O Lado
B da Legião Urbana
Por
Thiago Damasceno
“Minha
papoula da Índia, minha flor da Tailândia,
Chega, vou mudar a minha vida...
Deixa o
copo encher até a borda
que eu
quero um dia de Sol num copo d´água!...”
(A
Montanha Mágica)
No
próximo sábado, 11 de outubro, será o marco de dezoito anos da morte de Renato
Russo, um dos ícones do rock brasileiro
dos anos 80. Entrando no clima de nostalgia e apreciação, comentarei aqui
algumas canções que considero como o Lado B da Legião Urbana. São canções ótimas,
mas pouco conhecidas por quem não é fã de carteirinha.
Pra galera que nasceu do início dos
anos 2000 pra frente, aproveito pra lembrar que nos saudosos LP´s e fitas havia
dois lados, geralmente, o A e o B. Na primeira metade, o lado A, se gravavam os
hits, seguindo os costumes comerciais
da arte. No lado B, a segunda metade, se gravavam as canções que não foram comercialmente
planejadas pra se tornarem hits.
Um pequeno esclarecimento: não sou
tão velho como podem pensar. Sou apenas do tempo das fitas. E sim, eu vi o CD nascer e sim de novo, mp3 nos anos 90 era ficção
científica.
Vale ressaltar que o critério de Lado B aqui é totalmente pessoal e nem todas as canções citadas pertencem à segunda metade dos álbuns.
Começando por ordem cronológica e
linear dos lançamentos dos álbuns...
Em Legião Urbana (1985) destaco O Reggae e Por Enquanto. Com O Reagge,
a Legião fez uma boa composição na vibe do
nosso sangue latino, contando um pouco a história de um sujeito que vive no
mundo do crime desde a mais tenra infância. Com Por Enquanto, temos algo mais doce e nostálgico. É uma ótima canção
de despedida e de fim de álbum. Ficou mais conhecida na versão de Cássia Eller.
Já até encontrei muita gente que não sabia que ela era de Renato Russo e Cia.
Pena que a Legião não a gravou ao vivo nos shows,
ou pelo menos eu nunca a ouvi tocada ao vivo pela Legião.
Em Dois (1986), um álbum mais
refinado, intimista e violonado,
temos Acrilic on Canvas e Andrea Doria. A primeira tem uma linha
de baixo típica das discotecas dos anos 80. No meu entendimento, essa canção
fala sobre um relacionamento amoroso um tanto conturbado e artístico. A letra é
sofisticada ao misturar coisas do coração com coisas de pintura. Já Andrea Doria, parece falar de
prostituição ou perda de inocência. Seu instrumental introdutório mais
elaborado nos introduz em um clima mais filosófico. Finíssimas essas duas
canções, finíssimas.
Porém, seria injustiça não mencionar Música Urbana 2, um blues bem brazuca: “Em cima
dos telhados as antenas de TV tocam música urbana. Nas ruas os mendigos com
esparadrapos podres tocam música urbana. Motocicletas querendo atenção às 3 da
manhã é só música urbana. Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música
urbana....”. Todo mundo só conhece Música
Urbana (1): “Contra todos e contra
ninguém...”.
Depois
do Começo, do álbum Que País é Esse? (1987), temos um ska com letra animada e brincalhona: “Vamos deixar as janelas abertas, deixar o equlibrio ir embora, cair
com um saxofone na calçada, amarrar um fio de cobre no pescoço”. Algo mais de boa dentro da porradaria e protestos
do álbum mais rock and roll da banda.
E do caprichado álbum As Quatro
Estações (1989), cito Eu Era Um Lobisomem
Juvenil e Sete Cidades. Eu Era Um
Lobisomem tem uma letra enorme que fiz questão de copiar na capa do meu
caderno da 8ª série. Até hoje não sei bem do que se trata essa canção, mas ela
é ótima, caprichada. E quanto à Sete
Cidades, quem nunca teve um amor platônico adolescente ao som dessa música
é bom arrumar um jeito de voltar no tempo.
No
meu álbum preferido, V (1991), tiro com louvor o chapéu pra A Montanha Mágica e L´Âge d´Or. O título da primeira canção é o mesmo do romance de Thomas Mann, de 1924. Li em
algum livro ou em entrevista com Renato Russo que, segundo o mesmo, A Montanha Mágica é a melhor canção em
língua portuguesa sobre drogas. Concordo plenamente. A levada blues dessa música é bem bacana,
viajada.
Já L´Âge d´Or.... bem, não sei o que essa canção com nome italiano diz
ao certo, mas eu a adoro. Fala sobre religião, vícios e de quebra, cita
Fernando Pessoa. A levada rockeira dela
é muito legal e até diferente do arranjo de guitarras padrão da Legião. Dado
Villa-Lobos fez bem nessas duas canções, e Renato Russo mostrou um lado letrista
mais poeticamente sujo e ousado.
Ultimamente, tenho ouvido muito o
disco V e essas duas canções em especial. O disco foi concebido no modelo dos
álbuns de rock progressivo dos anos
70 e tem mais sofisticação escrita e sonora, apesar de abordar o velho e errado
clichê da Idade Média como Idade das Trevas. Como bom receptor das vibes do seu tempo, Renato Russo uniu o
conceito tenebroso de Idade Média com aquela ressaca pós-Collor de forma
magistral. É o álbum mais refinado da Legião, sem dúvida. E trata de temas mais
duros como vícios, incertezas e medos. Olha
o sopro do dragão!
Concluindo as citações do Lado B da
Legião, menciono A Fonte, que dá um
clima dantesco e diabólico ao bucólico (rimou) e sentimental O Descobrimento do
Brasil (1993), meio que já entrando na onda depressiva dos álbuns seguintes da
Legião, nos quais Renato Russo exprimiria todo seu pesar com a aproximação da
morte.
Apesar
de não ver mais com bons olhos coisas que Renato Russo fazia como declamar mensagens
de positividade a torto e a direito e cantar de forma charlatã - forçando para
o grave e pomposo - em algumas canções, é fato que Legião Urbana é obrigatória
pra quem quer conhecer a música popular brasileira e aprender a tocar os
instrumentos mais populares. Respeito a banda com muito carinho, sou fã e, como
já disse, escuto até hoje, mas com outros ouvidos e focos, apreciando
principalmente os álbuns Dois (1986) e V (1991).
Jamais esquecerei que Legião foi
minha porta de entrada pra vários becos culturais e algumas experiências no
campo da música. Renato Russo é um desses artistas que a gente pensa: “Se esse
cara tivesse vivo, imagina só o que iria fazer...”, como Morrison, Hendrix,
Raul, Chico Science e outros imortais da música.
No mais...
Valeu,
Trovador Solitário!
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