ThiagoDamasceno: Crônica: Crepúsculo Diluviano

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Crônica: Crepúsculo Diluviano

Crepúsculo Diluviano

Por Thiago Damasceno

“Pedestres, empurrando os guarda-chuvas uns dos outros, em uma infecção generalizada de mau humor, e perdendo o equilíbrio nas esquinas, onde outras dezenas de milhares de pedestres vinham deslizando e escorregando desde o raiar do dia (se é que esse dia chegou a raiar)”.

Charles Dickens, A Casa Soturna (1853)


Goiânia, 09 de abril de 2012, por volta de 19:40 min.

            Você é um graduando em História. Graduando de Licenciatura em História, para ser mais específico. Chega o momento em que você precisa fazer estágio em escolas públicas. É nesse momento que você vê com seus próprios olhos e intuição que, o sistema público de ensino brasileiro, nos níveis Fundamental e Médio, vem falindo. Mas a Esperança não morreu. Pior. Ela foi sepultada viva! Mas deixemos as discussões sérias pra depois...

            São cerca de 18:00 horas da tarde. Você precisa e quer voltar pra casa. Aquelas nuvens pesadas, negras, que pairavam baixas há horas, começam a derramar todos os seus líquidos. “É um toró!”, como se diz no Maranhão. “É um pé d´-água!”, como se diz em Goiás. “São os cavaleiros do Apocalipse!!!”, como diria um pregador louco de meio de rua. Enfim, uma chuva torrencial, justo na hora em que você iria embora.

            O que fazer perante essa doce, útil e por que não, “atrapalhante” intempérie natural? Você decide esperar, pois você tem aquela fé inabalável de que uma hora a tempestade vai passar e você poder voltar pra casa no seco. Ledo engano! Mas antes, vamos à história de uma espera.

            Você quer voltar pra casa e terminar de escrever aquele conto fantástico ao qual, só em criá-lo, você disse a si mesmo: “Fantástico!”. Nessa onda literária, você aproveita pra ler alguns contos do famoso escritor francês Guy de Maupassant. Graças aos CÉUS você tem um exemplar de bolso das estórias dele na sua mochila. Você lê. A chuva não passa. Você escuta algumas músicas via celular. A chuva não passa. Você entabula conversa com uma estranha que vai embora de carro com seu pai, mas claro, não pode lhe dar carona porque ela mora no outro lado da galáxia. E a chuva não passa!

            Você se volta pra chuva e lança-lhe aquele olhar fulminante de desafio. Você ouve um otimista ao seu lado dizendo que ela vai ficar assim a noite toda. Você não dá ouvidos porque você sabe que se não fizer aquilo, não vai poder fazer outras coisas na vida. Então, contra a fúria de Poseidon, você se lança na aventura! Mas não com a cabeça baixa, como um animal atacado. Você põe sua mochila na frente do corpo pra que nenhum doido ouse roubá-la naquele momento e corre normalmente, com a cabeça erguida, tal qual um semideus.

            Você se molha bastante e salta entre as poças assim como MarioBross salta entre seus obstáculos. Porém, como se não bastasse a água que cai de cima, as ruas estão totalmente alagadas, de tal forma que você entende porque algumas pessoas, infelizmente, são arrastadas pela força das águas durante uma chuva poderosa. Nesse momento é bom lembrar e ver que você está com seu par de tênis predileto. Aqueles velhos amigos... E inexplicavelmente, uma das solas descola-se. Seu pé molha todo. Minutos depois você é simplesmente molhado pelos carros cujos pneus cospem a água suja das ruas.

            Você continua caminhando, contrariado, mas jamais arrependido, porque por Deus! Você conhece Joseph Klimber! Assim, você desvia agilmente dos sacos de lixo que rolam pelas calçadas, arrastados pela água, já que ainda é muito cedo pro caminhão de lixo ter passado pra pegá-los. Você realmente molha os pés na água suja das calçadas e ruas e lembra que pode contrair leptospirose porque quase todo dia, ao ir cedo pra Universidade, você vê aqueles ratinhos passando desesperadamente pelas ruas e calçadas.

            Após tantos passos dados, alguns falseados, claro, você finalmente chega ao seu prédio. Mas, assim como a carona que você não pôde pegar ao tentar sair do colégio, você não pode entrar de imediato no prédio porque alguns moradores estão fazendo mudança. E nesse momento, estão simplesmente tentando entrar com uma geladeira daquELE TAMANHO!!! Você espera alguns minutos. Enquanto isso, tira seus tênis e meias. Instantes depois, você entra no elevador.

            Sua mente parece rir do seu corpo encharcado e começa a imaginar aquela janta histórica na sua limpa e seca cozinha. Ao entrar no seu recinto privado você se depara com sua mãe enxugando o chão da cozinha, que está encharcado. Aquela janela, que tanto lhe protege dos ventos frios da noite, abriu suas “portas” pra água da chuva.

            Ao fim de tudo, você vê que a única coisa que sobreviveu perfeitamente foi a sua mochila impermeável, que lhe acompanha desde 2004, quando você fazia o 8º Ano (antiga 7ª Série). É nessa hora que você larga sua roupa molhada em algum canto que você preferiria esquecer, manda mensagem pra uma amiga relatando/desabafando um pouco da sua jornada épica. Toma um banho e resolve escrever uma crônica cômica (ou não). Talvez você mesmo ria de tudo. Os outros rirão, com certeza. Foi tudo tão trágico e bobo que chega a ser cômico. E lembrando que nesse momento de reflexão, em que você senta pra escrever, você olha pela janela e percebe que a chuva passou. Algo dentro de você diz: “Ah... seu eu tivesse esperado um pouco mais...”. Dizem que isso se chama Lei de Murphy.

            Usei o pronome “você” o tempo todo, desejando observar e narrar tudo “de fora”, mas tudo aconteceu comigo, este, agora seco, banhado, limpo e cheiroso, autor e narrador. Minha intenção é divertir você, simpático leitor, já que assim, você me ajuda a AFOGAR esses pensamentos. A umidade desse prazer é nossa!

            Nunca, mas jamais, esqueça aquele simplório guarda-chuva.


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