ThiagoDamasceno: fevereiro 2015

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Crônica: Na Madrugada Tudo Se Torna Ridículo

Na Madrugada Tudo Se Torna Ridículo

Por Thiago Damasceno


Esta primeira crônica do ano tem um estilo digestivo. Carrega o peso do ano passado nas costas, com o caminhão de mudança parado na porta de casa, esperando ser carregado.

            São 02:29 da madrugada - horário de Brasília - da sexta-feira dia 09/01 para o sábado dia 10/01, em Goiânia. Acabei de acordar com uma dor de cabeça após um sonho em que vivia em uma casa com arquitetura ao estilo Idade da Pedra. Uma espécie de caverna inteligente em plena urbe do século XXI. Uma mistura entre o período pré-ágrafo e o futuro imaginado. Uma habitação um tanto prática e um tanto difusa, como todos os sonhos e este século.

            Fui à cozinha pegar água pra tomar um comprimido de Dipirona e senti o sossego aparente da escuridão. Digo “aparente” porque por trás do silêncio e da quietude da madrugada há um mundo fervilhando, mas em silêncio, e então aproveito pra relativizar paradigmas, conceitos e ideias.

            Durante a madrugada, é engraçada a percepção de como nossos problemas pessoais e sociais parecem dar uma pausa existencial, como se entrassem em coma por um momento e fossem por nós ignorados. Os problemas pessoais, ditos e ouvidos quando a civilização estava acordada em peso, parecem agora bobos e carregados de expectativas irreais. Uma enchente num copo com água. Os sociais, como as rixas entre governo e oposição e a roubalheira dos excelentíssimos políticos, parecem terem sido esquecidos pelos que agora dormem. Os bons e justos vigilantes não deveriam ter os olhos sempre abertos?

            Lembro os ataques terroristas da minoria radical muçulmana. O ridículo é que tanto os agentes da Lei quanto os agentes do Estado Islâmico também dormem, precisam dormir, e isso faz tudo ficar ainda mais ridículo. Sem contar que a Lei hipócrita e omissa mata tanto quanto os ditos “Inimigos do Bem”. Acho que eu levaria o mundo e as pessoas mais a sério se nada parasse ou mudasse, se ninguém dormisse, se ninguém pausasse pra pregar os olhos, pra tomar um ar.

Nosso modo de ser, com um período acordado e uma pausa pra dormir, dialoga com o que o budismo vem ensinando há séculos: tudo impermanece, tudo depende de causas e condições e da mente que os cria e lhes dá nome. A aparência não é a essência. A aparência da coisa-em-si não é a coisa-em-si. Só conhecemos a aparência das coisas. A essência nos escapa, então ela é inventada, interpretada e relativizada segundo quem a inventa.

            Dormir e acordar me parecem aparências. A insônia seria o mais próximo que se chega da coisa-em-si?

            O mundo e seus fenômenos são isso. Algo que deve ser levado a sério, mas apenas como fenômeno, não como algo absoluto, eterno e imutável. Tudo dorme e é nessa sonolência que tudo se torna ridículo.

            Já são 02:40 da madrugada. Lá fora, tudo dá sua face ridícula pra bater. E talvez seja tarde demais para ficar filosofando. Ou talvez eu só precise dormir direito.

            Amanhã outro caminhão de mudança vai estacionar aqui na porta.  


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