Vizinhança Perigosa
Por
Thiago Damasceno
“Meu
caro Will, você já deve estar curado. Pelo menos do lado de fora. Espero que
não esteja muito feio. Que coleção de cicatrizes você tem! Nunca esqueça quem
lhe deu as melhores. E seja grato. Nossas cicatrizes têm o poder de lembrar que
o passado foi real. Vivemos numa época primitiva, não, Will? Nem selvagens, nem
sábios. O meio termo é sua maldição. Uma sociedade racional me mataria ou me
utilizaria de alguma forma. Você sonha muito Will? Penso sempre em você.
Seu
velho amigo, Hannibal Lecter”.
(Hannibal Lecter no
filme “Dragão Vermelho”)
A
leitura da semana foi tão sombria quanto o famoso personagem psicopata citado acima.
Li Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao
Lado, de Ana Beatriz Barbosa Silva. Ana Beatriz é médica graduada pela UERJ,
psiquiatra pós-graduada pela UFRJ e escritora com uma bem sucedida carreira
voltada à sua área de formação. Seu público-alvo é o público em geral,
principalmente os não-acadêmicos em psicologia e psiquiatria.
Mentes
Perigosas trata sobre a psicopatia e os psicopatas com uma linguagem clara e
emotiva, com leitura agradável (em termos de prosa e discurso, não em termos de
tema). A obra também não deixa de mencionar o embasamento científico que os
temas pedem e esse embasamento não compromete o entendimento do texto pelo
público leigo. Pelo contrário. A base científico-psicológica do livro enriquece
nossos conhecimentos acerca desses assuntos tão polêmicos e complexos.
Logo na Introdução a autora cita a fábula do
escorpião e do sapo, na qual o escorpião mata o sapo mesmo após este ter lhe
levado nas costas durante uma travessia em um rio. Pouco antes de morrer, o
sapo pergunta ao escorpião o motivo daquele ataque. O escorpião apenas responde
“Porque essa é a minha natureza”. A
partir desse ponto de vista Ana Beatriz incia sua abordagem.
Os termos psicopatia e psicopata vêm
do grego psyche (mente) e pathos (doença), mas a autora já nos
informa que os psicopatas não se encaixam no diagnóstico tradicional das
doenças mentais. Os doentes mentais sofrem de delírios ou alucinações
(esquizofrenia) ou têm grandes sofrimentos mentais (pânico, depressão, etc). Os
psicopatas não são portadores desses males. Além disso, um psicopata sabe que é
diferente das demais pessoas, sabe que é um psicopata. Ele tem noção disso. Então,
o que é um psicopata?
Ana
Beatriz aborda a psicopatia como um transtorno de personalidade na qual seu
portador, o psicopata, possui maior atividade na parte racional cerebral, e não
na emocional. As interconexões entre as funções racionais e emocionais dos
psicopatas também são deficientes. Logo, o psicopata é mais razão do que emoção
e não compartilha de certas características emocionais que são comuns aos seres
humanos normais, como empatia, sentimento de culpa e profundidade sentimental. Os
psicopatas não possuem consciência, que está diretamente relacionada à conexão
entre as coisas e as pessoas, às capacidades de amar e de se colocar no lugar de
outro.
Como se não bastassem serem
desprovidos dessas qualidades, os psicopatas ainda apresentam algumas
características que permitem que nós os identifiquemos. São elas: conhecimento
sobre vários temas, embora de forma superficial; grande capacidade de
eloquência; egocentrismo e megalomania; comportamento impulsivo e necessidade
constante de excitação – o que explica o caráter socialmente transgressor de
muitos psicopatas. Com tais caracteres, os psicopatas burlam as leis e visam
dominar as pessoas – mentalmente e corporalmente – com o intuito de terem
prazer e/ou poder. Eles não se importam com os sentimentos e as vidas alheias,
mas suas ações vão de leves e moderadas a extremas. Os mais “brandos” aplicam
golpes financeiros, e os mais perigosos, homocídios sistematicamente planejados
e com grande requinte de crueldade.
Mencionei algumas
características que o livro aborda com o objetivo de favorecer a identificação e
a proteção contra essas criaturas. A autora cita vários casos – principalmente nacionais
- e, embora mencione sempre características comuns aos indivíduos com esse
perfil, ressalta que a psicopatia tem suas variantes, pois 4% da população
mundial, entre homens e mulheres, apresentam o transtorno.
Além dessas considerações, destaco
outra grande contribuição da obra, que é a desconstrução de certo estereótipos
e sensos comuns que existem relacionados aos psicopatas e à psicopatia, que
são:
1 – Psicopatas não
têm aparência malvada e “suja” ou são o oposto, belos e charmosos. A realidade
é mais complicada. Eles são indivíduos de qualquer idade – até crianças – e que
estão em diferentes camadas sociais. Podem ser professores, médicos, grandes
empresários, etc.
2 – Uma minoria dos
psicopatas é homicidade e extremamente violenta. E boa parte passa a vida toda
simulando uma vida normal, sendo “cidadãos de bem”.
3 – As causas da
psicopatia não são apenas genéticas ou apenas culturais, mas oriundas do
intercâmbio de ambas, mostrando a complexidade do fenômeno.
Mentes
Perigosas também aborda as temáticas da psicopatia infantil, maioridade
penal e a polêmica discussão sobre o senso moral humano e animal. Para a
autora, um indivíduo que tenha predisposição genética à psicopatia e que seja
criado em um ambiente cultural que estimule seu transtorno inato será um
psicopata perigoso cuja reeducação ou readaptação à vida social são
impossíveis.
A obra fala de um tema complicado e,
muitas vezes, difícil de digerir. Não é fácil afirmar e acreditarmos que existe
uma maldade inata e indivíduos que estão à solta por aí, sendo humanos na
aparência, mas em termos mentais, praticamente não-humanos. Recomendo a todos a
leitura da obra na íntegra. Continuarei minhas leituras sobre a temática e
posteriormente postarei aqui as visões de outros estudiosos sobre esse sombrio
assunto.