Cenas da Noite: Concentração Uretral
Um cara passando mal. Uma ambulância. Uma mijona no meio da rua. Uma menina com cara de pedra esperando um ônibus. Um bar aberto. Sujeira rolando pela rua. O Chorinho acabando. Um helicóptero/avião/disco voador cortando o céu. Uma mulher torcendo o pé. Dois caras saudosistas sentados num banco de praça. A noite “experimentando a si, assim”, como naquela canção do Kid Abelha.
Essas são as cenas de um pequeno filme que vou exibir neste texto.
Na noite do dia 08 de Julho, encontrei meu amigo Átila (cujos textos marcam presença na seção de crônicas deste blog) no Chorinho, apresentações músicas de choro na Avenida Goiás com a Rua 03, no Centro de Goiânia. Depois de tanto choro, fomos à minha casa pegar um filme e depois ficamos sentados num banco da praça da avenida. Ele estava esperando seu ônibus, e eu estava enchendo-o com meu saudosismo. Isso porque vimos uma apresentação de power point sobre como era a infância nos anos 1960 aos anos 1990. Coloquei o link desse slide ao fim da crônica. Ele é muito legal e está inspirando uma crônica bem reflexiva. Voltando ao assunto principal...
Enquanto estávamos nessas atividades, aconteceram as tais cenas que estão no primeiro parágrafo. Todas quase que simultaneamente.
De repente, no meio da conversa, vimos uns 6 indivíduos ao redor de um corpo inerte no chão. Não reconheci a vítima, mas vi que ela tinha um cabelo estilo Black Power. Eu disse:
-Aquele ali tá ruim...
-Deve tá bêbado – Respondeu Átila.
Na nossa frente, no ponto de ônibus, chegou um grupo de amigos: duas garotas e dois caras. Uma das garotas estava muito bêbada. Ela disse que ia mijar. E foi. Atravessou a rua e agachou atrás de um carro. Tal agachamento colocou sua região genitália acima de uma boca de lobo. Assim, sua urina iria escorrer logo para o esgoto. Acontece que naquela posição, ela não era vista por quem descia a Avenida Goiás, mas era vista por nós, que estávamos sentados justamente no banco em frente a ela, vendo-a de lado. Foi deprimente ver aquelas nádegas brancas e aquela “individua” tentando mijar em plena 23 horas da noite. Seus amigos começaram a rir e nós também. Ela disse para todos:
-Gente! Não fica olhando nem falando não! Tenho que me concentrar.
Sua amiga olhou para mim e para Átila e fez sinal de que ela era doida. Se bem que não era, ela só estava bêbada. Concordamos que era mesmo difícil urinar naquelas condições, para as mulheres claro, para os homens essa atividade torna-se mais fácil, por mais deselegante que seja.
Com a atenção que lhe demos, ela não conseguiu realizar suas intenções e cruzou a rua na nossa direção praguejando:
-Viu?! Vocês ficaram falando e não deu pra eu mijar! Gente! Tem que ficar em silêncio! Senão minha uretra não consegue se concentrar!
Rimos muito. Não só pelo conteúdo da mensagem, mas porque ela falou com aquela convicção alcoólica que só os bêbados têm. Aliás, o criativo conteúdo de sua mensagem foi parar no título desta crônica: “Concentração uretral”. Termo novo até pouco tempo.
No mesmo ponto de ônibus, havia uma menina com cara de pedra/tédio/fim do mundo esperando um ônibus. A propósito, a cara dela era a cara da maioria das pessoas que esperam ônibus, já esgotados de um dia de estudo ou trabalho, que termina dentro de um ônibus sujo, lotado e sacolejante. Lá perto havia um bar aberto. Esse bar é daqueles que você nunca vê fechado. Ao lado dele há uma agência do Banco Itaú. Eu nunca tinha parado para ver aquela agência. Lá perto também havia um amontoado de sacos de lixos. Mais tarde o caminhão de lixo passaria para pegá-los. O engraçado do caminhão de lixo é que ele faz um barulho infernal por mais que ele esteja a 10 quadras de distância. Acho que o silêncio da noite colabora para amplificar esse barulho. O Chorinho estava no fim. Os músicos estavam indo embora e parte do pessoal estava indo para outros points da cidade. Outra parte ainda estava por lá conversando, fumando e bebendo. Era aquele clima de “fim de festa”. Coisa que odeio. Vimos também um objeto voador luminoso cruzando o céu. Eu disse que era um helicóptero. Átila disse que era um avião. Mas no fundo, para mim, era uma nave extraterrestre.
De repente, mais uma vez de repente, Átila disse que uma mulher tinha caído. Olhei-a, mas não foi a tempo. Ela estava saindo de um prédio, tropeçou na calçada e torceu o pé. Só vi da parte em que ela estava lamentando a dor no pé.
Os observadores dessas cenas éramos nós, dois caras saudosistas. A conversa parou no possível fim do capitalismo, mas isso é assunto para outro texto. Por enquanto, estávamos satisfeitos com aquele pequeno filme noturno.
The End e Boa noite.
Link para o slide Os Sobreviventes:
http://www.4shared.com/document/DrjarS-5/Sobreviventes.html