Urge
acordar cedo para
darmos conta até o fim do dia das
atividades ansiosas e nada amistosas que
exigem mais de 24 horas Urge
pagar boletos e
parcelar as compras no cartão de crédito enquanto
os cálculos daquela tão sonhada viagem vão
se derretendo na xícara de café do trabalho Urge
falar menos e fazer mais Urge
descansar de menos e se esforçar demais Urge
filosofar em segredo no chuveiro porque
é o momento que nos restou para isso e
ficamos um pouco mais debaixo da água quente para
que a realidade nos pareça suportável Urge
frear a inflação Urge
trocar o carro por uma bicicleta Urge
pedir desconto e negociar Urge
se alimentar de xepas porque, meus
amigos e minhas amigas, do
jeito que as coisas estão até
o barato sai caro Urge
desorientar o mapa da fome Urge
aplacar a sede dos sem nome e
também urge parar de beber porque
ser boêmio agora é para poucos Urge
tocar fogo nos racistas Urge
acender um último cigarro e
beber uma dose de uísque escocês em
um brinde contra o fascismo Urge
obliterar o presidente e
castrar todos os seus ministérios antes
que não sobre nenhum país para
nos dar um senso de urgência Urge
lembrarmos de Deus e
não esquecermos do Diabo Urge
salvar Cristo dos
falsos bem aventurados que
mentem em seu nome Urge
fazer ioga Urge
meditar Urge
rogar a todos os santos, Budas e orixás até
que o Universo inteiro faça sentido dentro
de uma prece Urge
correr contra o Tempo para
envelhecer jovialmente e
tentar enganar o espelho enquanto
aumentam-se o risco de
ataque cardíaco e aneurisma cerebral Horário
do óbito: 11h13min
de uma segunda-feira qualquer Urge
comer menos Urge
tentar emagrecer e
comer demais de tanta ansiedade que
a ideia de emagrecer nos causa Urge
tomar comprimidos para dormir e
sonhar tão rápido a tal ponto que
não lembremos nada no dia seguinte porque
dizem que a vida foi feita para
nela se trabalhar e
não para se plantar sonhos Urge
aprender inglês, tupi, latim, árabe,
mandarim e as línguas Bantu para
tentar traduzir todos
os sentimentos do mundo Urge
abrir trilhas de empatia por
entre os meandros da globalização Urge
descumprir todos os acordos e tratados e
todas as convenções que deram errado Urge
mandar Versalhes e Genebra ao raio que os parta! Urge
destituir a culpa de qualquer responsabilidade Urge
enganar as virtudes e dar o troco nos pecados Urge
resetar todas as civilizações e
recomeçar do zero porque
chegamos muito aquém do esperado E
como chegamos aqui mesmo? Urge
escrever prosas e versos como
um exorcista que negocia sua alma por
um futuro onde não exista urgências --- x --- x --- x --- Versos
inspirados nas nossas atuais situações política, econômica, religiosa e tudo
mais no país e no mundo. Comecei a pensar neles a partirdo “Poema da
Necessidade” (1940) do Drummond. Acho que também há algumas pitadas de
“Tabacaria” (1933) do Fernando Pessoa. As referências históricas mais diretas
são ao Tratado de Versalhes (1919) e às Convenções de Genebra (1863, 1906,
1929, 1949). No mais, é um grito de indignação! Espero que gostem!
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