Por Thiago Damasceno
YouTube: Orientalismo na Rede
Estava eu
em um quente fim de tarde de domingo em Goiânia quando tive a ideia para esta
singela crônica reflexiva. Para cumprir com meus compromissos acadêmicos e para
conhecer mais sobre meu campo de estudos (história árabe-islâmica), estava
lendo uma biografia sobre o Profeta Muhammad (mais conhecido, erroneamente,
como Maomé), o fundador do Islã, feita pela pesquisadora norte-americana Karen
Armstrong (1944-). Na obra, entrei em contato com a seguinte ideia: a religião
usada como arma ideológica.
No momento
da leitura, eu me informava sobre a Península Arábica do século VI, antes da
fundação do Islã. Apesar da distância temporal e espacial, o uso político da
religião, naquele tempo, foi um pouco similar ao uso político da religião hoje,
nestes tempos ditos pós-modernos, ainda mais no Brasil, onde os mercadores da
fé encontram um terreno fértil para se proliferarem feito vermes. Explicarei
melhor.
Eu lia
sobre a desconfiança que os árabes politeístas da porção centro-ocidental da
Península Arábica tinham do judaísmo e do cristianismo, as duas religiões
monoteístas até então. Mas por que essa desconfiança? Porque esses mesmos
árabes percebiam que dois grandes reinos próximos a eles haviam perdido suas
autonomias ao entrarem no jogo político dos dois impérios da época, o Império
Bizantino (Romano Oriental) e o Império Persa (Sassânida).
Os dois
reinos que saíram perdendo foram o Reino da Arábia do Sul e o Reino da
Abissínia, onde hoje é a Etiópia. Volta e meia, os soberanos desses reinos se
convertiam ao cristianismo herético ou ao judaísmo e se aliavam aos dois
impérios, entrando na dinâmica de alianças e inimizades e perdendo suas
independências para os dois impérios. No meio disso tudo, a religião era usada
como justificativa para acordos militares e como elemento motivador de guerras.
Em suma,
o Império Bizantino e o Império Persa usavam as religiões (também) para
alcançarem seus objetivos políticos e militares. Era o uso da religião como
arma ideológica. Sei que uma coisa é o Oriente Médio no século VI e outra coisa
é o Brasil no século XXI, mas perceberam algumas semelhanças?
Em tempos
de desespero por dinheiro e poder, como hoje em dia, o nome e o conceito “Deus”
servem para qualquer coisa, inclusive para justificar argumentos e ideias e
incentivar fiéis menos instruídos e mais desavisados a caírem na exploração.
Quantos padres, pastores e imames agem em nome de Deus mesmo que seus atos
contrariem os princípios das religiões que eles dizem defender? E a coisa não
para por aí, se alastrando também para grupos extremistas tanto no Oriente como
no Ocidente. Governos também não ficam de fora, muito menos sujeitos políticos
em prol de um Estado cristão super violento que não enxergue as minorias,
sempre em situação de fragilidade social. Vocês sabem de que tipo de sujeitos
estou falando!
Assiste-se,
cada vez mais, à dessacralização da religião e do divino. Talvez o pesquisador
das religiões, Mircea Eliade (1907-1986) teria um enfarto fulminante ao ver a
fusão mesquinha entre o sagrado e o profano, ele, que afirmou que o sagrado
está numa dimensão distinta, numa ordem diferente a tudo que é profano e
natural. Mas agora, nestes tempos pós-modernos, “Deus” se tornou multiuso:
serve para qualquer coisa, basta estar bem vestido, dizer que se diz e se faz
pelo Bem de todos e ter uma oratória convincente. Tudo isso, em um país como o
nosso, onde o analfabetismo funcional e a falta de senso crítico se alastram,
favorecendo o crescimento de mercadores da fé e de charlatães de todo tipo, que
agem de igrejinhas do interior a corredores podres do Congresso Nacional. São
manipuladores de ideias e discursos, perversos que exploram as esperanças e
crenças alheias e invertem o jogo, convencendo os mais fragilizados de que é
correto criar um Estado cristão com pena de morte, por exemplo.
Por isso,
meus caros e minhas caras, cuidado com o divino nestes tempos de desespero pelo
poder, onde há homens e mulheres que fazem qualquer coisa para alcançarem seus
objetivos. Desconfie de Deus, desconfie principalmente do Deus que nada tem a
ver com o desapego ao ego e aos desejos pessoais, com espiritualidade ou com as
dimensões invisíveis da realidade humana.
Na
dúvida, procure um(a) psiquiatra, um(a) psicólogo(a) ou um(a) consultor(a)
financeiro(a).