ThiagoDamasceno: maio 2014

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Poema: Petróleo Cidadão

Petróleo Cidadão


Os políticos chamam a Petrobras
“de orgulho nacional” e “patrimônio dos brasileiros”,
mas a Petrobras jamais me deu algum centavo.
Nunca nem vi um poço de petróleo na vida
com esses olhos que os zumbis do Fim do Mundo
hão de comer.

E além do mais, o retorno social dos investimentos petrolíferos,
sempre tão esperados, não vêm no ônibus que eu pego. Vêm no seu?
E olha que pego ônibus todo santo dia!
E vivo assim: esperando um ônibus que nunca vem
e que me levará  para um lugar onde não existo.

E caindo nesses poços eu pergunto:
“Meu Brasil brasileiro tão e tão petrolífero, quantos títulos eleitorais
compram pelo menos 1 ml de ouro negro?”


Thiago Damasceno

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Crônica: Mordidas do Ofício

Mordidas do Ofício
Ou
O Cachorro das Trevas


Por Thiago Damasceno


Goiânia. Setor Parque Atheneu. Segunda-feira. Umas dez horas da manhã. Sol ficando forte, azul absoluto no Céu. Um Agente de Pesquisas e Mapeamento do IBGE. Cachorros doidos espalhados por todas as quadras.

            Então eu estava lá, numa praça velha procurando alguns dados no meu smartphone de pesquisas quando ele veio com tudo. Não irei denominá-lo de “vira-lata” por respeito às etnias caninas. Posso chamá-lo de “mestiço”? Ok. Mestiço. O cachorro mestiço - de tamanho médio, patas compridas e curtos pelos negros - estava sentado na calçada do outro lado da estreita rua quando latiu pra mim. Claro que pensei que ele viria, mas como poderia saber que tudo iria realmente acontecer?

            Ele latiu. Fitei-o. Ele devolveu o olhar, negro como a noite. Quando dei por minhas púpilas, ele já estava vindo pra cima com tudo. Corri. Corri muito. Abri a maior carreira da minha vida! Saí rasgando nesse Goiás! E ele, nos meus calcanhares. Uns quatro ou cinco cachorros de rua vieram atrás. Mas não representavam ameaça. Os protagonistas da trama eram ele e eu.  

            E aquela cena se prolongou por alguns segundos. Corri com todas as minhas forças pra escapar, sem pensar em desistir. “Uma hora ele cansa”, pensei. Tolo pensamento deste jovem bípede perante àquele quadrúpede sombrio! Eu era Luke Skywalker e ele, Darth Vader. E os outros cachorros, meros soldados rasos do Império. Mas diferente do final da trilogia clássica do Star Wars, o Império venceu.

            Senti os dentes da fera atrás do meu joelho. Aproveitei o momento e, unindo todas as lições aprendidas com Dragon Ball Z, Street Fighter, Mortal Kombat e Jack Chan, apliquei-lhe um chute preciso na cabeça.

            Só então o cachorro das trevas parou.

            Dirige-me, eufórico, para um chaveiro ali perto. O coração não estava saindo pela boca. Estava no cérebro. Pedi pra entrar e ver o tamanho do estrago. Foi pequeno, mas os dentes da fera mestiça deixaram marcas. Saiu um pouco de sangue e extraiu alguma pele. Só pensei em ir ao hospital mais próximo, mas de súbito, dei por falta do meu chapéu. Precisava voltar. Ele poderia levar minha honra e minha pele, mas não meu chapéu!

            Armei-me até os dentes com o primeiro rebolo que vi. Antes de continuar, quero dizer que, em maranhês. “rebolo” é um pedaço inanimado e indefinido de objetos aparentemente fora de uso, como pedaços de parede, de barro, ou madeira unida a cimento. Enfim, restos de construção civil.

            Devidamente armado, mas com intenções de defesa – que nem os EUA com suas bombas atômicas na Segunda Guerra – voltei ao trajeto que fizemos. Darth Vader estava lá, parado feito uma esfinge. Fitamo-nos demoradamente até que, subitamente, partimos um de encontro ao outro. Com toda minha fúria, consegui acertá-lo com o rebolo enquanto corria e, saltando pra cima dele, agarrei-o no ar e o imobilizei no chão. Em seguida, dilacereio-o vivo com os meus dentes e bebi todo o seu sangue!... Debaixo daquele Sol abrasador, abri mão de séculos de civilização e mostrei ao público toda a selvageria que habita dentro de cada um de nós! O caçado se tornou caçador. O homem se tornou fera.

Claro que a partir do segundo período do parágrafo acima é tudo mentira. Mas foi legal, admita. Voltemos então ao relato da realidade.

Devidamente armado, mas com intenções de defesa – que nem os EUA com suas bombas atômicas na Segunda Guerra – voltei ao trajeto que fizemos.Darth Vader estava retornando orgulhoso ao seu posto, satisfeito por ter me expulsado da área. Seus lacaios iam junto. Quando cheguei ao local do chapéu, eles já estavam longe.

            E agora, acabou? Não. Ainda tem a parte do hospital.

            Fui à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima. Até que não demorou. Umas duas horas. Fui devidamente vacinado e orientado. E isso inclui mais doses de vacinas nos dias seguitnes e observações.

            Na fila do hospital, uma jovem estava passando muito mal. Estava às portas da Morte. Levaram-na após manifestações dos demais cidadãos. Só queria registrar isso pra valorizar o texto, pra saírem dizendo que tenho uma observação crítica da realidade sócio-histórico-cultural brasileira, essas coisas.

            Cheguei em casa e meu cachorro ficou feliz. A perna doía. É isso. Mordidas do Ofício.