A Francesa
e o
Transporte Coletivo Goianiense
Por Thiago Damasceno
Estava eu voltando das minhas
andanças urbanas e entrevistas domiciliares pelo IBGE, esperando um ônibus
inchegável no Terminal Bandeiras, zona conhecidíssima de Goiânia, quando me
deparei com uma curiosa senhora.
Eu ouvia Dire Straits via fones de
ouvido quando fui arrebatado do meu êxtase roqueiro pela dedada da curiosa
senhora. Ela tinha olhos indagadores e uma cabeça que procurava mistérios
insolúveis pelo ar.
Falou em uma língua estranha. Não
entendi. Perguntei se ela falava português. Não entendeu. Sorriu. Juntei toda
minha coragem e erudição aprendida em cursos rápidos de inglês e destilei meu
veneno:
- Do you speak English?
Ela fez um gesto veemente de “não”
com a cabeça. Pelo que vi, ela entendia um pouco, e falava um pouco menos pouco
ainda.
Então ela começou a falar na língua
dela que eu não compreendia. Me expressei em duas línguas pra lhe demonstrar
que não entendi. Primeiro disse “I don´t
understand”, e depois fiz o sinal de LIBRAS, pondo a mão na cabeça,
balançando mão e cabeça e fazendo uma expressão facial de dúvida. Aí ela
entendeu. Gestos são mesmo universais.
Palavras soltas e isoladas vão,
palavras soltas e isoladas vêm, fomos até a placa informativa sobre as linhas
de ônibus. Com mais algum esforço, entendi que nossa turista estrangeira queria
pegar a linha 004, que passa pelo Setor Central. Meu destino era o mesmo. Ela
estava no lugar certo pra embarcar, mas foi só eu tentar fazer mais perguntas,
querendo saber onde exatamente ela iria descer, que a coisa piorou.
Foi quando ela fitou o local vazio que
deveria ter um ônibus, cruzou os braços com aflição e disse uma palavra
elegante (para aquele contexto) que resume toda a situação da maioria dos
goianos que dependem do transporte coletivo:
- “Difícil”.
Pronunciou perfeitamente. E ainda
disse (mais ou menos) que o português era difícil por causa da pronúncia. E
disse mais coisas em francês.
Depois ela tentou me comunicar mais
coisas. Pegou um dicionário bilíngue meia-boca, mas não rolou. Outra vez,
estufei minha verborragia pseudo-poliglota nos seguintes termos:
- Háblas Espanõl?
Também não deu certo. Ela falava
élfico e línguas extintas da antiga suméria, menos português, inglês ou
espanhol. Então olhei melhor pra sua aparência: branca, loira, olhos claros...
E cuspi-lhe mais verborragia internacionalística:
- Where are you from? Europe?
- Yes, French.
Finalmente alguma compreensão
puramente verbal! Ela entendia muito pouco, mas deu pro gasto. Foi nesse
momento de alegria mútua, que ela começou a pronunciar repetidamente:
- Mercy.
Tentamos mais algumas orientações.
- Mercy.
Tentei
ajudá-la mesmo.
- Mercy.
Até insisti de novo, vagarosamente:
- Se-eu-falar-em-português-bem-devagar-você-me-entende-?
Disse que não. E não parava de
mercyzar. O ônibus chegou e ela entrou correndo. Ainda perdida. Foi cômico ver
ela de pé, tentando se equilibrar e se segurar nas barras do ônibus, no meio do
chacolejar constante.
Minutos depois ela reconheceu onde
tinha que descer, apertou mil vezes o botão de parada antes de eu avisar que
tinha dado certo, e desceu. Desceu sorrindo e dizendo:
- Mercy!
Eu falei um “Good bye!”, pensando na sua perfeita pronúncia de “Difícil”.
É... pegar ônibus no Brasil não tá
fácil pra quem é brasileiro de puro sangue mestiço, imagine pra quem é francês
e vem parar no país sem saber português, espanhol ou inglês...
See you soon!