Uma
Coincidência Que Salvou Um Celular
Pelo indivíduo que dá
seu nome a este blog
Para Gumercinda,
Astrogilda e Petronília
Goiânia, 14/05/12, céu nublado. Tempos difíceis vêm
chegando...
Na estirpe maranhense dos Damascenos
há uma antiga lenda que diz que aquele que chegar em determinada etapa do seu
desenvolvimento intelectual e artístico deve receber um presente de uma parente
mais velho. Tal presente ajudará esse Escolhido na luta contra as hordas malignas
que assolam o mundo às vésperas do Fim dos Tempos.
Essa lenda também diz que em algum
dia nublado, frio, quando Comensais da Morte estiverem à espreita do Escolhido,
esse Herói irá perder seu presente, mas três corajosas guerreiras o ajudarão a
encontrá-lo, colaborando assim, para a extinção das forças do Mal do Universo.
Eu sou esse Escolhido. O presente é
um celular que minha tia me deu. As três guerreiras são três amigas. A história
é real, claro, senão seria “estória”, palavra que se usa para substituir
“story” (ficção), do inglês. Usei pseudônimos para me referir a elas para
proteger suas integridades físicas, morais, antropológicas, hormonais, culturais
e existenciais. Concluindo o prólogo dessa aventura, vamos nos deliciar na
leitura dessa tecnológica epopeia cotidiana pós-moderna.
Nas férias de fevereiro, minha tia
me deu um celular de presente (ou smartphone,
até hoje não sei a espécie do aparelho). Era um Nokia preto, modelo X2-01,
construído no Instituto Xavier com auxílio de Tony Stark, vulgo Homem de Ferro. O artefato acessava Internet, fotografava, filmava, gravava
vídeos e voz, aceitava músicas e vídeos em diversos formatos, cantava diversas
canções em português, russo, mongol, polinésio, enfim, fazia uma porção de
coisas que deixava meu ultrapassado antigo celular comendo bits e bits pelos
sistemas binários afora. Segundo ela, “um
universitário tem que ter um celular decente!”. Se os universitários são
decentes para ter tal equipamento (decente?), isso é outra história...
Aquele foi um bom momento da minha
vida intelectual e artística, como dizia a lenda. Eu estava na metade do curso
na universidade, já sabia o que queria e o que podia vir pela frente, e também
gravava, junto como um amigo, nosso primeiro álbum musical. Veja, homeotérmico
leitor, que tudo eram flores na minha singela vida, até que o Declínio bateu à
minha porta...
A queda do Herói começou hoje. Como
de costume, voltei da universidade em Anápolis no ônibus que eu e muitos outros
estudantes fretamos. A Universidade não é tão massa quanto Hogwarts, mas é
massa! Sentei ao lado de Astrogilda enquanto Gumercinda conversava conosco e
com um professor e enquanto Petronília conversava conversas curiosas com outras
pessoas mais ao fundo do veiculo que mencionei no começo deste parágrafo. Era
tudo risos, gargalhadas, paz e amor. Eu
nem podia imaginar que trevas já avançavam sobre nossas juvenis figuras...
Quero lembrar que, quando chego em Goiânia,
troco de ônibus para poder descer do
segundo ônibus em um local mais conveniente para minha jornada existencial
diária. Apenas Gumercinda e mais três companheiras de aventura me acompanham
para o outro veículo. Guarde essa informação no fundo do seu ser, vertebrado
leitor.
Chegando em Goiânia, troquei de
ônibus. Como todos os dias anteriores, Gumercinda me acompanhou junto com as
três aventureiras, mas uma dessas aventureiras, justo hoje, era Petronília, que
iria substituir uma amiga no serviço, amiga esta que também trocava de ônibus
comigo. Entenda bem essa “troca” de passageiras! Até então creio que o Destino
não revelou ao Mal suas intenções. Dizem que ventos bons sopram para aqueles
que têm força e coragem.
O ônibus chegou em certo ponto do
centro da cidade e desci com Gumercinda, como de costume. As demais
companheiras, incluindo a petrolífica Petronília, permaneceram no veículo para
descer mais adiante. Enquanto eu andava com Gumercinda pelas agitadas ruas da
cidade, com o céu cinza sobre a cabeça e o a imponência dos prédios nos
ameaçando das alturas, senti falta do meu prodigioso celular. Após fatigáveis
procuras nos bolsos do short e na
mochila, me conscientizei que o havia perdido.
-Ah!!!
Gumercinda, perdi meu celular!!!
Gumercinda, aturdida, quase desmaiou
tamanha era minha desventura. Estavam no aparelho minhas mensagens, minhas
fotos, meus rabiscos digitais de letras de música em “Rascunhos”, minhas
músicas, incluindo a discografia do Viajante Clandestino, a dupla mais irada do
momento!
Desesperado, com o coração aos
prantos e barrancos, retornei minha rota a pé para ver se não tinha deixado o
celular cair no chão, mas imaginei primeiro que podia tê-lo deixado cair em um
dos ônibus. Assim, mesmo com a existência em pedaços, lembrei que Astrogilda havia
permanecido em um dos ônibus e Petronília estava no outro. Gumercinda, de
notável ascendência nordestina, recuperou sua garra e força para viver e ligou
para nossas companheiras para ver se elas tinham encontrado o artefato tão
fundamental para esses tempos confusos de pós-modernidade. Nossa sorte era que
justo hoje, Petronília estava em um dos ônibus e poderia procurar o celular,
porque eu não tinha o celular de nenhuma das três companheiras que viam usualmente
no segundo ônibus comigo e nem conhecia o motorista ou outra pessoa do ônibus
que pudesse procurar o celular.
Petronília disse que estava
escutando o celular chamando em algum recanto perdido do ônibus, mas não
conseguia encontrá-lo. Nessa busca desesperada, chegou até a bater a cabeça na
TV do ônibus! Dizem que jorrou muito sangue do seu membro mais superior. O
chafariz sanguíneo foi semelhante a uma poça de petróleo que jorra petróleo
desenfreadamente assim que é descoberta. No outro ônibus, Astrogilda, perdida, não
sabia ao certo onde procurar. Após várias ligações de umas para as outras,
momentos de tensão com nossos corações estatelados nas saídas das bocas,
finalmente Petronília informou que encontrou o celular. Pronto! Estava feito!
Cumpriu-se a profecia! As forças do Mal jamais prevaleceriam sobre a Terra!
Imagine se Petronília não tivesse ido substituir sua amiga no serviço e não
estivesse no ônibus hoje, quem iria procurar o celular? Essa coincidência
salvou meu celular das garras de um possível tirano desconhecido que o
encontrasse e não o devolvesse mais.
Claro
que exagerei na narrativa, mas tudo aconteceu, Não da forma que narrei, mas
aconteceu. Ao fim de tudo, Gumercinda pediu para Petronília levar o celular
para a universidade no dia seguinte e, após ver que eu me recuperava da quase perda
do celular, perguntou:
-
Cê não consegue viver sem celular por um dia só não?!
Depois de segundos de reflexão,
respondi com convicção:
-
Não, claro que não.
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