Como
Sobrevivi Ao Ataque de Uma Turba de Furiosos Ao Meu Ônibus
Por Thiago Damasceno
As amigas e os amigos mais
íntimos sabem que são comuns eventos extraordinários no meu cotidiano que por
pouco não desobedecem as leis da Física tal qual um adolescente rebelde
desobedece ao pai que não quer deixá-lo ir a uma festa mais badalada. Esta crônica
é sobre um desses eventos, como o título já diz.
Deixando isso claro, não vou tentar seduzir o leitor com
técnicas literárias clichês e já respondo como sobrevivi ao ataque de uma turba
de furiosos ao meu ônibus. Sobrevivi fazendo como vovô me dizia já na mais
tenra infância, nos rincões do cerrado: “Sujeito homem que é sujeito homem se
mantém impassível perante os infortúnios!”.
Toda semana viajo de Anápolis para Goiânia e vice-versa.
Sou macaco velho nessa jornada. São cerca de 100 km de ida e volta. No meio do
trajeto, há uma cidade pequena chamada Teresópolis. Bem pequena mesmo. Quem
diria que justamente lá, um recanto bucólico e tranquilo, eventos
extraordinários iriam acontecer?
Por sorte, hoje - 31 de março de 2015 - peguei um modelo
diferente da clássica Viação Araguarina. Ônibus semiurbano. Mas esse modelo
tinha porta no meio e um espaço maior entre a primeira e a segunda dupla de
poltronas do lado esquerdo ao motorista. Sentei justamente na segunda dupla e,
tal qual um lombrigado - cidadão carregado com lombrigas em seus intestinos - me
estirei entre um banco e outro e dormi lenta e profundamente, curtindo via
fones de ouvidos uma playlist só com
rockão antigo. Coisa de primeira! Repertório friamente selecionado!
Quando acordei... Deparei-me com um armageddon local.
Vi uma multidão em volta do ônibus, viaturas da PM e o
motorista tentando avançar no meio do povo. Pensei até que ele tinha atropelado
alguém e o povo estivesse revoltado ou tentando impedir a desgraça total.
Uma senhora me distraiu dessas cenas. Distraiu porque
estava ajoelhada junto a mim, gritando: “Agacha, menino, agacha!”.
Então o motorista cortou a multidão e três ou quatro
revoltados correram ao lado do ônibus, esmurrando o veículo com sedes de
violência tamanhas e de arrepiar. Mas mantive-me impassível. Orgulho do vovô.
Um dos rebeldes quebrou um farol e outro esmurrou tanto a
porta do meio que deixou um rastro de sangue no vidro.
Terminado o Round 01
dos rebeldes contra o ônibus, ainda havia sobrado um atacante.
Golpeou o ônibus com tamanha selvageria que pensei: “Se
esse caboclo terminar de quebrar essa porta e tentar entrar, vai levar
porrada”. Porque sujeito homem que é sujeito homem sabe aplicar uma voadeira no
meio dos peitos de um cretino em qualquer contexto e situação! Nessa altura do
campeonato já éramos humanos primitivos preocupados com nosso espaço e,
logicamente, nossa sobrevivência!
Para sorte do cretino, hoje estou bastante zen. Buda sussurrou no meu ouvido:
“Paciência...”. Então pensei de mim para mim: “Esse caboclo não vai correr mais
que este ônibus”.
Dito e feito. Mas ele deixou uma lembrança: arregaçou a
porta da frente do ônibus, espalhando cacos de vidro por todo lado. Não sei de
onde diabos aquele sujeito tirou tanta velocidade e força, mas no fim, ficou
para trás. “Coma poeira, humano tolo que ousou
vencer uma máquina!”.
Cessada a balbúrdia, a senhorinha ajoelhada me
parabenizou pela tranquilidade mantida durante o aperreio, e concluiu com um
“Cê é doido em ter ficado em pé! Vê na televisão não?! Esse povo taca fogo nos
ônibus!”.
No trajeto restante, os outros passageiros ligaram para
seus entes queridos, informando-os do ocorrido, etc, etc. Aquele dramalhão todo.
Lembrei que havia baixado o segundo álbum do grande Zé Ramalho, chamado A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu (1980)
e fui ouvi-lo. Uma obra-prima!
Estava zen
demais para querer saber o que havia acontecido naquele passado recente. O que
aconteceu, aconteceu. O que há de vir, há de vir.
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