ThiagoDamasceno: O Mito da Rainha de Sabá: Parte 02

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O Mito da Rainha de Sabá: Parte 02


Obs: Na postagem anterior, a primeira parte desta pesquisa.

O MITO DA RAINHA DE SABÁ: VARIAÇÕES SOBRE UM MESMO TEMA – PARTE 2

Por Thiago Damasceno

As pesquisas da Arqueologia e da História

“Os frisos de Yeha”

        Os etíopes consideram que a rainha descrita no Kebra Negast era oriunda do reino de Aksum, reino que foi estabelecido na área que corresponde hoje à Etiópia. Acontece que o mito etíope começou a ser divulgado no milênio I a.C. e o reino de Aksum veio surgiu no século I a.C., já muito tarde para a hipotética data do contato entre o reino de Israel e o reino de Aksum, que geraria o mito. E é provável que o (provável) reinado de Salomão tenha sido no século X a.C., muito antes da estruturação do reino de Aksum. Então, onde encontrar pistas do possível reino de Sabá na Etiópia? Em Yeha.
        Yeha é uma pequena aldeia do interior etíope e segundo os habitantes locais é nessa localidade que estava o palácio da rainha de Sabá. Em Yeha encontram-se muitas ruínas, incluindo um grande templo/palácio descrito por missionários portugueses do século XVI cuja construção é datada como anterior a 600 a.C. Do interior dessa construção foram retirados frisos (faixa pintada ou esculpida na parte superior de uma parede) representando cabeças estilizadas de cabras selvagens. Esses frisos não são de origem africana, mas de origem árabe. Também foram encontradas ao lado do templo/palácio inscrições que correspondem à escrita antiga do Iêmen, país localizado no sul da Península Arábica.       
        Têm-se, portanto, a crença dos etíopes de que o reino da chamada “rainha de Sabá” era o reino de Aksum. Eles divergem quanto à capital desse reino: a atual cidade de Aksum ou a atual aldeia de Yeha. As pesquisas conduziram esses estudos à Península Arábica. A primeira imagem a seguir mostra alguns frisos de Yeha. A segunda imagem consiste no templo/palácio do local.




“O vale de Marib e o antigo reino de Sabá”

As pesquisas feitas na Arábia levaram os estudiosos do tema, como o historiador inglês Michael Wood, até o fértil vale de Marib, considerado o território do antigo reino de Sabá (atual Iêmen, no sudoeste da Península). No mapa abaixo, a localização do Iêmen (área circundada pelo círculo vermelho). A outra imagem é da localidade Marib. 




Há menções ao reino de Sabá na sura 34 do Alcorão, intitulada “Sabá”.  A fertilidade e riqueza do reino são expostas quando relata-se que ele tinha dois jardins, um à direita e outro à esquerda. O Alcorão diz também que o lugar era belo e bem abastecido por Deus. A desobediência dos habitantes de Sabá a Deus fez com que a divindade substituísse os dois jardins por jardins de frutos amargos e lançassem as águas da barragem sobre eles e, de fato, hoje existe a ruína de uma grande barragem no vale do Marib. Essa represa tem 680 metros na extremidade norte e 45 metros e meio de profundidade que retinha água para a agricultura. A riqueza desse reino também vinha do comércio de produtos aromáticos, como mirra, olíbano e principalmente, incenso, tão necessário para os rituais religiosos de diversos Estados da Antiguidade, como Egito e Israel. As rotas das caravanas árabes iam do sul para o norte da Península e outras regiões exteriores a ela passando pelo costa oeste do território peninsular. Outras ruínas que ainda encontram-se no vale do Marib são o templo do deus-lua Almaqah ,senhor das cabras selvagens, talvez as mesmas representações de cabras encontradas nos frisos de Yeha. Os muros existentes contêm também o mesmo tipo de inscrições encontradas nas ruínas de Yeha.

        Por volta de 700 a.C., com uma confiante estrutura política e comercial, o reino de Sabá começou suas relações com os reinos do Oriente Próximo, enviando embaixadores e produtos de suas fronteiras e especiarias em geral. Segundo o arqueólogo israelita Israel Finkesltein, o mito da rainha de Sabá é um retrato do comércio árabe, uma representação de “mundos” que se encontraram por meio do comércio, seja o encontro com o reino de Israel ou com os reinos africanos, pois já se considera que os reinos antigos do chifre da África (Hoje, Etiópia e Eritréia) e do sul da Península Arábica tinham importantes relações:

“ao sul, dos dois lados do mar Vermelho, havia duas outras sociedades com tradições de poder e cultura organizados, mantidos pela agricultura e o comércio entre o oceano Índico e o Mediterrâneo. Uma delas era a Etiópia, um reino antigo que tinha o cristianismo em sua forma copta como religião oficial. A outra era o Iêmen, no sudoeste da Arábia, uma terra de férteis vales montanheses e ponto de trânsito do comércio de longa distância. A certa altura, seus pequenos estados locais haviam sido incorporados num reino maior, que enfraquecera quando o comércio declinara no início da era cristã, mas revivera depois. O Iêmen tinha sua própria língua, diferente do árabe falado em outras partes da Arábia, e sua própria religião: uma multiplicidade de deuses, servidos por sacerdotes em templos que eram locais de peregrinação, oferendas votivas e prece privada (mas não comunal), além de ser também centros de grande riqueza. Nos séculos seguintes, influências cristãs e judaicas vieram da Síria, pelas rotas comerciais, ou do outro lado do mar, da Etiópia. (HOURANI, 2005: 25, 26)

        As versões do mito e a s duas atribuições de localização do reino de Sabá, sugerem que os reinos antigos do chifre africano (incluindo Aksum, vale lembrar) e do sul da Península Arábica foram governados pela mesma dinastia por um determinado período, levando duas sociedades e a produzirem vertentes do mesmo mito. Segundo Lambert: “sabe-se que, nos primeiros séculos da Era Cristã, os iemenitas do extremo sul da Península Arábica, tecnicamente avançados e altamente sofisticados, estabeleceram-se no que é hoje a Etiópia setentrional (LAMBERT, 2001: 125).

Conclusões

        O reino de Sabá estava no que hoje é o Iêmen, no sul da Península Arábia. E as interpretações de suas fontes apontam para um rico comércio realizado com o Oriente Próximo e o chifre da África, levando à circulação de crenças, idéias e mitos, como o mito da rainha de Sabá. A imagem que segue é de um palácio no atual Iêmen, no vale de Marib. Seria o palácio de uma poderosa rainha de outrora?




Referências

A BÍBLIA SAGRADA – Tradução de João Ferreira de Almeida. Gráfica Bandeirantes, Guarulhos, 2009.

HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. Companhia das Letras, 2ª edição, São Paulo, 2005.

LAMBERT, Jean-Marie. História da África negra. Kelps, Goiânia, 2001.

O ALCORÃO - Tradução de Mansour Challita. ISBN 978-85-7799-168-6. Best bolso, Rio de Janeiro, 2010.

ROCHA, Everardo. O que é mito. Brasiliense, São Paulo, 1996.

WARNER, Marina. Da fera à loira. Companhia das Letras, São Paulo, 1994.

WOOD, Michael. Em busca de mitos e heróis. British Broadcasting (BBC). Londres, 2004. 45 minutos. 

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