Crônica da Minha Morte
Por Thiago Damasceno
Foi na madrugada após
o show do grupo Ira! que sonhei que morri. Foi um sonho ou um pesadelo? Não
sei. Um psicanalista pode explicar melhor. O lance que quero dizer é que morrer
dói. É triste, mas a dor é maior do que a tristeza.
No sonho, eu estava de férias numa
cidade litorânea, num barzinho todo de adobe e palha numa praia afastada.
Dentro, um ambiente animado: música, bebidas, conversas, sinuca e apostadores.
Eu conversava com um hippie, numa
boa, quando um grupo de uns 5 trombadinhas renderam a todos, com pequenos
revólveres.
O maior de todos, um pré-adolescente,
mandou todos ficarem parados e mostrarem as carteiras. Mostrei a minha para um
garotinho que não deveria ter mais de 7 anos. Ele ficou encantando primeiramente
com as moedas, ignorando as notas de 20 reais. Um maiorzinho o mandou pegar as
notas. Ele as pegou, com se fosse a primeira vez que entrava em contato com
dinheiro de papel, como se descobrisse um novo continente, e ficou lá acariciando
gananciosamente as cédulas.
Olhou pra mim com olhos de pena e
entregou a arma para o maiorzinho. Ele cravou seu olhar no meu. Entendi que
morreria ali. O moleque puxou o gatilho. Corri.
Senti uma dor danada na perna e sabia
que havia recebido mais dois tiros: um na barriga e outro na coxa, mas só a
perna doía. Cruzei a porta do boteco e não estava mais na praia, mas numa rua
de uma cidade do interior. Vi a luz... a luz!
Era o Sol queimando tudo com sua
quentura tropical.
Tropecei, não conseguia mais andar.
Pensei nos moleques, não com raiva, mas com pesar por viver num país com uma
violência metralhada por fatores sociais e onde um bando de gente doida pensa
que mais violência, Bolsonaros e Bíblias excludentes vão resolver tudo. Pensei
que deveria fazer logo as pazes com Deus, mas o tempo corria... Nessa hora o
sobrenatural, o além da vida invadiu meu medo. Deus, Deus, e agora?!
E agora, José?! E agora, Carlos?!
Pensei: “Ah não... vou morrer... Que
droga...”.
E então morri, como acontecimento
banal que é a morte de um ser vivo.
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