Mordidas do Ofício
Ou
O Cachorro das Trevas
Por Thiago Damasceno
Goiânia. Setor Parque
Atheneu. Segunda-feira. Umas dez horas da manhã. Sol ficando forte, azul
absoluto no Céu. Um Agente de Pesquisas e Mapeamento do IBGE. Cachorros doidos
espalhados por todas as quadras.
Então eu estava lá, numa praça velha
procurando alguns dados no meu smartphone
de pesquisas quando ele veio com tudo. Não irei denominá-lo de “vira-lata”
por respeito às etnias caninas. Posso chamá-lo de “mestiço”? Ok. Mestiço. O
cachorro mestiço - de tamanho médio, patas compridas e curtos pelos negros - estava
sentado na calçada do outro lado da estreita rua quando latiu pra mim. Claro
que pensei que ele viria, mas como poderia saber que tudo iria realmente
acontecer?
Ele latiu. Fitei-o. Ele devolveu o
olhar, negro como a noite. Quando dei por minhas púpilas, ele já estava vindo
pra cima com tudo. Corri. Corri muito. Abri a maior carreira da minha vida! Saí
rasgando nesse Goiás! E ele, nos meus calcanhares. Uns quatro ou cinco
cachorros de rua vieram atrás. Mas não representavam ameaça. Os protagonistas
da trama eram ele e eu.
E aquela cena se prolongou por
alguns segundos. Corri com todas as minhas forças pra escapar, sem pensar em
desistir. “Uma hora ele cansa”, pensei. Tolo pensamento deste jovem bípede perante
àquele quadrúpede sombrio! Eu era Luke Skywalker e ele, Darth Vader. E os
outros cachorros, meros soldados rasos do Império. Mas diferente do final da
trilogia clássica do Star Wars, o Império venceu.
Senti os dentes da fera atrás do meu
joelho. Aproveitei o momento e, unindo todas as lições aprendidas com Dragon
Ball Z, Street Fighter, Mortal Kombat e Jack Chan, apliquei-lhe um chute
preciso na cabeça.
Só então o cachorro das trevas
parou.
Dirige-me, eufórico, para um
chaveiro ali perto. O coração não estava saindo pela boca. Estava no cérebro. Pedi
pra entrar e ver o tamanho do estrago. Foi pequeno, mas os dentes da fera
mestiça deixaram marcas. Saiu um pouco de sangue e extraiu alguma pele. Só
pensei em ir ao hospital mais próximo, mas de súbito, dei por falta do meu
chapéu. Precisava voltar. Ele poderia levar minha honra e minha pele, mas não
meu chapéu!
Armei-me até os dentes com o
primeiro rebolo que vi. Antes de continuar, quero dizer que, em maranhês.
“rebolo” é um pedaço inanimado e indefinido de objetos aparentemente fora de
uso, como pedaços de parede, de barro, ou madeira unida a cimento. Enfim,
restos de construção civil.
Devidamente armado, mas com
intenções de defesa – que nem os EUA com suas bombas atômicas na Segunda Guerra
– voltei ao trajeto que fizemos. Darth Vader estava lá, parado feito uma
esfinge. Fitamo-nos demoradamente até que, subitamente, partimos um de encontro
ao outro. Com toda minha fúria, consegui acertá-lo com o rebolo enquanto corria
e, saltando pra cima dele, agarrei-o no ar e o imobilizei no chão. Em seguida,
dilacereio-o vivo com os meus dentes e bebi todo o seu sangue!... Debaixo
daquele Sol abrasador, abri mão de séculos de civilização e mostrei ao público
toda a selvageria que habita dentro de cada um de nós! O caçado se tornou
caçador. O homem se tornou fera.
Claro
que a partir do segundo período do parágrafo acima é tudo mentira. Mas foi
legal, admita. Voltemos então ao relato da realidade.
Devidamente
armado, mas com intenções de defesa – que nem os EUA com suas bombas atômicas na
Segunda Guerra – voltei ao trajeto que fizemos.Darth Vader estava retornando
orgulhoso ao seu posto, satisfeito por ter me expulsado da área. Seus lacaios
iam junto. Quando cheguei ao local do chapéu, eles já estavam longe.
E agora, acabou? Não. Ainda tem a
parte do hospital.
Fui à Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) mais próxima. Até que não demorou. Umas duas horas. Fui devidamente
vacinado e orientado. E isso inclui mais doses de vacinas nos dias seguitnes e
observações.
Na fila do hospital, uma jovem
estava passando muito mal. Estava às portas da Morte. Levaram-na após manifestações
dos demais cidadãos. Só queria registrar isso pra valorizar o texto, pra saírem
dizendo que tenho uma observação crítica da realidade sócio-histórico-cultural
brasileira, essas coisas.
Cheguei em casa e meu cachorro ficou
feliz. A perna doía. É isso. Mordidas do Ofício.
incrível que os cães que vão viver na rua retomam às suas origens ancestrais e se tornam territoriais e agressivos. Quanto à espera de duas horas no hospital te aconselho a ir em Postos de Saúde pois lá DEVERIA ter todos os tipos de vacina.
ResponderExcluirBJ
BI
Fui nas unidades de saúde mais próximas do local. Infelizmente, foi difícil encontrar a vacina, mas no fim consegui. No fim, o bem venceu.
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