ThiagoDamasceno: Crônica: Uma Coincidência Que Salvou Um Celular

domingo, 20 de maio de 2012

Crônica: Uma Coincidência Que Salvou Um Celular


Uma Coincidência Que Salvou Um Celular

Pelo indivíduo que dá seu nome a este blog
Para Gumercinda, Astrogilda e Petronília

Goiânia, 14/05/12, céu nublado. Tempos difíceis vêm chegando...

            Na estirpe maranhense dos Damascenos há uma antiga lenda que diz que aquele que chegar em determinada etapa do seu desenvolvimento intelectual e artístico deve receber um presente de uma parente mais velho. Tal presente ajudará esse Escolhido na luta contra as hordas malignas que assolam o mundo às vésperas do Fim dos Tempos.

            Essa lenda também diz que em algum dia nublado, frio, quando Comensais da Morte estiverem à espreita do Escolhido, esse Herói irá perder seu presente, mas três corajosas guerreiras o ajudarão a encontrá-lo, colaborando assim, para a extinção das forças do Mal do Universo.

            Eu sou esse Escolhido. O presente é um celular que minha tia me deu. As três guerreiras são três amigas. A história é real, claro, senão seria “estória”, palavra que se usa para substituir “story” (ficção), do inglês. Usei pseudônimos para me referir a elas para proteger suas integridades físicas, morais, antropológicas, hormonais, culturais e existenciais. Concluindo o prólogo dessa aventura, vamos nos deliciar na leitura dessa tecnológica epopeia cotidiana pós-moderna.

            Nas férias de fevereiro, minha tia me deu um celular de presente (ou smartphone, até hoje não sei a espécie do aparelho). Era um Nokia preto, modelo X2-01, construído no Instituto Xavier com auxílio de Tony Stark, vulgo Homem de Ferro. O artefato acessava Internet, fotografava, filmava, gravava vídeos e voz, aceitava músicas e vídeos em diversos formatos, cantava diversas canções em português, russo, mongol, polinésio, enfim, fazia uma porção de coisas que deixava meu ultrapassado antigo celular comendo bits e bits pelos sistemas binários afora. Segundo ela, “um universitário tem que ter um celular decente!”. Se os universitários são decentes para ter tal equipamento (decente?), isso é outra história...

            Aquele foi um bom momento da minha vida intelectual e artística, como dizia a lenda. Eu estava na metade do curso na universidade, já sabia o que queria e o que podia vir pela frente, e também gravava, junto como um amigo, nosso primeiro álbum musical. Veja, homeotérmico leitor, que tudo eram flores na minha singela vida, até que o Declínio bateu à minha porta...

            A queda do Herói começou hoje. Como de costume, voltei da universidade em Anápolis no ônibus que eu e muitos outros estudantes fretamos. A Universidade não é tão massa quanto Hogwarts, mas é massa! Sentei ao lado de Astrogilda enquanto Gumercinda conversava conosco e com um professor e enquanto Petronília conversava conversas curiosas com outras pessoas mais ao fundo do veiculo que mencionei no começo deste parágrafo. Era tudo risos, gargalhadas, paz e amor.  Eu nem podia imaginar que trevas já avançavam sobre nossas juvenis figuras...

             Quero lembrar que, quando chego em Goiânia, troco de ônibus para poder descer  do segundo ônibus em um local mais conveniente para minha jornada existencial diária. Apenas Gumercinda e mais três companheiras de aventura me acompanham para o outro veículo. Guarde essa informação no fundo do seu ser, vertebrado leitor.

            Chegando em Goiânia, troquei de ônibus. Como todos os dias anteriores, Gumercinda me acompanhou junto com as três aventureiras, mas uma dessas aventureiras, justo hoje, era Petronília, que iria substituir uma amiga no serviço, amiga esta que também trocava de ônibus comigo. Entenda bem essa “troca” de passageiras! Até então creio que o Destino não revelou ao Mal suas intenções. Dizem que ventos bons sopram para aqueles que têm força e coragem.

            O ônibus chegou em certo ponto do centro da cidade e desci com Gumercinda, como de costume. As demais companheiras, incluindo a petrolífica Petronília, permaneceram no veículo para descer mais adiante. Enquanto eu andava com Gumercinda pelas agitadas ruas da cidade, com o céu cinza sobre a cabeça e o a imponência dos prédios nos ameaçando das alturas, senti falta do meu prodigioso celular. Após fatigáveis procuras nos bolsos do short e na mochila, me conscientizei que o havia perdido.

-Ah!!! Gumercinda, perdi meu celular!!!

            Gumercinda, aturdida, quase desmaiou tamanha era minha desventura. Estavam no aparelho minhas mensagens, minhas fotos, meus rabiscos digitais de letras de música em “Rascunhos”, minhas músicas, incluindo a discografia do Viajante Clandestino, a dupla mais irada do momento!

            Desesperado, com o coração aos prantos e barrancos, retornei minha rota a pé para ver se não tinha deixado o celular cair no chão, mas imaginei primeiro que podia tê-lo deixado cair em um dos ônibus. Assim, mesmo com a existência em pedaços, lembrei que Astrogilda havia permanecido em um dos ônibus e Petronília estava no outro. Gumercinda, de notável ascendência nordestina, recuperou sua garra e força para viver e ligou para nossas companheiras para ver se elas tinham encontrado o artefato tão fundamental para esses tempos confusos de pós-modernidade. Nossa sorte era que justo hoje, Petronília estava em um dos ônibus e poderia procurar o celular, porque eu não tinha o celular de nenhuma das três companheiras que viam usualmente no segundo ônibus comigo e nem conhecia o motorista ou outra pessoa do ônibus que pudesse procurar o celular.

            Petronília disse que estava escutando o celular chamando em algum recanto perdido do ônibus, mas não conseguia encontrá-lo. Nessa busca desesperada, chegou até a bater a cabeça na TV do ônibus! Dizem que jorrou muito sangue do seu membro mais superior. O chafariz sanguíneo foi semelhante a uma poça de petróleo que jorra petróleo desenfreadamente assim que é descoberta.  No outro ônibus, Astrogilda, perdida, não sabia ao certo onde procurar. Após várias ligações de umas para as outras, momentos de tensão com nossos corações estatelados nas saídas das bocas, finalmente Petronília informou que encontrou o celular. Pronto! Estava feito! Cumpriu-se a profecia! As forças do Mal jamais prevaleceriam sobre a Terra! Imagine se Petronília não tivesse ido substituir sua amiga no serviço e não estivesse no ônibus hoje, quem iria procurar o celular? Essa coincidência salvou meu celular das garras de um possível tirano desconhecido que o encontrasse e não o devolvesse mais.


           
            Claro que exagerei na narrativa, mas tudo aconteceu, Não da forma que narrei, mas aconteceu. Ao fim de tudo, Gumercinda pediu para Petronília levar o celular para a universidade no dia seguinte e, após ver que eu me recuperava da quase perda do celular, perguntou:

- Cê não consegue viver sem celular por um dia só não?!

            Depois de segundos de reflexão, respondi com convicção:

- Não, claro que não. 

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