas o manuscrito do último volume de Harry Potter, ainda não publicado. Ela tem altos (como quando se veste melhor e fica mais bonita aos olhos de todos, inclusive de sua difícil chefe), tem baixos (quando termina com o namorado), duvida de si mesma e das escolhas que faz e sente saudades do seu Mundo Comum, mas ao mesmo tempo entusiasma-se com as novidades do Mundo Especial.


No final do filme Andy conversa com Miranda numa limusine. A conversa mais íntima, já que Miranda havia dito a Andy, na noite anterior, que estava se divorciando. Miranda diz que vê um pouco de si mesma em Andy, principalmente por ela fazer escolhas por si mesma. Contudo, Andy pergunta se, não com essas palavras que uso, mas pergunta se vale a pena abrir mão de uma vida pessoal normal e mais estável em prol da carreira. Miranda diz para ela não ser ridícula, pois é isso que todos querem: dinheiro, fama, luxo, fotos e imprensa. Miranda afirma isso, a limusine para, ela sai e é imediatamente cercada por fotógrafos ao se dirigir para mais um evento sobre moda. Andy toma uma decisão própria, como diria Miranda: sai do carro e decide voltar ao seu Mundo Comum.

É aí que entra a última etapa da Jornada do Herói, destacada por Vogler, o Retorno com Elixir. Frodo destruiu o Um Anel e voltou para o Condado. Ele não permaneceu lá, mas voltou e os outros hobbits heróis ficaram no Condado. Harry Potter se forma em Hogwarts e volta ao mundo dos trouxas, de onde ele veio. Andy se reconcilia com o namorado e consegue trabalhar com jornalismo, como ela queria. Mas o que viria a ser esse “Elixir” que o título da etapa exibe? O Elixir é um tesouro ou uma lição, uma coisa boa que o Herói adquiriu em sua aventura e leva-o para casa. Em O Senhor dos Anéis, Samuel, amigo de Frodo, voltou ao Condado com boas histórias para contar. Isso também vale como Elixir. No caso de Andy, ela volta ao Mundo Comum se vestindo tão bem quanto se vestia quando trabalhava na Runway. Ela não usa suas antigas roupas (pré-Runway) que pareciam ter sido tiradas do velho baú de sua avó. A heroína volta querendo ser como antes, mas a aventura mudou-lhe um pouco.

Andy traz como lições, além dos aprendizados sobre moda e estética, um maior autoconhecimento de si, uma certeza de que quer mesmo trabalhar com jornalismo. A viagem de busca do Herói o leva a conhecer outras pessoas e lugares e a si mesmo. É uma viagem de descobrimento interior e exterior. Andy retorna mais segura em relação a si e em relação a fazer escolhas, pois ela já se aventurou em terras perigosas, o Mundo Especial, e se sente mais preparada para os novos eventos que se colocarão perante sua caminhada existencial, já que, devemos lembrar, ela enfrentou o Diabo em pessoa e sobreviveu.

Em outros post tratarei outros aspectos mitológicos de O Diabo Veste Prada e também escreverei sobre outros filmes. A análise mitológica estrutural de qualquer obra é longa e relativamente trabalhosa, porém é frutífera e deliciosa, tal qual um desfile de moda com as mais sofisticadas beldades.


Ficha Técnica

Título Original: “The Devil Wears Prada”
Ano: 2006
País de Origem: Estados Unidos da América
Estúdios: Twentieth Century Fox
Direção: David Frankel
Roteiro: Aline Brosh McKenna, baseado no romance de Lauren Weisberger
Elenco: Meryl Streep, Anne Hathaway, Stanley Tucci, Emily Blunt, Adrian Grener


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