ThiagoDamasceno: março 2015

terça-feira, 31 de março de 2015

Crônica: Como Sobrevivi Ao Ataque de Uma Turba de Furiosos Ao Meu Ônibus

Como Sobrevivi Ao Ataque de Uma Turba de Furiosos Ao Meu Ônibus

Por Thiago Damasceno


As amigas e os amigos mais íntimos sabem que são comuns eventos extraordinários no meu cotidiano que por pouco não desobedecem as leis da Física tal qual um adolescente rebelde desobedece ao pai que não quer deixá-lo ir a uma festa mais badalada. Esta crônica é sobre um desses eventos, como o título já diz.

            Deixando isso claro, não vou tentar seduzir o leitor com técnicas literárias clichês e já respondo como sobrevivi ao ataque de uma turba de furiosos ao meu ônibus. Sobrevivi fazendo como vovô me dizia já na mais tenra infância, nos rincões do cerrado: “Sujeito homem que é sujeito homem se mantém impassível perante os infortúnios!”.

            Toda semana viajo de Anápolis para Goiânia e vice-versa. Sou macaco velho nessa jornada. São cerca de 100 km de ida e volta. No meio do trajeto, há uma cidade pequena chamada Teresópolis. Bem pequena mesmo. Quem diria que justamente lá, um recanto bucólico e tranquilo, eventos extraordinários iriam acontecer?

            Por sorte, hoje - 31 de março de 2015 - peguei um modelo diferente da clássica Viação Araguarina. Ônibus semiurbano. Mas esse modelo tinha porta no meio e um espaço maior entre a primeira e a segunda dupla de poltronas do lado esquerdo ao motorista. Sentei justamente na segunda dupla e, tal qual um lombrigado - cidadão carregado com lombrigas em seus intestinos - me estirei entre um banco e outro e dormi lenta e profundamente, curtindo via fones de ouvidos uma playlist só com rockão antigo. Coisa de primeira! Repertório friamente selecionado!

            Quando acordei... Deparei-me com um armageddon local.

            Vi uma multidão em volta do ônibus, viaturas da PM e o motorista tentando avançar no meio do povo. Pensei até que ele tinha atropelado alguém e o povo estivesse revoltado ou tentando impedir a desgraça total.

            Uma senhora me distraiu dessas cenas. Distraiu porque estava ajoelhada junto a mim, gritando: “Agacha, menino, agacha!”.

            Então o motorista cortou a multidão e três ou quatro revoltados correram ao lado do ônibus, esmurrando o veículo com sedes de violência tamanhas e de arrepiar. Mas mantive-me impassível. Orgulho do vovô.

            Um dos rebeldes quebrou um farol e outro esmurrou tanto a porta do meio que deixou um rastro de sangue no vidro.

            Terminado o Round 01 dos rebeldes contra o ônibus, ainda havia sobrado um atacante.

            Golpeou o ônibus com tamanha selvageria que pensei: “Se esse caboclo terminar de quebrar essa porta e tentar entrar, vai levar porrada”. Porque sujeito homem que é sujeito homem sabe aplicar uma voadeira no meio dos peitos de um cretino em qualquer contexto e situação! Nessa altura do campeonato já éramos humanos primitivos preocupados com nosso espaço e, logicamente, nossa sobrevivência!

            Para sorte do cretino, hoje estou bastante zen. Buda sussurrou no meu ouvido: “Paciência...”. Então pensei de mim para mim: “Esse caboclo não vai correr mais que este ônibus”.

            Dito e feito. Mas ele deixou uma lembrança: arregaçou a porta da frente do ônibus, espalhando cacos de vidro por todo lado. Não sei de onde diabos aquele sujeito tirou tanta velocidade e força, mas no fim, ficou para trás. “Coma poeira, humano tolo que ousou vencer uma máquina!”.

            Cessada a balbúrdia, a senhorinha ajoelhada me parabenizou pela tranquilidade mantida durante o aperreio, e concluiu com um “Cê é doido em ter ficado em pé! Vê na televisão não?! Esse povo taca fogo nos ônibus!”.

            No trajeto restante, os outros passageiros ligaram para seus entes queridos, informando-os do ocorrido, etc, etc. Aquele dramalhão todo. Lembrei que havia baixado o segundo álbum do grande Zé Ramalho, chamado A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu (1980) e fui ouvi-lo. Uma obra-prima!

            Estava zen demais para querer saber o que havia acontecido naquele passado recente. O que aconteceu, aconteceu. O que há de vir, há de vir.



Curta nossa página no Facebook: