ThiagoDamasceno: fevereiro 2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Séries de TV: O Final de Lost (Parte 02)


Comentando o Final de Lost – Parte 02
A Última Temporada e Perguntas & Respostas Para Entender a Série

Por Thiago Damasceno

            Iniciei meus comentários sobre o final de Lost no post anterior, comentando certos aspectos gerais da série. Agora comento a última temporada e exponho algumas perguntas e respostas fundamentais para entender (e revisar) o seriado e sua mitologia. Sábado que vem será concluída essa épica jornada de posts sobre o polêmico fim dessa grande série.


A última temporada

            Como disse antes, a trama central dessa temporada é a luta entre os irmãos Jacob e o “Homem de Preto”. Benjamin Linus (Michael Emerson) matou o carismático John Locke (Terry O´Quinn) e depois viajou com esse corpo e demais personagens em outro avião que também caiu na ilha. Essa queda já era prevista, pois segundo os cálculos de Daniel Faraday (Jeremy Davies), o avião passaria em um ponto dentro da trajetória da ilha pelo espaço-tempo. Após a queda do segundo avião, as coisas se complicam (como sempre).

O Homem de Preto (Titus Welliver) parece ser um espírito e se apossa do corpo de John Locke, persuadindo Benjamin Linus a matar Jacob (Mark Pellegrino). O conflito continua entre o Homem de Preto e os servidores de Jacob, pois o Homem de Preto quer fugir da ilha e os aliados do finado Jacob devem impedir essa fuga e proteger os candidatos, que são alguns sobreviventes do desastre aéreo original e que devem substituir Jacob na sua função de guardião da ilha.

Na temporada anterior alguns candidatos estavam nos anos 1970, mas com a explosão da bomba de hidrogênio no bolsão eletromagnético da Estação Cisne, eles voltaram ao presente e entraram no meio da luta dos irmãos. Porém, a explosão da bomba também produziu uma realidade paralela, onde os sobreviventes não caíram na ilha no primeiro voo, o Oceanic 815, e onde eles têm uma segunda chance para viver uma vida melhor, bem melhor do que suas vidas antes da queda do avião da Oceanic. A partir daí o seriado caminha para seu fim e, para uma série de TV, inova mais uma vez nos recursos narrativos, utilizando os chamados flashsideways, que mostram as vidas dos personagens na realidade paralela. As linhas narrativas dos episódios ficam então no tempo presente, na ilha, e nos flashsideways.

A caminhada final parece ótima, contudo, considero (e muitos outros) essa temporada como a pior da série. Lost acabou mal ao usar uma solução fácil para todos os seus personagens e enigmas, que foi a intervenção divina, o deus ex machina. Em outras palavras, no último episódio se descobre que todos os personagens estavam mortos, mortinhos da Silva! Entretanto, tudo que eles viveram foi real. Como disse antes, comentarei mais no próximo e ultimo post. Vamos agora para uma lista de perguntas e respostas que elaborei para revisarmos as tramas centrais.


Perguntas e Respostas Para Entender Lost

O que é a ilha?

            A ilha é um lugar mágico, palco do confronto entre duas entidades mágicas: Jacob e seu irmão, o Homem de Preto, como foi apelidado pelos fãs, pois em nenhum momento da série seu nome é informado, mas o chamam de “monstro” ou “fumaça negra”. (Sim, é ele!). Como está claro nesse ponto a presença do universal mito dos irmãos brigões, como Caim e Abel, Jacó e Esaú, Thor e Loki, chamo o irmão de Jacob (Jacó, em português), de Esaú.

            As propriedades da ilha desafiam a lógica e a ciência atual, mas a maior de todas é a sua capacidade de viajar no espaço e no tempo. Isso é devido aos seus bolsões eletromagnéticos subterrâneos, bolsões que a Iniciativa Dharma pesquisava nos anos 1970 com a intenção de manipular o tempo. Como a ilha se locomove constantemente pelo espaço-tempo, é muito difícil encontrá-la, mas os cálculos do físico Daniel Faraday permitiram prever sua posição, e é assim que alguns personagens voltaram à ilha na quinta temporada, recebendo as informações de Eloise Hawking (mãe de Faraday) e pegando um avião que passou num ponto da trajetória da ilha, provocando a “queda” do avião e seu posterior aparecimento na ilha.


Por que o voo Oceanic 815 caiu na ilha?
           
Durante suas pesquisas a Iniciativa Dharma perfurou um dos bolsões eletromagnéticos, o da Estação Cisne, causando um distúrbio energético. Para consertar o problema a Iniciativa passou vinte anos construindo uma escotilha com um código que deveria ser inserido em um computador a cada 108 minutos. O código era a sequência 4, 8, 15, 16, 23, 42. O mecanismo do computador e da digitação do código libera uma energia que neutraliza a energia eletromagnética liberada pela perfuração, impedindo possíveis acidentes. A digitação do código foi feita por anos por Kelvin e seu parceiro, Desmond David Hume (Henry Ian Cusick). Como os dois viviam trancados na escotilha, sofriam muito estresse, até que certo dia brigaram e acidentalmente Desmond matou Kelvin, numa praia, quando este tentava fugir da ilha em um veleiro. Após o assassinato, Desmond voltou correndo para a escotilha, pois o prazo de 108 minutos já estava acabando, mas ele não chegou a tempo, causando um pequeno terremoto na ilha. Mesmo assim, Desmond digitou o código depois dos 108 minutos e o acidente foi controlado, entretanto, seu pouco tempo de existência foi suficiente para derrubar o avião da Oceanic, que “aparentemente” estava passando pelo lugar errado na hora errada...

Disse “aparentemente” porque houve um motivo maior por trás da queda do avião, motivo que será discutido mais a frente.



Quem são Jacob e Esaú? Qual o motivo de suas brigas? O que é a fumaça negra?



            O 15º episódio da sexta temporada, Across The Sea, põe luz em muitas questões. A disputa entre os irmãos tem como base a missão de Jacob de não deixar seu irmão sair da ilha. Tudo começou na Antiguidade, com o naufrágio de um navio e a sobrevivência de uma tripulante, a jovem Claudia. Após o naufrágio, Claudia acordou na praia e foi auxiliada por uma mulher que se dizia estar sozinha na ilha e que também havia chegado lá por acidente. Com mais perguntas de Claudia, como “Há quanto tempo você está na ilha?”, a mulher responde com “Cada pergunta que respondo leva à outra”, mostrando não querer revelar muito. Claudia está grávida e dá à luz ali mesmo na ilha a dois bebês. A mulher faz o parto, colocando um bebê em um pano branco e o outro, em um pano preto, marcando o início da simbologia de oposição dos dois irmãos. Tudo corre “bem”, até que a mulher mata Claudia golpeando-a na cabeça com uma pedra.

            Jacob e Esaú crescem ignorantes das suas origens e mãe biológica. Jacob usa roupas brancas e brinca com pedras da mesma cor e Esaú adota sempre a cor preta. Esse equilíbrio se quebra em um certo dia, quando os dois irmãos vêem outros homens na ilha. Até então pensavam que viviam sozinhos com sua mãe. Viviam tão isolados que nem conheciam certas palavras e pensavam que eram os únicos humanos naquele local e que não havia outro lugar no mundo além da ilha. Esaú também vê o fantasma de sua mãe biológica e a segue, encontrando uma aldeia de homens, os outros sobreviventes do antigo navio naufragado. Outro mundo se abre para Esaú, pois até então ele pensava que nada existia além do oceano. Era assim que sua mãe de criação dizia. Revoltado com ela, Esaú vai embora e se une aos homens para encontrar uma forma de sair da ilha para assim, entrar em contato com o mundo exterior. 

            Jacob permanece com sua mãe de criação, mas visita Esaú frequentemente, até que descobre que os homens usam de conhecimentos e invenções (posteriormente chamados de “ciência”) para sair da ilha. Esaú lhe mostra um bolsão encontrado, onde eles crêem que está a saída do lugar, um dos bolsões futuramente explorados pela Iniciativa Dharma. Nesse bolsão os homens construíram uma roda de madeira semelhante (ou sendo mesmo) à engrenagem da futura Estação Orquídea que, quando girada, transporta quem a girou para o mundo exterior.



Sabendo do fato, a mãe dos irmãos mostra a Jacob o lugar da ilha em que ele deve proteger, que ela chama de Luz ou Coração da Ilha, uma pequena cratera em um riacho. Ela já havia mostrado o lugar antes para os dois irmãos, mas agora ensina o caminho a Jacob e lhe dá a função de guardião da ilha. Dessa cratera sai uma forte luz amarela, que é a fonte da ilha, de onde vem morte, vida e renascimento. A mãe de Jacob lhe diz para não entrar lá e proteger o lugar, além de não deixar seu irmão sair da ilha, pois coisas horríveis iriam acontecer.


No fim desse caso de família, Esaú mata sua mãe e Jacob luta com ele, deixando-o inconsciente e jogando-o no coração da ilha. Momentos após Esaú cair na cratera de luz, a fumaça negra sai de lá, bastante agitada. Jacob a segue e encontra Esaú morto nas pedras. Então ele o enterra ao lado de sua mãe nas cavernas, as mesmas cavernas em que Jack encontra água, na primeira temporada, e descobre os dois esqueletos, o de Esaú e o de sua mãe. A fumaça negra é Esaú e tem sua origem na entrada dele no coração da ilha.




Voltando a uma questão anterior, qual o motivo maior da queda do voo 815 da Oceanic?

            Quando a mãe de Jacob lhe mostra o Coração da Ilha e diz que ele será seu guardião, lhe enche um copo com água do riacho, murmura algumas palavras e dá a água para ele beber, dizendo que agora ele é igual a ela. Dessa bebida mágica vem a habilidade de Jacob de não envelhecer (ele e seu irmão estão “vivos” desde a Antiguidade). Ela diz que seu tempo acabou e que agora é a vez de Jacob. Quando o tempo deste acabar, ele deverá escolher outros. E como a sexta temporada mostra, Jacob foi atrás de outros para substituí-lo, ou seja, de candidatos, que são Jack, Katie, Sayid, Jin e Sun Kwon, Hugo e James/Sawyer. Alguns ele escolheu desde pequenos, como Kate e Sawyer, os demais, quando já estavam adultos, aparecendo em pequenos e cruciais momentos das vidas dos personagens. No caso de Sawyer, Jacob lhe deu a caneta para que ele continuasse a escrever uma carta ao assassino de seus pais. Sawyer era criança e estava no funeral do seu pai e da sua mãe.


No próximo sábado postarei o terceiro e último texto “Comentando o Final de Lost”, destacando a influência de três gêneros literários na série: o estranho, o fantástico e o maravilhoso, além do recurso narrativo deus ex machina.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Séries de TV: O Final de Lost (Parte 01)


Comentando o Final de Lost – Parte 01
Comentários Gerais


Por Thiago Damasceno

           
             Assisti toda a série Lost nesses últimos meses. Concluída essa “missão”, escrevi um texto comentando seu discutido final, que é amado por uns e odiado por muitos. O texto ficou enorme, então o dividi em três posts. Neste primeiro, faço um comentário geral sobre o seriado. Postarei o segundo texto no próximo sábado, onde farei uma lista de perguntas e respostas para entender e revisar o enredo básico da série. No terceiro texto, comentarei exclusivamente o final desse marco da cultura pó, sob a perspectiva da literatura. Esses textos têm boas informações (e guias) para quem viu a série ou para quem ainda não a viu e não se incomoda com spoilers.


           O seriado Lost foi criada por J. J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof e produzido pelos estúdios ABC, Bad Robot Productions e Grass Skirt Productions, tendo sido exibido pela Rede ABC nos EUA. Aqui no Brasil, foi exibido pelo canal fechado AXN e pela Rede Globo. Entre 2004 e 2010 a série foi a mais cultuada pela Internet afora, reunindo elementos dos gêneros drama, suspense, aventura, fantasia e ficção científica, causando agitações nas redes virtuais com discussões e teorias dos fãs sobre seus temas: natureza misteriosa e selvagem, aparições fantasmagóricas, monstros de fumaça, números amaldiçoados, viagens no tempo, dramas inteligentes, entre outros. A série começou bem, porém, a partir da terceira temporada sua qualidade (em termos de estória, e não de produção) começou a cair até chegar à sexta e última temporada, a mais fraca, que usou o atualmente banal recurso narrativo deus ex machina, que será discutido na terceira e última postagem sobre o final da série.


O Começo

            O episódio piloto começa mostrando Jack Shepard (Matthew Fox) abrindo os olhos. Quando o médico se levanta, vemos que ele está caído em um bambuzal. Ouvindo gritos, ele corre para uma praia e quando chega lá, se depara com um avião caído e muitos mortos e feridos. Desse desastre sobreviveram 48 pessoas, os passageiros do vôo Oceanic 815, que caiu numa ilha do Oceano Pacífico. Como se essa tragédia não fosse suficiente, a ilha está fora dos mapas e é perigosa e mágica. Os personagens percebem isso na primeira noite quando ouvem ruídos metálicos que destroem árvores. E assim começa essa grande saga, com seus personagens postos num Mundo Especial hostil, estranho e muito, mas muito misterioso.

            A primeira e a segunda temporada são impecáveis. O desenvolvimento dos personagens é feito mostrando-os na ilha e em flashbacks, nas suas vidas antes da queda do avião. As estórias são exibidas assim, com duas linhas narrativas por episódio, às vezes três, garantindo uma dinamicidade desvairada que me fazia ver quatro a oito episódios por dia. Sendo gravada em Oahu, no Havaí, e com um grande elenco, Lost consolidou um elevado padrão de produção para TV e considero que seu ápice são as duas primeiras temporadas. Enigmas deslizam pelos episódios: parentes falecidos dos personagens aparecem; um monstro de fumaça negra ataca o que bem entende; são descobertas escotilhas da Iniciativa Dharma, um projeto científico desenvolvido na ilha nos anos 1970; os Outros, habitantes da ilha desde antes da queda do avião, atacam os sobreviventes; etc, etc. Nas temporadas seguintes, mais personagens são introduzidos junto com novos mistérios. Algumas tramas são solucionadas, como a causa da queda do avião, mas o número de enigmas sem solução ainda permanece maior. Creio que foi nisso que os roteiristas de Lost pecaram: no excesso de personagens e mistérios, gerando consequentemente, uma enorme dificuldade para criar boas soluções para tudo.


O meio

            A qualidade da série caiu drasticamente (mais uma vez, em termos de estória) na primeira metade da terceira temporada, tendo como reflexo a queda de audiência nos EUA, indo de 18 milhões para 15 milhões de espectadores. Essa queda se acentuou de 12 milhões para 9 milhões entre o final da quinta temporada e o início da sexta. Claro que devemos levar em conta os downloads feitos pela Internet. Apesar da qualidade da série ter diminuído, ela ainda estava à frente de qualquer outra série produzida na época. A produção de Lost foi uma coisa cinematográfica. 

            A terceira temporada começa fraca, mas a série recupera seu fôlego na segunda metade dessa temporada. Até então os episódios estavam menos dinâmicos e o recurso dos flashbacks já se mostrava esgotado, sem contar os enredos fracos e arrastados, como os sofrimentos de Jack, Kate e Sawyer na cidade dos Outros e o perigo que o Sr. Eko (Adewale Akinnoueye-Agbaje) corre sendo quase comido por um urso. E mais mistérios foram aparecendo. Mas considero a grande virada da terceira temporada o 14º episódio, Exposé, que foca na trágica estória de amor dos personagens secundários Nikki (Kiele Sanchez) e Paulo (Rodrigo Santoro), culminando nas suas mortes bizarras, bem ao estilo Lost.

A quarta temporada foi a menor da série, com 14 episódios, e focou em um cargueiro que Charles Widmore (Alan Dale) enviou para procurar e matar Benjamin Linus (Michael Emerson), além da possibilidade dos sobreviventes irem embora. Os roteiristas deram mais uma mostra de sua criatividade trabalhando com flashforwards, linhas narrativas/cenas que mostram a vida de alguns sobreviventes no futuro, já fora da ilha. Os que conseguiram sair são chamados de Seis da Oceanic (Jack, Kate, Hugo, Sun, Sayid e Aaron). Os flashforwards, abordando os futuros dos personagens, criam dúvidas sobre como eles conseguiram sair da ilha, que além dos seis já citados, também há o piloto Frank Lapidus (Jeff Fahey) e o vilão Benjamin Linus (Michael Emerson). É fato que os roteiristas e produtores de Lost, usando recursos narrativos clássicos ou inovadores, dominam esses recursos e prendem o público ao que contam.


          Na quinta temporada, as linhas narrativas gerais mostram as vidas dos personagens que escaparam da ilha e as vidas dos personagens que permaneceram na ilha. Esses últimos começam a experimentar viagens no tempo e o ponto forte dessa temporada são essas viagens. O seriado assume mesmo o caráter de ficção científica. Desde a segunda temporada são mostrados muitos livros, como A Volta do Parafuso, de Henry James, mostrando a presença do gênero fantástico na série, Ratos e Homens, de John Steinback e Uma Breve História do Tempo, obra marcante do genial físico Stephen Hawking, cujas últimas ideias foram expostas em sua obra mais recente, Uma Nova História do Tempo. Mais personagens são desenvolvidos, como Charles Widmore, Eloise Hawking (Fionnula Flanagan) e os irmãos Jacob (Mark Pellegrino) e seu irmão gêmeo, o “Homem de Preto” (Titus Welliver). Mais mistérios são solucionados e outras respostas já podem ser formuladas, mas muita coisa ainda permanece em aberto.


            A quinta temporada terminou de forma empolgada, cheia de aventura ao estilo Indiana Jones; O Mundo Perdido, de Sir Arthur Conan Doyle, e demais tramas aventurescas. Alguns personagens seguem o conselho do físico Daniel Faraday (Jeremy Davies) e decidem jogar uma bomba de hidrogênio no instável bolsão eletromagnético da Estação Cisne, na tentativa de apagar tudo que aconteceu com eles na ilha. O clima de correria à moda de Caverna do Dragão (todo mundo desesperado para voltar para casa) é bacana, mas os motivos que levam alguns personagens a destruir a estação são confusos, pois esses já estavam com suas vidas perdidas antes de irem à ilha e realmente viveriam melhor permanecendo naquele mundo paradisíaco. Como exemplo, Jack, que voltou à ilha por livre e espontânea vontade por passar a acreditar em Destino, mas iria querer sair da ilha de novo para quê?



Outros também voltaram porque quiseram, como Hugo, Sun e Kate, mas esses tinham objetivos claros. Benjamin Linus também voltou, mas é outro que também não tinha um motivo preciso. No caso de Linus, se todos queriam ir embora (de novo), por quê ele não lembrou de girar a engrenagem da Estação Orquídea, que transporta quem a gira direto ao deserto da Tunísia?


Claro que Linus é um vilão, mas a partir dessa temporada uma coisa que me incomodava era o fato dos personagens não revelarem certas coisas aos outros, coisas que facilitariam a vida de todos e deixaria a trama mais clara. Se bem que toda trama tem isso, um fator necessário para o seu andamento e parar gerar suspense. Frank Lapidus e Sayid (Naveen Andrews) entraram de gaiatos no navio, ou melhor, no segundo avião que caiu na ilha. O último episódio da quinta temporada, O Incidente – Parte 02, termina bizarramente com a bela Juliet Burke (Elizabeth Mitchell) sendo puxada (junto com todas as peças de metais próximas) pela força eletromagnética do bolsão e explodindo a bomba com as próprias mãos, quase morta no fundo do buraco. A tela fica branca e a quinta temporada termina.


O final (?)

            Ao contrário do que os personagens esperavam a explosão da bomba de hidrogênio não os tirou da ilha. Eles continuaram lá, bem no meio do conflito entre os dois irmãos: Jacob e o “Homem de Preto”, trama central da sexta temporada.


Contudo, a explosão gerou uma realidade paralela, onde o voo 815 da Oceanic não caiu na ilha e os personagens puderam seguir suas vidas, de formas diferentes, mas sempre com um cruzando o caminho do outro, como se o Destino agisse. O mesmo Destino age para que eles vivam de uma forma que consigam reparar seus erros feitos antes daquela vida em que eles caíram na ilha. Benjamin Linus, por exemplo, passa a ser um solidário professor de História Europeia, Jack aprende a conviver com seu filho, James “Sawyer” Ford é um policial honesto, parceiro de Miles, que na outra vida era um vidente vigarista.

            Enquanto isso na ilha...

            Com a morte de Jacob (assassinado por Benjamin Linus) e a posse do corpo de John Lock (Terry O´Quinn), também assassinado por Linus, pelo “Homem de Preto”, a “guerra” pela ilha começa. Na verdade, é mais uma batalha do que uma guerra propriamente dita. Ilana (Zuleiha Robinson) é a última servidora de Jacob e tem que garantir a segurança dos candidatos, mas acaba morrendo em um acidente com bananas de dinamite, acidente típico em Lost. O imortal Richard Alpert (Nestor Carbonell) fica desesperado com a morte de Jacob e diz que todos estão no Inferno. Realmente, ele tem alguma razão, mas continuaremos essa jornada de perdição com candidatos, viagens no tempo, realidades paralelas e Inferno no próximo post, onde comentarei o final do seriado e elaborarei perguntas e respostas fundamentais para entender a série e sua mitologia.


“Viver juntos ou morrer sozinhos”.
(Jack Shepard)










sábado, 9 de fevereiro de 2013

Crônica: Aqueles Tempos É Que Eram...

Aqueles Tempos É Que Eram...

Por Thiago Damasceno

            O filme Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, tem como tema principal a insatisfação dos homens com a sua época e o desejo de viver em uma época passada. Tenho a mesma vontade, pelo menos no campo da música. Há meses ouço apenas artistas, bandas e produções dos anos 1960 e 1970: Beatles, Pink Floyd, Jethro Tull, Ptarmigan, Bob Dylan, Neil Young, Leonard Cohen, Mutantes, O Terço, Casa das Máquinas, O Peso, Belchior, Zé Ramalho, Arnaldo Baptista, Secos & Molhados e outros. Minhas leituras literárias também se inclinam pra essa época.

            Certo dia fui à biblioteca municipal, na Praça Cívica, renovar o empréstimo do livro Sidarta, do escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962). Nessa estória, o jovem filho de brâmane, Sidarta, parte em busca de sabedoria e paz interior. Alguns pontos de sua jornada são semelhantes à jornada de Buda e o protagonista do romance se encontra com o mesmo, elogiando a doutrina budista, mas defendendo que não pode vivê-la, pois ele não viveu o que Buda viveu a ponto de adotar sua doutrina. Assim, o budismo serviria pra Buda, mas não serviria pra Sidarta. Este chega à conclusão de que é a experiência individual que leva à sabedoria, virtude e autoconhecimento, e essa ideia agitou boa parte da juventude dos anos 1960 e 1970 que tinha os livros de Hesse na cabeceira.


           Na biblioteca, esperei na fila pra renovar o empréstimo do livro, atrás de uma senhora. Deixei a obra em cima do balcão pra olhar outras e ela reparou no livro. Disse que era muito bom e que fez sua cabeça naquela época. Começamos então um papo-cabeça. Trocamos ideias sobre músicas da época e ela disse que foram anos difíceis, mas é como uma frase cujo autor esqueci: “Foram tempos difíceis, mas foram os melhores da nossa vida”. A frase exata não é essa, mas é por aí. A dificuldade principal eram os tempos de ditadura e concordamos que a geração de hoje é acomodada, comparada com as anteriores.

            Sem querer ser totalmente emocional nessa clássica discussão, lhe falei que um dos problemas da juventude atual (toda geração tem seus problemas) são as poucas ou quase nenhuma ideologia. Temos hoje o desenvolvimento sustentável. Grande coisa, já que no atual ritmo industrial, a natureza irá mesmo por água abaixo. Mas também as ideologias anteriores (pacifismo, hippismo e outros ismos) caíram por terra. A exceção talvez tenha sido o feminismo. Não sei ao certo. O que sei é que o sonho de um mundo melhor, no campo espiritual, realmente acabou, como disse Lennon.

            Durante boa parte da conversa, aquela senhora olhou pro horizonte além da praça, com uma expressão distante. Ela não estava fugindo da conversa, estava lembrando, como se visse Woodstock no lugar das avenidas Araguaia e Goiás (a direção em que ela olhava) dizendo coisas nostálgicas como “Aqueles tempos é que eram... sabe?!”. Talvez o maior problema da nossa geração seja o que estava acontecendo com o personagem Sidarta antes de sua aventura: ausência de experiências satisfatórias. Nos falta viajar pra algum lugar. “Ir pra algum lugar pra descobrir alguma coisa”, como disse o personagem Dean Moriarty em On The Road. Mas o que é essa coisa... Não sei ao certo.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Cinema: “O Último Desafio”, com Arnold Schwarzenegger

O Último Desafio: Quando o Mundo Especial Vai Até o Mundo Comum
Kim Ji-Woon, The Last Stand, 2013, EUA.


Por Thiago Damasceno

Neste texto, não quero falar sobre o quanto esse filme é fraco comparado a outros estrelados por Schwarzenegger; nem no quanto ele apela em mostrar um chefão do tráfico internacional que escapou do FBI, mas que foi pego por policiais mal treinados; nem nos seus velhos discursos de heroísmo norteamericano concentrando coragem e honra inabaláveis no personagem do eterno Exterminador do Futuro. Quero falar sobre um ponto interessante no seu roteiro, que é a ida do Mundo Especial ao Mundo Comum do Herói. Para os leitores de primeira viagem dos meus textos sobre cinema, algumas palavras antes.


Minha abordagem de roteiros de filmes tem como base a chamada Jornada do Herói, um conjunto de padrões mitológicos identificados e organizados pelo mitólogo Joseph Campbell (1904-1987) em sua principal, O Herói de Mil Faces. Campbell identificou assuntos e experiências universais nos mitos e demais estórias do mundo e essas estruturas míticas foram e são usadas nas narrativas  da literatura e no cinema. Um tema universal, por exemplo, é a Coisa Proibida: a fruta que não se pode comer, a sala que não se pode entrar, a caixa que não se pode abrir, algo que não pode ser visto, entre outros.

Voltemos ao filme.

Toda estória envolve um Herói que se aventura em busca de algo e devido à essa busca, esse Herói se transforma. Do medo, ele vai à esperança, da dor à alegria. Na sua jornada, geralmente o Herói parte de um Mundo Comum, o seu lugar seguro, conhecido e tranquilo, ao chamado Mundo Especial, o lugar desconhecido e perigoso onde as aventuras ocorrem. O primeiro passo de muitas estórias é mostrar o Herói na segurança do seu Mundo Comum para que posteriormente, quando ele estiver no Mundo Especial, seja percebida a diferença entre o Mundo Comum e o Mundo Especial. Após o Herói ser mostrado em seu Mundo Comum, ele entra em contanto com uma missão, fase da jornada designada Chamado à Aventura, e parte ao Mundo Especial, pondo o pé na estrada e iniciando sua aventura. Como exemplo, o famoso hobbit Frodo Bolseiro, de O Senhor dos Anéis, que está no seu tranquilo Condado (Mundo Comum) e sabendo que precisa dar um fim ao Um Anel e se dirige até a Montanha da Perdição para destruí-lo, se lançando na Terra Média (Mundo Especial), onde tudo é novo e arriscado.

Em O Último Desafio as coisas não se passam exatamente desse modo. As estórias do mundo todo têm a mesma estrutura ou estruturas semelhantes em muitos pontos e variam conforme a cultura e os desejos de seus criadores. Essas variações deixam as estórias mais interessantes e até certo ponto, originais, mas é possível apontar traços comuns à outras obras, como veremos adiante.

No filme em questão, Gabriel Cortez (Eduardo Noriega), chefe do tráfego internacional, foge do FBI durante sua transferência da prisão. Dirigindo loucamente um Corvette C6 ZR1, ele zarpa rumo à fronteira dos EUA com o México para sair das terras do Tio Sam passando por uma ponte móvel construída por seus capangas. O detalhe é que essa ponte foi erguida na pequena cidade de Sommerton, no Arizona. O outro detalhe é que o xerife dessa cidade é Ray Owens (Arnold Schwarzenegger), um cara durão e simpático (claro que simpático numa dimensão onde não há Skynet).

O FBI informa ao xerife Ray que ele pode sair do caminho de Gabriel, pois a S.W.A.T. está indo para Sommerton e nenhum policial vai poder pará-lo. Ray ignora o aviso. Sabendo que a cavalaria não chegará a tempo, decidi resolver a parada por conta própria junto com seus policiais despreparados, um maluco dono de um milhão de armas ilegais e Frank Martinez (Rodrigo Santoro), um veterano da Guerra do Golfo.


O ponto curioso do filme é que não são os heróis que vão ao Mundo Especial, como na maioria das estórias, mas o Mundo Especial que vêm até eles. Eles não precisam sair do seu Mundo Comum, a pacata cidade de Sommerton. Pelo contrário, é o mundo perigoso, o Mundo Especial, encarnado no vilão Gabriel Cortez e seus capangas vindos da cidade grande, que chega à cidade do interior. Mesmo assim, a trama contém a mesma carga dramática (embora com qualidade muito menor) que as estórias em que o Herói parte ao desconhecido. Os heróis aceitam o Chamado à Aventura, que é deter Cortez (chegando até a desobedecer o conselho do FBI) e vestidos com uma coragem sobrehumana, usam o que têm para detê-lo.

No começo do filme, o policial mais jovem da cidade, Jerry Bailey (Zach Gilford) desabafa para Ray que Sommerton é muita pacata para um policial e declara seu desejo de trabalhar em Los Angeles, onde Ray trabalhou por muitos anos (e se traumatizou) na Narcóticos. Ray lhe diz que essa vontade de deixar o lar e enfrentar desafios é comum nos jovens e avisa que irá dar uns telefonemas. Nesse momento, fica claro o desejo do jovem Herói (Jerry) de sair da sua terra e se aventurar pelo desconhecido em busca de crescimento, enquanto que Ray, já cansado das suas experiências como policial de uma cidade grande, resolveu assumir um posto mais tranquilo, que é o de xerife do interior. Isso é recorrente nos mitos e estórias e tem paralelo em nossas vidas. O jovem Jerry se anima com seu futuro, mas no primeiro confronto com os homens de Cortez, é mortalmente ferido.

A morte de Jerry encoraja o xerife ainda mais a enfrentar os homens de Cortez e a jornada dele e dos demais heróis começa. Essa jornada não é exterior, pois os personagens heróis não põem o pé na estrada. Essa jornada é interior. As mudanças e aprendizados se passam dentro deles sem que eles precisem deixar Sommerton. Ao fim da luta, eles aprenderam e incorporaram valores como honra, confiança, amizade e coragem.

Até o momento em que escrevia este texto, só me vieram à memória dois filmes com essa característica de ida do Mundo Especial ao Mundo Comum: Anjos Rebeldes (1995) e Independence Day (1996). No primeiro, a guerra celeste entre as tropas fiéis a Deus contra as tropas fiéis ao Arcanjo Gabriel chega até a Terra e o detetive Thomas Dagget (Elias Koteas) envolve-se na luta. No segundo filme, a Terra é invadida por naves extraterrestres hostis e os heróis não saem do planeta para lutar e lutam aqui mesmo. Segundo Renildo Júnior na sua crítica para o site Cine SET¸ O Último Desafio tem como referência clara o filme Matar ou Morrer (1952), que também mostra o xerife Gary Cooper defendendo sua pequena cidade com seus poucos recursos.


O Último Desafio, como os demais filmes novos dos antigos ícones do cinema de ação, aborda o humor (como outros do astro principal) assumindo a terceira idade dos astros, mas passa batido no currículo de Schwarzenegger. 

E como rir é sempre o melhor remédio, abaixo, uma ótima charge do site Humortadela.