ThiagoDamasceno: Diário I

sábado, 8 de janeiro de 2011

Diário I

Um Dia Como Hoje I

O Diário De Uma Banda Chamada Cidade Muda

Por Thiago Damasceno
Texto escrito no Sábado, 08 De Janeiro de 2011

        Como eu havia explicado na postagem de 29 de Dezembro de 2010 designada Música: Cidade Muda, fiz uma banda chamada Cidade Muda com alguns amigos para tocarmos nos bares de Carolina-MA. De quinta-feira para sexta-feira tocamos em um bar chamado Massas & Cia. Este relato menciona os fatos e reflexões mais importantes dos dias em que tocamos. Um relato sobre amizade, música, amor, vontade e infelizmente, violência. Este diário tem 4 páginas, caso seja mais cômodo para alguns leitores, coloquei o link do texto em formato pdf para download. Boa leitura!
       

“Tudo que aconteceu foi fantástico demais para não ser contado”.
(Jack Kerouac, escritor beat norte-americano)

Quinta-Feira, 06 De Janeiro De 2011

        Acordei sabendo que teria muitas coisas para fazer. A banda era e ainda é: eu (voz e violão), Heitor Lopes (voz, violão, gaita e percussão), Luciano Noleto (voz, percussão) e Orlean´s Silva (violão, guitarra). Já havíamos avisado aos amigos por orkut e de boca em boca que tocaríamos quinta-feira no Massas & Cia. O problema era que ainda não tínhamos conseguido a licença policial para o evento. Fui com Bruno Vinícius, da banda Blackout, camarada de vários anos, à delegacia na tarde de quarta-feira e... Nada! O delegado dava licença para todos os dias da semana, menos na bendita quinta-feira. A velha sorte nos acompanhando... Precisaríamos falar com ele pessoalmente. Fomos novamente à delegacia na manhã de quinta-feira e só conseguimos falar com ele via celular. O engraçado é que no caminho passamos pelo Fórum e ao chegarmos à delegacia, nos disseram que ele estava no Fórum, por isso falamos com ele via celular. Mas para ser mais direto, foi Bruno quem falou com ele, porque já o conhecia. Com a ajuda de Bruno e de mais R$ 40,00 conseguimos tirar a licença. Ela ficou no meu nome, mas perguntei para o funcionário que a fez se eu levaria a culpa de alguma coisa em casos extremos (homicídio, por exemplo). A resposta foi não. Eu estava protegido legalmente contra tais pesos. Menos mal.
        Vale ressaltar que o nome Cidade muda foi criado por Orlean´s Silva. O nome ficou polissêmico, pois pode criticar o silêncio da população frente aos problemas político-sociais, como o atraso de entrega de obras públicas e carências no Hospital Municipal. O nome também pode ser um apelo: Cidade, muda! Ou uma coisa menos séria e até engraçada, que pode ser vista em outra grafia: Se idade muda. Polissemia, polissemia.
        Com a licença tirada, eu e Bruno nos dirigimos para a Rádio Renascer, dirigida pelo conhecido Sales. Eu iria apenas avisá-lo para fazer o anúncio na Rádio, conforme combinei com José, dono do Massas & Cia, mas para minha surpresa Sales me entrevistou ao vivo. Falei sobre os integrantes (quem era filho de quem, para cidades pequenas esses dados são fundamentais), de onde eu tinha vindo (Goiânia), quando surgiu a idéia da banda, repertório (rock nacional dos anos 80 e 90, MPB). Essa banda surgiu para tocar um som mais acústico nos bares. Eu e Heitor tocamos na Blackout e Luciano e Orlean´s são da Blackout, então algumas pessoas pensam que a Cidade Muda é a Blackout. É e não é. Por mais que seja sempre o mesmo grupo de amigos tocando juntos, preferimos dizer que a Cidade Muda é um projeto paralelo à Blackout, que sempre teve um som elétrico. Expliquei tudo isso na Rádio, durante a entrevista, com minha voz arnaldiana (referente à Arnaldo Antunes, ex-vocalista dos Titãs). Depois fui com Sales gravar um anúncio com uma voz de locutor estilo Lombardi. Foi divertido. Sales sugeriu que eu vendesse minha voz para alguns estúdios. Farei isso quando voltar à Goiânia/Anápolis.
        Isso tudo aconteceu pela manhã. Pela tarde fomos à casa de Heitor para o último ensaio. Uns toques aqui e ali, só para deixar tudo mais ou menos pronto, lista do repertório e tal. Nos encontramos por volta das 19 e 30 da noite no Massas & Cia e arrumamos o som. Sempre com a ajuda de amigos, seja com empréstimo de caixas ou instrumentos. São eles: Bruno, Jarlony, Gabriel, Gleidson e o popular Seu Bola, que nos emprestou uma caixa amplificadora.
        Enquanto passávamos o som, o público ia chegando e devido à complicações sonoras, começamos um pouco atrasados. Era para começarmos às 20 horas, mas começamos às 21. Essas coisas acontecem...
        Começamos um pouco nervosos, errando algumas músicas, com o som nos deixando na mão às vezes, mas por volta da 6ª canção e daí em diante, o negócio funcionou bem, tão bem que entre 23 e 24 horas, o bar estava lotado. O público tomou a rua. Era gente na calçada do bar, na calçada da Igreja Batista (logo ao lado), em pé, sentado na calçada, gente se gentando de várias formas. Anunciamos o evento na Rádio Renascer, por orkut e num carro de som. Eu esperava aquela quantidade de pessoas mesmo, mas não me impressionei, apenas fiquei impressionado. Deu pra entender?! O contigente era de 150 a 200 indivíduos.


         Foi legal. O negócio fluiu, rendeu, foi gostoso, divertido. Tocamos nossas próprias canções, como Qualquer Tempo, Janela e Veraneio. Também interpretei dois poemas entre algumas canções: O Bicho, de Manuel Bandeira e Cidadezinha Qualquer, de Carlos Drummond de Andrade. Só faltaram as piadas que eu havia combinado com Luciano, mas o clima não estava muito bom para piadas.
        Tocamos até uma da manhã. Arrumamos as coisas, comemos sanduíches com a boa e velha coca-cola, recebemos o pagamento e decidimos ir embora. E o que fazer com as caixas de som àquela hora da madrugada? Eu disse para Luciano:

-Deixa aqui no bar e amanhã a gente pega.

-Não, a gente leva lá pra casa na mão mesmo.
      
          E foi assim. Levamos as coisas nas mãos, a pé. Uma boa caminhada noturna para fazer a digestão e acordar o sono. Depois de deixar os instrumentos na casa de Luciano, fomos andar pela cidade. Paramos na chamada praça da prefeitura, cujo nome verdadeiro é de um ilustre desconhecido, como na maioria das praças do Brasil. A praça da prefeitura é praça mais cara e chique da história de Carolina. Ficamos por lá conversando, rindo feito loucos e explorando os segredos do notebook de nosso amigo Jarlony. A turma era eu, Jarlony, Gabriel, Bruno, Luciano e Orlean´s. Nos separamos por volta das 3 da manhã. Segui meu caminho para casa, Jarlony seguiu o seu e os outros 4 seguiram outro caminho. Logo que cheguei em casa capotei na cama sem ao menos sonhar com a surpresa que me esperava no dia seguinte.


 Sexta-Feira, 07 De Janeiro De 2011

       Como quase todos os dias, acordei na casa da minha avó por volta das 07 e 30. Peguei meu celular. Havia duas chamadas não atendidas e uma mensagem. Eu pensei: “Quem será”? Poderia ser uma fã ensandecida e apaixonada, um produtor musical, um caça talentos, um dono de outro bar, algum amigo, um parabéns pelo show, enfim... Uma notícia boa. Quem dera... Quem dera.... Ao invés disso, a mensagem no celular informava de forma clara:

“Thiago, o bar acabou de ser assaltado! Liga pro Bruno agora”!
      
        Eu não tinha o número do celular que enviou essa nota na minha agenda, mas depois descobri que era de Gabriel. A mensagem foi mandada às 3 e 52 da manhã, horário aproximado do assalto.  Como o celular estava no silencioso, não vi a mensagem de madrugada. Pensei e pensei sobre aquilo enquanto me arrumava para ir trabalhar na Drogaria Diofarma. Me revoltei. José tinha nos dado oportunidade, incentivado nossa arte, trabalhado honestamente para no final da história sofrer um assalto. Enquanto eu estava trabalhando e andando nas ruas pela manhã, algumas pessoas comentavam o ocorrido comigo. Elogiavam o show e lamentavam o assalto. Bruno foi à Diofarma para conversar e minutos depois Heitor apareceu. Como acontece muitas vezes, nosso multi-instrumentista foi o último a saber do caminho da roda história. Eu e Bruno lhe passamos as informações, alimentados por sua cara de espanto.
      À tarde, eu, Gabriel e Heitor fomos conversar com José na sua casa. Nessa conversa tivemos informações mais sólidas. Os dois assaltantes eram menores e estavam com os rostos cobertos. Um deles usava metralhadora. Eles renderam os clientes, que ocupavam duas mesas e mandaram todos colocarem os rostos no chão. Também apontaram um revólver na cabeça de uma menina. Perguntaram onde estava o dinheiro e o levaram. Levaram todo o dinheiro da noite! Não seria ético se eu mencionasse a quantidade, é meu diário, mas estou tornando-o público. Os assaltantes também levaram quase todos os celulares, um capacete de uma cliente e uma moto de uma funcionária, mas mais tarde, deixaram a moto perto de um bairro chamado Princesa Isabel, próximo à casa de Luciano, e vale lembrar que alguns minutos atrás estávamos na porta da casa dele. Isso tudo me fez lembrar alguns versos de Baader-Meinhof Blues, da Legião Urbana:

A violência é tão fascinante
E nossas vidas são tão normais

Nossas vidas são tão normais que quando a turma que estava na praça da prefeitura se separou, os quatro andarilhos noturnos remanescentes: Bruno, Luciano, Gabriel e Orlean´s passaram perto do Massas & Cia e pensaram em tomar mais uma boa e velha coca-cola, mas dobraram uma esquina para irem embora. Minutos depois, um motoqueiro passou por eles e avisou-os que o bar havia sido assaltado. Eles foram até lá e viram as lágrimas que rolaram após a tragédia. Luciano se revoltou e pixou em alguns muros: “Segurança pública já! Queremos igualdade social!” e por aí vai...
        Eu ou mais alguém da banda poderia ter ficado no bar até mais tarde e ter presenciado o assalto ou alguém que presenciou poderia ter morrido. Nossas vidas são tão normais, tão frágeis... Algumas horas e minutos nos pouparam do perigo certo, pena que não pouparam outros. Os assaltantes estavam nervosos e poderiam atirar em qualquer um. Depois do assalto a polícia chegou ao Massas & Cia e um dos policiais ainda soltou um piada, dizendo que os garotos não iriam atirar. Faz-me rir, faz-me rir.... Garotos nervosos com armas, que sabem que fazem algo errado, podem atirar com toda certeza. Ninguém saiu fisicamente ferido, mas o que se passa agora pela cabeça das vítimas? Só quem sofreu sabe. 
       Foi assim que acabou uma história que começou com música e paz. Foi assim que acabou uma história, não o livro todo, pois talvez tocaremos em breve no mesmo bar ou em outro bar e a história seja diferente. Para o próximo evento, só espero que a sorte sorria para todos os envolvidos, já que somos apenas jovens querendo causar um movimento devido à falta de movimento. O ruim são as reações ruins que tais movimentos podem causar.
       Chamei os relatos de Um Dia Como Hoje porque cada dia é único, seja com lágrimas ou sorrisos. Cada dia só se iguala a si mesmo, por isso, Um Dia Como Hoje. Esse também é o título de uma canção do Ira!

Um comentário:

  1. Pô, muito massa vê a história escrita. É bem maior!(Talvez exatamente por isso seja menor.)

    haha

    Férias é muito boa.
    Não deixar ninguém interferir,
    Não se anular, viver dias de sol.

    ResponderExcluir