Divã
(Thiago Damasceno
Para M. Pereira)
Todo
mundo sabe tudo
menos
eu
Todo
mundo está convicto
menos
eu
Todo
mundo acerta
menos
eu
Todo
mundo tem fé no que diz
e
eu me sinto o único ateu
Todos
casaram com a Certeza
somente
eu flerto com a Dúvida
Todo
mundo vai para frente e avante
só
eu recuo
Todo
mundo cumpre o seu destino
só
eu ando em círculos
Todo
mundo vence
só
eu fracasso
Todo
mundo jura que já se encontrou
só
eu me procuro
Todos
navegam com um GPS preciso
somente
eu traços rotas em um papel amassado
Ninguém
se permite
apenas
eu
Ninguém
experimenta
apenas
eu
Ninguém
corre perigo
apenas
eu
Todo
mundo tem os pés no chão
apenas
eu alço voos de Ícaro
Todos
seguem reto toda vida
somente
eu trupico, titubeio e vacilo
Só
eu arrisco, só eu petisco
só
eu coloco tudo a perder,
mas
é que quando me perco
eu
me encontro e me invento
e
nesse descompasso de quedas e levantes
vou
me modelando do barro
sopro
nas minhas narinas o fôlego da vida
e
me crio à imagem de mim mesmo
que
vai existindo aos poucos
como
um desconhecido que desenha no rosto
os
esboços que projeta de si
à
medida que se apalpa perante um espelho
Corto
a árvore da qual faço minha cruz
e
me deixo morrer no Calvário
só
para depois mover a rocha
que
fecha o meu sepulcro
E
nesse descompasso de morrências e vivências
vou
me tornando império e Estado de mim mesmo
Sou
um califado a expandir-me para além dos desertos,
mas
sou mais que a minha descoberta:
sou
a minha conquista!
Sou
o invasor amigável
sou
o estranho que sempre volta para o ninho
sou
o estrangeiro com quem mais me familiarizo
sou
o perdido que retorna ao seu caminho
E
se hoje lamento não ter sido ontem
é
também hoje que anseio pelo que serei
E
se amanhã bem cedo
eu
de novo cair desolado
levantarei
mais uma vez
e
ficarei em vigília até ser levado
pelas
imagens oníricas da noite,
pois
não há nada mais real
do
que os sonhos que nos despertam
à
flor da pele
--- x ---- x ----x ----
Esse poema é sobre meu processo psicanalítico e a sensação que tenho de “desafinar no coro dos contentes”. A inspiração direta veio no primeiro dia em que deitei no divã e disse para minha analista que todos me parecem convictos e crentes de certeza e somente eu vivo cheio de dúvidas. Ela disse que eu sinto isso por estar em análise.
Dentre as referências históricas do poema está a visão triunfalista de história presente nas fontes árabes medievais sobre a expansão islâmica. Os cronistas árabes medievais utilizavam o conceito alcorânico “fatḥ” (فتح) - que significa abertura, conquista, vitória - para manifestar a crença de que o crescimento e o sucesso político do Islām eram vontades de Deus. Esse é um ponto de vista histórico de vencedores árabes e muçulmanos.
Dentre as referências mitológicas e religiosas estão a criação de Adão no Jardim do Éden, a morte e a ressurreição de Cristo e a tragédia de Ícaro, personagem da mitologia grega que, ao tentar fugir da Ilha de Creta voando com asas de penas de gaivota e cera de abelha, voou tão alto que suas asas derreteram com o calor do Sol, então ele caiu e morreu no mar Egeu. O mito de Ícaro é sobre pagar alto pela realização de um sonho.
Uma curiosidade: a palavra “divã” vem do árabe “dīwān” (ديوان), que possui 3 significados segundo o professor Adalberto Alves no seu “Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa” (2018, p. 441): arquivo (1), no sentido de documentos de um conselho de um sultanato turco ou de edifício desse conselho; cancioneiro de um poeta árabe (2); e cama baixa com fundo de arame coberta por almofadas e que servia como sofá (3). Nos consultórios de psicanálise, os divãs são presentes no formato de um sofá-cama, como no 3º significado. As almofadas também são comuns nas tendas e residências árabes desde os tempos medievais.
Também penso se o que sai da boca de um analisando deitado no divã, muitas vezes em termos metafóricos e simbólicos, não poderia também ser considerado um cancioneiro poético, conforme o 2º significado acima.
Quem mais se sente um desafinado no coro dos contentes?
Dentre as referências mitológicas e religiosas estão a criação de Adão no Jardim do Éden, a morte e a ressurreição de Cristo e a tragédia de Ícaro, personagem da mitologia grega que, ao tentar fugir da Ilha de Creta voando com asas de penas de gaivota e cera de abelha, voou tão alto que suas asas derreteram com o calor do Sol, então ele caiu e morreu no mar Egeu. O mito de Ícaro é sobre pagar alto pela realização de um sonho.
Uma curiosidade: a palavra “divã” vem do árabe “dīwān” (ديوان), que possui 3 significados segundo o professor Adalberto Alves no seu “Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa” (2018, p. 441): arquivo (1), no sentido de documentos de um conselho de um sultanato turco ou de edifício desse conselho; cancioneiro de um poeta árabe (2); e cama baixa com fundo de arame coberta por almofadas e que servia como sofá (3). Nos consultórios de psicanálise, os divãs são presentes no formato de um sofá-cama, como no 3º significado. As almofadas também são comuns nas tendas e residências árabes desde os tempos medievais.
Também penso se o que sai da boca de um analisando deitado no divã, muitas vezes em termos metafóricos e simbólicos, não poderia também ser considerado um cancioneiro poético, conforme o 2º significado acima.
Quem mais se sente um desafinado no coro dos contentes?
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