Na
Madrugada Tudo Se Torna Ridículo
Por Thiago Damasceno
Esta primeira crônica do ano
tem um estilo digestivo. Carrega o peso do ano passado nas costas, com o
caminhão de mudança parado na porta de casa, esperando ser carregado.
São 02:29 da madrugada - horário de Brasília - da
sexta-feira dia 09/01 para o sábado dia 10/01, em Goiânia. Acabei de acordar
com uma dor de cabeça após um sonho em que vivia em uma casa com arquitetura ao
estilo Idade da Pedra. Uma espécie de caverna inteligente em plena urbe do
século XXI. Uma mistura entre o período pré-ágrafo e o futuro imaginado. Uma
habitação um tanto prática e um tanto difusa, como todos os sonhos e este século.
Fui à cozinha pegar água pra tomar um comprimido de
Dipirona e senti o sossego aparente da escuridão. Digo “aparente” porque por
trás do silêncio e da quietude da madrugada há um mundo fervilhando, mas em
silêncio, e então aproveito pra relativizar paradigmas, conceitos e ideias.
Durante a madrugada, é engraçada a percepção de como
nossos problemas pessoais e sociais parecem dar uma pausa existencial, como se entrassem
em coma por um momento e fossem por nós ignorados. Os problemas pessoais, ditos
e ouvidos quando a civilização estava acordada em peso, parecem agora bobos e
carregados de expectativas irreais. Uma enchente num copo com água. Os sociais,
como as rixas entre governo e oposição e a roubalheira dos excelentíssimos políticos,
parecem terem sido esquecidos pelos que agora dormem. Os bons e justos
vigilantes não deveriam ter os olhos sempre abertos?
Lembro os ataques terroristas da minoria radical
muçulmana. O ridículo é que tanto os agentes da Lei quanto os agentes do Estado
Islâmico também dormem, precisam dormir, e isso faz tudo ficar ainda mais
ridículo. Sem contar que a Lei hipócrita e omissa mata tanto quanto os ditos “Inimigos
do Bem”. Acho que eu levaria o mundo e as pessoas mais a sério se nada parasse
ou mudasse, se ninguém dormisse, se ninguém pausasse pra pregar os olhos, pra
tomar um ar.
Nosso
modo de ser, com um período acordado e uma pausa pra dormir, dialoga com o que
o budismo vem ensinando há séculos: tudo impermanece, tudo depende de causas e
condições e da mente que os cria e lhes dá nome. A aparência não é a essência.
A aparência da coisa-em-si não é a coisa-em-si. Só conhecemos a aparência
das coisas. A essência nos escapa, então ela é inventada, interpretada e
relativizada segundo quem a inventa.
Dormir e acordar me parecem aparências. A insônia seria o
mais próximo que se chega da coisa-em-si?
O mundo e seus fenômenos são isso. Algo que deve ser
levado a sério, mas apenas como fenômeno, não como algo absoluto, eterno e imutável.
Tudo dorme e é nessa sonolência que tudo se torna ridículo.
Já são 02:40 da madrugada. Lá fora, tudo dá sua face
ridícula pra bater. E talvez seja tarde demais para ficar filosofando. Ou
talvez eu só precise dormir direito.
Amanhã outro caminhão de mudança vai estacionar aqui na
porta.
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