Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui
Por
Thiago Damasceno
Jataí, Jataí... Não Estou Lá, Eu Estou Aqui... Essa frase infeliz
foi criada e musicada por mim em 2010, quando eu era apenas um mero calouro de
História da Universidade Estadual de Goiás numa viagem com a galera do curso à
tranquila cidade do sudoeste goiano. A viagem tinha fins didáticos,
paradidáticos e etílicodidáticos. Era um congresso internacional de História na
UFG. Eu não conhecia o mundo naquele período, mas hoje o conheço após andar
tanto em viagens, seja acompanhado por uma cambada de suaves facínoras, seja como
um lobo solitário, como a última que fiz a Jataí.
Não foi tão legal quanto em 2010,
mas vamos lá...
Dessa vez eu fui de
ônibus, diferente da ida via avião para Cuiabá. Humilhação total. Mas cheguei
bem. Logo que desci na rodoviária fui lavar a cara no banheiro para tirar a
eterna poeira da estrada e, ao sair, um cidadão um pouco mais jovem que eu, e
mal vestido do tanto que tentou combinar roupas “descoladas”, tentou barrar
minha saída com um gingado de dinossauro bêbado, sorrindo como só os idiotas saber
sorrir. Fitei-o e tirei meu corpo de sua torpe presença. Mentalmente,
amaldiçoei sua linhagem até a quinta geração.
Passado esse aborrecimento, fui a um
hotel lá perto, dentre vários. E para minha surpresa, a energia elétrica do
quarto também funcionava via cartão magnético, que nem o hotel de Cuiabá! Mas
como meus ditosos leitores já podem esperar, tais artimanhas tecnológicas do
terceiro milênio não podem mais assolar minha mente inquieta. Manejei o cartão
como só um ciborgue artesão maneja seus cartões!
Passada algumas peripécias
envolvendo caminhadas angustiantes sob o Sol em busca de elementos básicos para
sobrevivência como lan house e folhas
Chamex, repousei e fiz o que tinha
que fazer e, no fim da tarde do dia seguinte, chegando a hora de ir para a
rodoviária para pegar o ônibus da volta, cheguei a pensar: “Putz, fiz nada aqui, não aconteceu nada. A
viagem não vai render nem uma crônica...”. Pobre de mim, este reles mortal
que vos escreve, cujo pensamento infantil e ansioso foi ouvido por Cronos, o
deus do tempo.
Resolvi pegar um ônibus para a
rodoviária, em vez de pegar um táxi. Fui até um ponto com uma mulher tão
perdida quanto eu. Ficamos conversando. Ela beirava os quarenta anos e estava
se recuperando de um difícil tratamento de câncer. Contou um pouco sobre suas
dores. Fiquei ouvindo com certo pesar. Então o ônibus chegou.
O ônibus chegou e foi indo, foi
indo, foi indo... E nada de rodoviária. E eu precisava estar lá às 17: 40 –
horário da viagem – e já eram umas 17: 15.
Quando brotaram as 17: 25, minha
intuição disse o óbvio: “Não vai dar
tempo, abestado”. Perguntei para alguns autóctones que estavam no ônibus
sobre a distância temporal à rodoviária. Me confirmaram que não daria tempo,
pois o ônibus – os sempre simpáticos ônibus – iria dar uma volta
imensa. Desci no primeiro ponto que apareceu.
Era o cruzamento entre duas avenidas
e havia acontecido um acidente entre uma moto e um carro. Nada fatal. Os
acidentados e dois PM´s já estavam conversando. Respirei fundo, parei e
raciocinei firamente. Precisava ligar para o táxi. Eu tinhao número, o problema
eram meu celular que não tinha sinal. Coisas da TIM (momento Denúncia!).
Desliguei e liguei o celular até ele
pegar sinal e liguei para o taxista. Perguntei para alguém ali perto sobre o
endereço da localidade. Perguntei para um dos acidentados – o primeiro que apareceu
na minha frente – todo sujo e meio ensanguentado. Respondida a pergunta, falei a
localização para o taxista e logo ele chegou. E logo chegamos à rodoviária, bem
em cima da hora! Foi só eu entrar no ônibus e ele partiu!...
Muita adrenalina. Nunca mais, mas
nunca mais confio em ônibus para chegar em algum lugar com hora programada.
A volta para casa foi tranquila,
diferente da volta de 2010...
Era noite. Estávamos esperando o
motorista da van contratada, no Ginásio Vilelão, onde nos hospedamos. Éramos
cerca de vinte suaves facínoras. Deu 01: 00 da manhã e nada do homem. Deram 01:
30, mais ou menos, e ele chegou... Morrendo de sono. Lembro perfeitamente que
havia concordado com a ideia maluca de alugar uma van com menos assentos do que
o número de pessoas, sendo que deveria revesar bancos, hora ficando sentado,
hora em pé e hora até deitado. Coisas de calouro... Na volta, não lembro se
comecei sentado ou em pé, mas lembro do motorista me chamar até a cabina. Mas
não chamou apenas eu. Chamou também meu violão. Ao chegar lá, ele me disse
assim:
- Ei, rapaz, toca aí
umas músicas pra gente despertar o sono...
Em seguida, sacou um colírio da
mochila que estava atrás do seu banco e pingou algumas gotas nos seus olhos. Estava
frio, pois uma das janelas estava parcialmente aberta, e um colega que também estava
lá na cabina a fechou. Então o motorista pronunciou tenebrosamente:
- Deixa aberta pra
ficar frio. Se fechar, esquenta, e o calor dá sono...
Começou a chover forte, com
relâmpagos, trovões e toda aquela sinfonia noturna e soturna da madrugada.
Naquela noite, toquei como nunca. Toquei como um desesperado para manter o
motorista acordado. Superei meu sono e meu cansaço. Nem sabia que conhecia
tanta música. Toquei de Legião a Belchior passando por Zé Ramalho e
sei-lá-mais-o-quê. Só não toquei a “Aquela
música da ‘ela sai de saia e bicicletinha, uma mão vai no guidão e outra na
calcinha’...” que o motorista sonolento pediu porque eu tinha uma honra
para manter e aquilo era demais para mim, tiraria todo o sentido da minha vida
que estava por um triz.
Naquela noite, nascia, sem que eu
percebesse, o embrião da face mais sombria do que seria o Viajante Clandestino.
E assim fomos, até umas 04: 00 da
manhã. Chegamos bem em casa. Ainda bem.
Na próxima semana, aventuras
mirabolantes e mil e uma confusões em Posse-GO. Ou seria Posse-BA?