“Bênça, Vó?”
Por Thiago Damasceno,
De
Goiânia, na madrugada de quarta-feira (10/07/13)
“Eu hoje tive um pesadelo e levantei
atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no
escuro
alguém com seu carinho e lembrei de um
tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro, desculpa
pra um abraço ou um consolo (...)
De repente a gente vê que perdeu ou
está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no
caminho,
Que é escuro e frio, mas também bonito
porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há
minutos atrás”.
(Poema, letra de Cazuza dedicada à sua
avó)
Se há pessoas importantes na nossa
vida que não lembramos da primeira vez as vimos, são nossos avós. Pelo menos eu
não lembro da primeira vez que vi minha avó materna, Docina Damasceno.
E a primeira lembrança que esse nome me traz
é de uma senhora já senhora desde que me entendo por gente, dona de uma casa
enorme, com um grande quintal, maior até que qualquer imaginação infantil, um
quintal cheio de bichos e plantas e areia e tudo que faz uma criança voltar
suja pra casa, pro desespero da mãe. Enfim, descrevi um pouco da famosa
instituição brasileira (ou mundial) denominada “Casa da Vovó”, onde se pode
tudo. “Casa da Vó” quando ficamos mais velhos e aparentemente tão maduros quanto
as frutas do quintal da vovó.
A Casa da Vovó é uma zona de refúgio
inabalável. Pra lá que íamos (e vamos) quando as coisas não vão bem em casa.
Quando mãe e pai estão em pé de guerra com o filho, este, sendo simultaneamente
neto, encontra na figura vótriarcal segurança absoluta ou intermediação e
solução pra todos os conflitos. Creio que se todos os chefes de Estados ou
diplomatas fossem vovós, o mundo estaria em paz.
Aprofundando a ideia do primeiro parágrafo,
as origens dos avós também são nebulosas. Eles parecem arquétipos de mitos
universais, estórias cujos tempos não são precisamente datados, acontecendo no Era uma vez... O pouco que sei é que
vovó Docha nasceu e foi criada no sertão maranhense, sobrevivendo da terra.
Casou bem cedo com o homem que queria e manteve-se firme e forte no matrimônio
por 70 anos. Converteu-se ao protestantismo e manteve-se nessa fé até o último
fôlego de vida ter saído de suas narinas. Teve 10 filhos, 42 netos, 71 bisnetos
e vivia satisfeita, temendo o seu fim com respeito e certo bom humor à la nordestina. Como ela sempre
comentava: “Eita, que a véia tá se acabando, meu Deus!”.
Fim que também comentou da última vez que nos
falamos por telefone, num domingo próximo. E agora há pouco, outra ligação nos
informou do seu falecimento por causas naturais, na sua cidade atual, no
interior do Maranhão. Como seu neto mais bonito, inteligente, criativo e
querido, faço aqui minha pequena homenagem. Impossível não associá-la com
Úrsula Iguarán, matriarca da famosa “casa de loucos” do romance Cem Anos de Solidão. Porém, tais
comparações não são totalmente precisas, pois a vida real supera a vida
ficcional, obviamente também no campo das emoções. Há palavras que expressam
sinceramente a saudade?
A saudade fica, junto com a tristeza, mas com
elas, a persistente memória, aquela musa do Olimpo que não nos deixa esquecer
os entes queridos... muito menos a insuperável Casa da Vovó!
- Para de enrolação,
menino! Rum, toma jeito! Pede bênça pra tua vó!
-Tá bom... bênça, vô?