Goiás: Estado
Violência
Por Thiago Damasceno
“Estado Violência, deixe-me querer!
Estado Violência, deixe-me pensar!
Estado Violência, deixe-me sentir!
Estado Violência, deixe-me em paz!”
(Estado Violência, Titãs)
Sou
mais um maranhense que veio tocar a vida em terras goianas, terras de povo
simpático e hospitaleiro, qualidades que minimizaram meus humanamente naturais
medos da mudança e da adaptação. Esses medos não existem mais. Sete anos desde
minha migração, já me sinto com identidade goiana e considero este estado
também o meu lar. Porém, outro medo nasceu, ou melhor, cresceu. É o medo da
violência. E para piorar, é um medo da violência tanto dos fora-da-Lei quanto
dos agentes da Lei.
Não
vou falar sobre os criminosos perante a Lei porque isso é praxe. Falarei dos
crimes cometidos por aqueles que estão sob a proteção legal e que, justamente
por isso, abusam de suas autoridades e poderes. Há exceções, claro, mas quem
dera viver sob o manto da ética e da justiça fosse fato para todos.
Goiás, e principalmente a capital
Goiânia e cidades vizinhas, vêm passando por momentos sociais e políticos
turbulentos: além dos problemas “de sempre”, ultimamente a maioria da população
vem sofrendo com o aumento abusivo da passagem do transporte coletivo e com as
cacetadas de uma governança autoritária, avessa ao diálogo e a explicações de
suas atitudes para com aqueles que mantêm os cofres públicos tilintando de
moedas: nós, o povo, esse termo vago e genérico, mas que você e eu entendemos
bem.
O governo estadual, de forma
arbitrária, quer introduzir o sistema de gestão escolar via Organizações
Sociais. Isso gerou um movimento forte e coeso por parte dos estudantes
secundaristas e até ação civil do Ministério Público de Goiás contra tal
procedimento. Claramente, a gestão escolar via OSs favorece um grupo detentor
de poderes políticoeconômicos e desfavorece as classes mais socialmente
fragilizadas da população. É um esquema imoral, um esquema oriundo da lógica
neoliberalista de governar. Sobre isso, o professor e diretor da Faculdade de
Educação da UNICAMP, Luiz Carlos de Freitas, fala melhor.
Manifestações estudantis contra as
OSs vêm ocorrendo desde o conhecimento público desse esquema, e de “brinde” a
essas manifestações, a violência da Polícia Militar de Goiás. Ando com medo,
você também deve andar assim. Mas agora não sei se tenho mais medo de um
bandido ou da polícia. A polícia aqui prende, bate e humilha psicologicamente a
seu bel-prazer, principalmente se você estiver participando ativamente de uma
manifestação ou passar perto de uma. O discurso que as autoridades fardadas
usam para legitimar seus abusos de poder é raso, superficial: “Fulano é
vândalo, malandro, bandido, terrorista”, etc, etc... É um discurso bastante estúpido e simplório.
Claro que há pessoas mal intencionadas e
violentas nos movimentos sociais, mas isso não é “regra”. Claro que há PMs que
exercem suas funções com ética - e paz na medida do possível - mas a “regra”
que vem crescendo é a oposta. Vi e ouvi dizer de amigos, colegas e conhecidos
sendo presos e humilhados pela PM. Durante uma ocupação na Seduce (Secretaria
de Estado de Educação, Cultura e Esporte), no dia 15 de fevereiro, 31 pessoas
foram presas por ocuparem o órgão. 13 dos presos eram estudantes menores de idade e um era
professor doutor em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É necessário
que os eleitores goianos saibam dessas atrocidades cometidas pelo governo e se
lembrem delas no próximo período eleitoral.
O aparato policial durante a ocupação da
Seduce... Guerra contra o tráfico: viaturas, helicópteros e policiais do Bope
(Batalhão de Operações Especiais). A polícia até usou um ônibus coletivo da
CMTC (Companhia Metropolitana do Transporte –Transtorno - Coletivo) para levar
para a cadeia os 31 presos políticos que estavam apenas exercendo seu direito
constitucional de livre manifestação e queriam acompanhar o andamento do
processo jurídico do esquema das OSs na Educação (processo fechado para o
público, uma clara ação anticonstitucional. Coisas de Goiás....). A força
policial, levando todos em um ônibus coletivo, lembrou o clima do livro 1984, lembrou uma conspiração no ar
arquitetada pelos poderosos. Aqui, em outros lugares do país, ativista político
é rotulado de bandido.
A classe policial é uma classe muito
incoerente. Não é detentora do poder econômico – na prática é uma classe
trabalhadora - mas ou obedece sem refletir as ordens da classe superior (que a
explora!) que manda “descer o cacete” em todo mundo que incomoda o sistema
pelas suas falhas ou os policiais violentos simplesmente carregam o germe da
violência dentro de si e são sádicos por natureza e por isso batem, prendem e
xingam quem e quando querem.
Nem vou entrar nas questões tanto sociais
quanto filosóficas que envolvem a violência humana, tema muito complexo e
polêmico, mas isso serve de gancho para mencionar a tristeza acarretada pelo
assassinato da estudante Nathália Araújo Zucatelli de 18 anos no Setor Marista
- bem como lembrar outros crimes tão ou mais bárbaros ocorridos com pessoas de
outros setores da cidade, com outras cores e condições econômicas – e o
despreparo democrático do governador Marconi Perillo para lidar com o caso.
Numa coletiva de imprensa, o
governador demonstrou sua falta de tato com jornalistas, principalmente quando
uma das profissionais cobrou medidas mais práticas por parte do governo. Ela
cobrou isso porque a retórica de Perillo foi de fuga do assunto e
essencialmente de isentar-se de culpa. A culpa, como sempre nestes dias de
“Ódio ao PT” disseminado por seus opositores, foi da tal “crise sem precedentes
na história do Brasil” (se esqueceram dos anos 80/90!) e da presidenta Dilma.
Não estou defendendo nem o PT e nem
Dilma Rousseff. Obviamente a presidenta e seu partido têm seus muitos
problemas, como toda a estrutura política do país e seus partidos, mas
culpá-los EXCLUSIVAMENTE por todas as desgraças do país – como muitos cidadãos
vêm fazendo, criando uma verdadeira algazarra de estupidez política – é
ingenuidade, desinformação, falta de senso crítico e até – dependendo do caso –
mau caráter.
Ao governador Marconi Perillo sobrou
o autoritarismo esnobe para pedir a demissão da ousada jornalista e a cômoda
posição de, enquanto principal gestor de um estado, representar-se como vítima
perante uma “crise em igual” e escrever uma carta para a “demoníaca” presidenta
Dilma Rousseff cobrando uma posição. Até onde sei, existem forças policiais exclusivamente
de Goiás e verbas federais para a segurança, mas parece que é mais rentável
investir em propaganda e pagar cachê para cantores milionários – como o Leonardo
e companhia – em detrimento de investimentos sociais que favoreceriam a
construção de uma sociedade mais pacífica e humanizada.
Os donos do poder estão no poder há
tempos e pouco se importam com a sociedade. Não sei como conseguem dormir
direito à noite. Ou talvez durmam bem,
afinal de contas, há uma teoria – parece que de caráter popular, não pesquisei
a fundo – que defende que uma pessoa para chegar em um altíssimo cargo de
gestão em escala estadual/nacional/mundial, dependendo do seu cargo, precisa de
elevada dose de apatia e “des-sentimentalismo”. Ou então a escalada do poder
políticoeconômico em si leva ao desenvolvimento de tais estados psicológicos.
Vivemos tempos complicados em que
muitas autoridades são os verdadeiros bandidos e os bandidos explicitamente
foras-da-Lei não ficam para trás. Vivemos tempo complicados, injustos e
violentos. Ou talvez sempre se viveu assim.
A sombra do medo paira sobre Goiás.
Tenho saudades daquele tempo em que era recém-chegado nestas terras, em que
tudo era uma novidade e eu sentia apenas bons ventos soprarem pelo cerrado do
coração do Brasil.
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informações:
http://www.ohoje.com/jornal/ler/noticia/30287/titulo/caso-nathalia:-mae-de-suspeita-ajudou-na-prisao
Muito bom o seu texto professor Thiago, e agora O Senado Federal aprovou no dia 10 deste mês proposta que regulamenta que homicídios cometidos contra civis por militares sejam julgados pela Justiça Militar, concedendo um verdadeiro cheque em branco para que as Forças Armadas violem direitos humanos durante operações de Garantia da Lei e da Ordem, como as que acompanhamos no Rio de Janeiro. Isto é, querem dar total poder para a polícia, e como você mesmo esclareceu nesta sua postagem se é contra o policial errado, abusivo, opressor, desonesto e corrupto, não um policial justo sob o manto da ética. Se nas condições de se julgar um policial errado, ele faz muitas coisas erradas e desonestas, agora passando o poder para eles se julgarem, vai ser o fim de vez.
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