ThiagoDamasceno: Poema: Anhanguera

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Poema: Anhanguera

 

Anhanguera
(Thiago Damasceno)


Não queremos sua água de fogo
ela não mata nossa sede
Não queremos sua foice
ela não abre nossos caminhos
 
Não queremos sua bateia
ela não peneira nossas riquezas
Não queremos seu bacamarte
de nada ele nos protege
 
Não queremos sua astúcia enganadora
e nem sua coragem assassina
Não queremos suas glórias
e nem os louros das suas vitórias
 
Seu triunfo camufla nossas dores,
mas não queremos o seu esquecimento,
pois nossos mortos merecem ser lembrados
para que renasçam sempre que cada lufada de vento solar
soprar pelo cerrado que resiste sob o céu cinzento
e abençoa todos os marginais sedentos por justiça
e se estende dias e noites Brasil adentro
pelas chapadas onde verdejarão
os nossos destinos
 
Não queremos velhos diabos
nem deuses genocidas
Queremos a queda da sua figura
a derrubada da sua homenagem
os farrapos da sua honra
e a falência da sua linhagem
 
Semearemos na terra e no asfalto
as histórias que nos dizem respeito
Nascerão árvores majestosas
com sementes a que temos direito
Louvaremos nossos quilombos e aldeias
faremos monumentos em tributo
às forças ancestrais que nos rodeiam
 
De uma vez por todas é a nossa vez!
 
Nossa voz mata a nossa sede
Nossos braços abrem nossos caminhos
Nossa força ergue nossas riquezas
Nossa coragem nos protege
Nossa astúcia nos mantêm vivos
 
Cravaremos na garganta do medo
todas as nossas vitórias
Seremos as cores, as folhas e as palavras
dos futuros livros de história
 
Para nós, motumbá!
Para você, nenhum axé!
Para o novo amanhã, saravá!





Foto: Letícia Coqueiro

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No dia 31/03/22 participei do debate de lançamento do curta-metragem “NenhumGenocida de Pé” na Casa de Vidro. Esse curta registrou a performance artística de protesto de grupos feministas, em 04/12/21, no monumento ao bandeirante, localizado no centro de Goiânia.

O monumento é uma estátua de Bartolomeu Bueno da Silva Filho. Ele e seu pai ficaram conhecidos como “Anhanguera” 1º e 2º, termo que significa “Diabo Velho” em tupi. Reza a lenda que essa alcunha foi dada pelos indígenas ao Anhanguera 1º após ele atear fogo numa tigela com aguardente para impressioná-los, ameaçando pôr fogo nos rios e fontes caso eles não informassem onde havia ouro. Esses 2 bandeirantes paulistas realizaram suas bandeiras (expedições) em Goiás do final do século XVII ao início do XVIII. Essas expedições tinham como objetivos a exploração do território, a captura de indígenas para escravização e a destruição de aldeias e quilombos.

A estátua do Anhanguera 2º tem uma postura imponente. Ele segura uma bateia – tigela usada nos garimpos – e um bacamarte – uma antiga arma de fogo. Esse monumento foi feito pelo artista plástico Armando Zago a pedido do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de São Paulo, que o deu aos goianienses em 09/11/1942, poucos meses depois do Batismo Cultural de Goiânia. Desde então o local foi palco de movimentos políticos como as Diretas Já, os Caras-pintadas, etc. O monumento também foi alvo de pichações em protestos à valorização da história dos bandeirantes, repleta de violências.

Escrevi esses versos tendo em mente essa postura crítica à história regional e nacional, mencionando também elementos da cultura afro-brasileira. Estilisticamente também pensei na prosa poética de Jack Kerouac, da Geração Beat, caracterizada por enunciados longos, muitos conectivos e pela exaltação dos marginalizados.


REFERÊNCIAS


FERNANDES, Fernando R. Bandeirantes. “Infoescola”, 2022.
Disponível em: https://www.infoescola.com/historia-do-brasil/bandeirantes/

PESSONI, Carolina. Monumento ao Bandeirante: de bacamarte na mão, o Anhanguera vigia Goiânia. “A Redação”, 25/06/21.
Disponível em: https:// www.aredacao.com.br/colunas/152781/monumento-ao-bandeirante-de-bacamarte-na-mao-o-anhanguera-vigia-goiania

 

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