ThiagoDamasceno: dezembro 2012

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Crônica: “Crepusculário”


“Crepusculário”

Por Thiago Damasceno, sobrevivente do Armageddon maia

“É engraçado. A gente nunca devia contar nada a ninguém.
Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo”.
(O apanhador no Campo de Centeio)

            Um dia desses, andando e matando o tempo em uma enfadonha formatura, parei perante um notável exemplar de graça e beleza do sexo oposto. Observei-a do meu canto e continuei observando do mesmo lugar após ela ter saído de onde estava, mas então eu já observava algo mais belo, maior, mais profundo e mais poético. Vi o oeste que estava perdendo seu azul e ficando cada vez mais negro. O Sol estava se pondo. Era mais um crepúsculo.

            A memória da gente é engraçada. Lembramos mais facilmente o que nos causa interesse e esse interesse depende das nossas ligações emocionais com determinados fatos. E às vezes, até tais fatos importantes aparentemente são esquecidos, mas basta ver ou ouvir alguém ou alguma coisa que estava relacionado ao que aconteceu que lembramos certas coisas, e constatamos que “não lembrávamos que lembrávamos”.

            Aquele crepúsculo serviu de gatilho à minha memória. Imediatamente lembrei dos muitos crepúsculos que vi na minha pequena cidade natal, do píer na beira do rio. Também lembrei dos crepúsculos quando não havia píer. Eu lembrei, eu vi. Eu me vi sentado em frente ao rio, “ventaniado” pelo suave vento quase frio, ouvindo a água bater no concreto, observando os reflexos e ondas da água, assim como bolos de espumas flutuantes vindos da fábrica, um cheiro de peixe, o tranquilo e constante barulho abafado de uma canoa amarrada sendo agitada pela água e lutando contra a corda que a amarrava em algum toco na beira do rio.

               Lembro também do tom azul morto do céu, com as primeiras estrelas aparecendo, às vezes algum planeta. Aquele cheiro de pele queimada e protetor solar. Aquele ar de fim de tarde e um bilhão de expectativas para a noite. Parecia que o mundo iria começar ao contrário, numa noite, e não em um dia. “E disse Deus: Haja noite! E o mundo começou”.


               Lembrei de alguns amigos, um violão, umas canções, um poeta conterrâneo que me passava pela cabeça dizendo “Uma parte de mim é todo mundo: Outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem”. E ele não é o mesmo que escreveu “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”.

            A canção “Veraneio”, do Viajante Clandestino, aborda tudo isso e muito mais. “Veraneio” é a canção mais pessoal que já compus. Destaque pra chegada da noite no fim do clipe e a citação de alguns versos do poeta, também conterrâneo, Nonato Pires.


           Estou nostálgico? Claro. Talvez por isso eu esteja no futuro. Mas por mais que eu esteja em outros lugares e noutros tempos olhando pros crepúsculos, lembro sempre dos meus primeiros crepúsculos observados. Faço o meu “crepusculário”, uma coleção de crepúsculos, com os crepúsculos da terra natal. Os demais, talvez eu deixe na fila de espera.

“Muitas vezes já me despedi de quem vai e volta”.
(Veraneio)
           
            E é isso mesmo. Muitas coisas vão e voltam, de forma que é uma grande besteira ficar remoendo o passado simplesmente por remoê-lo, para pensar em como poderia ter sido. Por mais atraente que isso possa ser, muitas vezes é perigoso. Bom mesmo é sair desse espaço e buscar novos horizontes, procurar fazer um crepusculário com outros e vários crepúsculos. Lidamos com o tempo tendo em mente passado, presente e futuro. Percebo que certas vezes esquecemos esses dois últimos adjetivos. Disse adjetivos, e não substantivos. O que aconteceu não acontece mais, não existe mais, a não ser talvez, numa hipotética dimensão paralela.

Foto: Vilmar Rego


Obrigado a todos os leitores, ouvintes e internautas que acompanharam minhas (e nossas) atividades como músico e blogueiro. Em 2013, a partir da segunda semana de janeiro, volto com mais música, TV, literatura, cinema, etc. E agora, escrevo algo inédito na história da raça humana: Feliz Ano novo.


  Caro leitor(a)/internauta, 
          peço seu voto ao Viajante Clandestino para o concurso de música Breakout Brasil da Sony. Seu voto ajudará a escolher os semifinalistas, que serão 40 ao todo. Desde já agradeço! Basta fazer o login do facebook (ou e-mail) pelo site abaixo, clicar em "curtir" na página da banda (abaixo de "Sobre a banda") e "avaliar as músicas clicando nas estrelas". Pronto! Qualquer dúvida é só perguntar!
              







sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Crônicas: Conversas No Elevador, 05 e 06

Conversas No Elevador

Por Thiago Damasceno


V
Pagando Mico Com Um Guardachuva

            Entrei correndo no elevador do meu prédio e suspirei fundo, aliviado. Fugia de uma horda indisciplinada de consumidores andando por todos os cantos da cidade em busca de compras pro Natal, Ano Novo, etc. Por medo da chuva, também carregava um guardachuva. Meu companheiro de viagem, com mais natais que eu, riu de forma provocadora apontando pro meu instrumento de proteção.

- Nossa... Eu também carregava um desses pra cima e pra baixo. Desse tamanho aí. – disse ele.

- É... Prefiro desses. As sombrinhas são mais fáceis de carregar, mas passam é raiva do tanto que molham.

- Pois é, mas a gente paga um mico danado andando com um desses aí. Aí eu desisti de pagar mico.

            Disse ele rindo e, graças ao Papai Noel, indo pro seu apartamento, pois o elevador havia chegado ao seu piso.

Nota de Rodapé: Ops, muito pequena


Nota de Rodapé: andar com guardachuva é pagar mico. Concluo que pago mico, mas não chego em casa molhado.

P.S. da Nota de Rodapé: Quando se sai com guardachuva, por mais nublado que esteja, não chove. Quando não se leva guardachuva, por mais ensolarado que esteja, as nuvens se juntam misteriosamente e repentinamente e chove.


VI
“A Dúvida é o Preço da Pureza”

            Em um prédio comercial, três indivíduos de terno e gravata, desses que a gente vê nos filmes MIB: Homens de Preto, dividiam um elevador em ascensão. Um deles fez uma careta de dúvida, dessas que a gente vê no filme Alien: O Oitavo Passageiro, e perguntou aos demais:

- Vocês sabem em que andar fica a sala da Horizontes LTDA?

- Você não perguntou pro porteiro? – indagou um dos homens de preto.

- Perguntei, mas esqueci...

- A gente anda tão apressado que esquece das coisas né? – disse sabiamente o terceiro homem, que até então dava a entender que era um extraterrestre com aparência de homem por ter bebido uma Poção Polissuco preparada pela habilidosa Hermione Granger.

            O elevador chegou em determinado andar e os dois homens que não estavam com caretas de dúvidas, dessas que a gente vê na série The Walking Dead, desceram do aparelho. O homem com dúvidas queria voltar à portaria para falar com o porteiro, mas esqueceu de apertar o botão que poderia levá-lo ao térreo. O elevador continuou subindo, que nem o Harry Potter numa Nimbus 2000 atrás de um pomo de ouro.

         
           Caro leitor(a)/internauta, 
          peço seu voto ao Viajante Clandestino para o concurso de música Breakout Brasil da Sony. Seu voto ajudará a escolher os semifinalistas, que serão 40 ao todo. Desde já agradeço! Basta fazer o login do facebook (ou e-mail) pelo site abaixo, clicar em "curtir" na página da banda (abaixo de "Sobre a banda") e "avaliar as músicas clicando nas estrelas". Pronto! Qualquer dúvida é só perguntar!
              
http://www.breakoutbrasil.com/breakoutBrasil/entry/Viajante-Clandestino

sábado, 15 de dezembro de 2012

Séries de TV: Milagres: Entre o Céu e o Inferno (Miracles)

Milagres: Entre o Céu e o Inferno

Por Thiago Damasceno, diretamente do outro mundo

- O que vi com aquele garoto, ele... Ele era doente. E sempre que curava alguém, ele piorava. E no final das contas, isso o matou. Por que Deus faria uma coisa dessas?
- Quem disse que foi Deus?

           
            Acima, parte do primeiro diálogo entre os personagens Paul Callan e Alva Keel feito no final do primeiro episódio da minissérie Milagres: Entre o Céu e o Inferno. Fantasmas, contatos com o outro mundo, túneis temporais, casas assombradas, sangues que escrevem mensagens enigmáticas e até falsos milagres povoam o universo paranormal dessa minissérie que acompanhei pela primeira vez nas madrugadas de 2005 e 2006 quando ela passava junto com a aclamada série Além da Imaginação (2002-2003) no extinto programa Séries Premiadas do SBT.

            Milagres (no Brasil), Fenômenos (em Portugal) e Miracles (no original) foi produzida pela norteamericana ABC e estreou em 27 janeiro de 2003 nos EUA. É uma série underground, mas graças à Internet foi possível baixar todos os seus treze episódios (com certa dificuldade) e assisti-los novamente. No fim do texto postei os links dos dois primeiros episódios com som em inglês e legendas em português já embutidas. Quem curtir e desejar ver mais, basta entrar em contato pelos comentários deste post, por e-mail ou Facebook.


           A minissérie criada por Michael Petroni e Richard Hatem conta a estória de Paul Callan (Skeet Ulrich), seminarista de Boston que investiga milagres. Basicamente, milagres são fenômenos extraordinários que desafiam as explicações racionais e têm forte relação com a presença e atuação de Deus no nosso mundo. No primeiro episódio (The Ferguson Syndrome) Paul prova que o cadáver intacto de uma freira do século XIX não entrou em profundo processo de decomposição por motivos naturais, devido ao solo do cemitério e às sementes de damasco que se decompunham no local. Logo percebemos que a minissérie aborda parte do processo de investigação de milagres pela Igreja Católica. O fenômeno extraordinário é relatado e o investigador usa todos os procedimentos científicos e racionais possíveis para encontrar uma explicação natural. Não havendo, registra-se o milagre. No primeiro episódio vemos logo que não é fácil, como se pode pensar comumente, para a Igreja considerar que um fato extraordinário é um milagre. Também há toda uma sistematização para beatificar, canonizar e enfim, tornar santo um religioso falecido considerado o elo entre Deus e homens para realizar milagres.  

            Mesmo envolvido intimamente com a Igreja, Paul começa a perder a fé no divino por não encontrar nenhum milagre. Ele confessa ao seu amigo e mentor, padre Calero (Hector Helizondo), a sua crise de fé e a sua espera por um sinal de Deus. O vacilante seminarista consegue uma licença e vai para o interior, mas inesperadamente recebe uma ligação de padre Calero pedindo que ele investigue o caso de um garoto de uma cidade próxima que aparentemente faz curas. Mesmo contrariado, Paul procura pelo menino. Ele se chama Thomas Ferguson (Jacob Smith) e está sofrendo de anemia, mas pode curar outros doentes. O problema é que a cada cura, Thomas enfraquece se aproxima da morte.
           
No fim do episódio Paul sofre um acidente de carro e Thomas o salva, morrendo em seguida. No momento da cura, Paul viu seu sangue escorrer pelos estilhaços de vidro do carro e escrever “Deus está aqui agora”. Recebendo alta do hospital, Paul foi ao funeral de Thomas e viu seu fantasma. O mesmo fantasma também foi até sua casa para lhe pedir ajuda e avisar que a Escuridão queria tomar tudo. Conversando com padre Calero, Paul descobre que seu amigo nunca o ligou para pedir que investigasse Thomas. Ao que parece, a ligação veio do além, literalmente. O desorientado seminarista se reporta ao seu superior, o monsenhor do seu arcebispado, mas este lhe informa que não pode considerar que o caso Thomas envolveu milagres porque não há provas. Paul, no auge da sua inquietação, pede demissão.



            Pensando sobre tudo numa lanchonete (ao som de Knocking On The Heaven´s Door de Bob Dylan, genial esse momento!) Paul encontra Alva Keel (Angus Macfadyen),  professor de Harvard especializado em fenômenos paranormais que tem uma organização que investiga milagres, a Irmandade em Busca da Verdade (Sodalitas Quaerito em latim). Keel convida o agora ex-seminarista a trabalhar com ele. Keel também investiga o fenômeno chamado hemografia, a escrita de sangue feita espontaneamente, como no caso de Paul, mas o que Keel viu até então foi a expressão “Deus está em lugar nenhum”. Esse é o mistério-base da minissérie, mais desenvolvido no episódio seis (The Hand of God) quando outro jovem cujo sangue também escreve “Deus está aqui agora” e que também vê o fantasma de Thomas, como Paul, persegue e mata as pessoas cujo sangue escreve “Deus está em lugar nenhum”.


           O estilo de Milagres segue a linha dos clássicos Além da Imaginação, do grande Rod Serling, e Arquivo X¸ do “mago” Chris Carter, se assemelhando mais à série de Carter. O dom/maldição de Thomas, que consiste em curar os outros e enfraquecer, é a mesma habilidade da criatura do episódio “O Dom” da oitava temporada de Arquivo X. A ex-policial Evelyn Santos (Marisa Ramirez) trabalha com Paul e Keel, mas entre esses dois, a personagem assume uma função de neutralidade, pois a discussão entre paranormalidade e ciência, como há em Arquivo X, fica entre Paul e Keel. Em Arquivo X o agente Mulder (David Duchovny) defende a paranormalidade e a agente Scully (Gillian Anderson) se mantém ao lado a ciência. Em Milagres Paul fica com a ciência e Keel com a paranormalidade. Mas diferente de Arquivo X os casos investigados em Milagres têm uma conclusão, um fim (com exceção dos casos envolvendo hemografia).

            Arquivo X tinha um protagonista que em certo tempo duvidava de suas próprias crenças e de si mesmo, um recurso narrativo que o tornava mais interessante. Paul Callan também é assim, mesmo presenciando fenômenos paranormais o tempo todo e incrivelmente, duvidando dos novos que aparecem. Arquivo X tem um clima geralmente sério e sombrio, mas há quebras. Mulder é comumente bem humorado, levando Scully junto e levando esse humor ao auge nas aparições dos carismáticos Pistoleiros Solitários. Em Milagres, os três investigadores não se envolvem muito, de forma íntima, fato assegurado pelo pouco tempo de relacionamento que eles têm, mas isso contribui para não dar muito humor à minissérie, deixando-a também com um tom sombrio, mas não tanto quanto à horripilante e premiada Millennium, também outra criação do “mago” Chris Carter. O clima de terror de Milagres deve muito ao seu produtor executivo, David Greenwalt, co-criador da famosa série vampiresca Angel.

            Além das séries já citadas e mesmo sem ter casos de possessão demoníaca Milagres me lembrou em alguns aspectos o filme O Exorcista (1973), de William Friedkin, tanto na melodia ao piano da música de abertura (semelhante à trilha sonora de mistério do filme) quanto na imagem de abertura, onde Paul se dirige à cidade com uma mala, semelhante à imagem que mostra o padre Merrin (Max Von Sydow) chegando à residência familiar perturbada pelo Mal. Veja as imagens.




           O tom escuro de Milagres mais seus casos intrigantes provocam calafrios no fim de alguns episódios, quando se consegue acalmar um espírito, mas este sempre volta para dar um recado final. Entre tantos fatos totalmente sobrenaturais a minissérie aborda um tema de ficção científica, a conexão temporal momentânea entre séculos, no oitavo episódio (The Battle at Shadow), quando um soldado da Guerra Civil norteamericana consegue entrar por alguns minutos no nosso tempo procurando por notícias de sua família. Esse é o único episódio que não envolve diretamente o mundo sobrenatural povoado por fantasmas e outras criaturas.

            Até o episódio seguinte (Mother´s Daughter) Milagres me causou calafrios, mas depois, caminhando para sua conclusão, as estórias focam mais nos dramas das pessoas e famílias envolvidas com os fenômenos sobrenaturais. Isso acontecia antes, mas se intensifica após o meio da obra, provocando uma perda do terror que a minissérie mostrava até então, porém, mantendo sua qualidade. No penúltimo episódio, por exemplo (The Letter), vários mortos escrevem cartas aos seus parentes por meio de um prisioneiro que está no corredor da morte, mas o foco do episódio é a opinião dos familiares sobre isso.


           Outro episódio interessante é o décimo (Saint Debie), quando os três detetives vão a uma cidade do interior para investigar o caso de uma possível santa, uma garçonete chamada Deborah que se cura de qualquer ferida, desde facadas no pescoço à picadas de cobra. Paul desconfia de tudo e Evelyn e Keel provam que era tudo armação envolvendo o prefeito da cidade para promover o turismo. No entanto, no fim do episódio Deborah escapa “milagrosamente” da morte certa. O episódio então aborda os falsos milagreiros e o milagre enquanto concepção cotidiana, como o acontecimento de um evento que tem pouca probabilidade de acontecer, mas que acontece.

            Milagres caminha para o seu fim com um teor mais dramático do que aterrorizante, mas no último episódio (Paul Is Dead) há um retorno às aparições de Thomas e assim aquela velha escuridão volta, mas muitas perguntas ficam sem respostas (como os casos de hemografia), semelhante à inesquecível série Twin Peaks dos mestres David Lynch e Mark Frost. Ah, e antes que você queria me mandar de volta ao outro mundo após ler o título do último episódio, informo logo que não, Paul não morre.



          Na sua noite de estreia, no dia 27 de janeiro de 2003, Milagres chegou ao quarto lugar de audiência. Mas após a exibição de três episódios o espetáculo ficou suspenso por várias semanas. Segundo o seu criador Richard Hatem: “Por várias razões”. Mas pouco depois mais três episódios foram exibidos até o cancelamento das transmissões em 3 de abril de 2003. Os sete episódios restantes não foram exibidos nos EUA, contudo, a VisionTV do Canadá os transmitiu. No site Amazon.com é possível encontrar o box em DVD da minissérie. Mais abaixo pus o link.

Os poucos dados que temos apontam o fim da minissérie por motivos financeiros e de audiência, mas como disse antes, Milagres é underground e não se tem muitas informações seguras sobre a série. Não apenas as perguntas abertas, mas o próprio tom do último episódio deixa um desejo de mais, mais casos, mais mistérios, mais milagres, mais escuridão...

-Talvez estejamos aqui embaixo por nossa conta.
- Qual o sentido da fé se ela nunca é testada?       
(Diálogo entre Paul Callan e padre Calero).



Links Para Download

Episódio 01 – The Ferguson Syndrome


Episódio 02 – The Friendly Skies




Sites Pesquisados




sábado, 8 de dezembro de 2012

Literatura: O Apanhador no Campo de Centeio

O Apanhador no Campo de Centeio

Por Thiago Damasceno

            Há trinta e dois anos, na noite de 08 de dezembro de 1980, o astro pop John Lennon morria após ser baleado por Mark David Chapman enquanto voltava para seu apartamento em New York. O perturbado assassino, fã dos Beatles e de Lennon, ficou no local do crime e no julgamento disse ter lido uma mensagem ordenando-o a matar o ex-Beatle. Essa mensagem, segundo Chapman, estava no livro O Apanhador no Campo de Centeio. Chapman foi condenado à prisão perpétua e está preso até hoje numa cela individual. O livro, que já era famoso, ficou ainda mais e recebeu taxações de “livro de psicopatas”, “manual de deliquência”, etc. Claro que o autor pensa algo ao compor uma obra e os leitores, outra coisa. Uma questão de interpretação. E não foi a leitura de um livro que transformou Chapman em um assassino. O caso é muito mais delicado e complexo, mas vamos ao romance considerado um precursor da contracultura da década de 1960.

“É engraçado. A gente nunca devia contar nada a ninguém.
Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo”.
(Holden Caulfield, protagonista de O apanhador no Campo de Centeio)

Jerome David Salinger


O autor de O Apanhador no Campo de Centeio nasceu em New York no dia primeiro de janeiro de 1919. Filhos de judeus de classe média branca, Salinger cresceu em um apartamento em Manhattan. Estudou durante três anos na Academia Militar de Valley Forge e em 1939, antes de ir para a Segunda Guerra, estudou contos na Universidade de Columbia. Na guerra, se alistou na infantaria e participou da invasão à Normandia.

J. D. Salinger teve uma vida amorosa movimentada. Em 1945 se casou com Sylvia, uma médica, se divorciando no mesmo ano e casando-se com Claire Douglas, também se divorciando desta em 1967. Nessa época Salinger já vivia em certa reclusão e se interessava pelo zen budismo. Nos anos 1980 namorou a atriz Elaine Joyce, mas depois se casou com a enfermeira Colleen O´Neil, quarenta e cinco anos mais jovem que ele. Ambos adotaram a reclusão e o silêncio, vivendo em Cornish, no estado de New Hampshire. Desde 1980 Salinger não dava entrevistas nem permitia que lhe fotografassem. Fato talvez relacionado com o alarde da mídia em volta do seu romance principal e da morte de Lennon.

O Apanhador no Campo de Centeio foi publicado pela primeira vez em 1951, quando Salinger tinha 32 anos. Foi um sucesso de público e crítica internacional, vendendo mais de 60 milhões de cópias no mundo. Mas seus primeiros trabalhos, na forma de contos, são da década de 1940, publicados em revistas como Story, Saturday Evening Post, Esquire e The New Yorker. Há mais livros seus editados no Brasil, como a coletânea de contos Nove Estórias e Franny & Zooey e os romances Carpinteiros, Levantai Bem Alto a Cumeeira e Seymour: Uma Introdução.

O talentoso escritor morreu há poucos janeiros, aos 91 anos, de causas naturais, segundo seu filho, em sua casa em Cornish no dia 27 de janeiro de 2010. Estava sem publicar um trabalho há mais de quatro décadas.


A Obra

Comentário Geral

            O Apanhador no Campo de Centeio tem como narrador o personagem protagonista, Holden Caulfield, jovem nova iorquino de dezessete anos que estuda na Escola Pencey, um colégio interno. Holden se encaixa no estereótipo social do jovem delinquente ou marginal: usa frequentemente álcool e cigarro, não estuda direito e é indisciplinado, de forma que sempre é “convidado a se retirar” das escolas, xinga muito e dificilmente respeita algum colega de quarto, alguma garota ou professor.

            As únicas disciplinas em que ele se dá bem é História e Inglês, principalmente esta última. Os professores por quem ele simpatiza lecionam inclusive, nesses campos: o velho professor Spencer, de História, e o professor Antolini, de Inglês. Holden tem rejeição pelo mundo adulto, onde estão incluídos a escola, os políticos, a família e os trabalhadores consumistas. Para Holden o mundo adulto é um lugar carregado de mentiras, maus costumes, hipocrisias, preconceitos e guerras. Ele odeia os dias em que os antigos alunos, já adultos e pais de família, vêm visitar sua escola. Odeia também pequenos costumes como dizer “Foi um prazer conhecer você” quando um estranho é apresentado a outro. Para ele tudo isso sustenta coisas que não são exatamente como queremos. Constantemente ele afirma sentir-se deprimido e com vontade de se matar. Mas Holden não anda deprimido à toa. Ele piorou após a morte do seu irmão Allie, chegando a quebrar todas as janelas da garagem de sua casa com as mãos nuas, sendo levado para o hospital. Ele também presenciou um colega se jogar da janela do seu quarto quando alguns valentões da escola fizeram algo com ele. O discurso de Holden sugere algo sexual. Seu discurso também sugere abuso sexual por parte do seu professor Antolini, quando este alisa a cabeça de Holden de madrugada, quando o jovem foi dormir na sua casa em busca de abrigo antes de voltar para a casa dos seus pais. Imagine a decepção do garoto, ser molestado por um dos poucos adultos em que ele confiava.
           
Holden é inconformado com seu mundo, mas carrega um afiado senso de observação e crítica. Diz que seu irmão D. B. é um bom escritor de romances e contos, mas que se prostituiu quando começou a trabalhar em Hollywood escrevendo roteiros para filmes comerciais. Também crítica os opinadores de arte que querem parecer críticos e as pessoas que querem criar imagens de intelectuais e garotas e garotos, homens e mulheres, querendo passar uma imagem de pessoas decentes e respeitáveis. Definitivamente, Holden não se sente bem neste mundo norteamericano da década de 1950, mundo semelhante a muitos outros pelo globo em diversas épocas.

Porém, há algo que Holden admira: as crianças, principalmente Phoebe, sua irmã mais nova, com onze anos. As crianças são sinceras e espontâneas e ele vê isso como boas qualidades.  No final da obra, conversando com Phoebe, ela lhe diz que ele não gosta de nada. Ele diz que sim e ela lhe pergunta o que ele realmente quer. Holden diz que quer ser um apanhador num campo de centeio. Ele imagina muitas crianças (a sua geração, talvez) brincando em um campo de centeio que fica em um penhasco. Ele se vê parado na beira do penhasco impedindo as crianças de caírem, caso elas seguissem para o precipício. Mas elas cairiam para onde? Para o mundo adulto.

“Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto. – quer dizer, ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única que eu queria fazer. Sei que é maluquice”.
(Holden Caufield)

            Abaixo, Salinger na capa da revista Time em 1961 e ao fundo, uma arte sobre o trecho acima.


Aspectos Literários

            Os trechos da obra que reproduzi mostram que a narrativa de O Apanhador tem uma linguagem cotidiana. É uma narrativa que se aproxima mais da linguagem falada do que da linguagem escrita. É um “skaz”, palavra russa que designa uma narrativa em primeira pessoa que mais lembra um texto falado. Assim, lê-se O Apanhador de forma muito rápida. Como é o personagem protagonista quem narra, ao leitor é transmitida a impressão de veracidade. Holden dá seu testemunho escrito inspirado talvez, no ofício do seu irmão, D.B., e ele narra do hospital em que foi internado após cortar as mãos ao saber da morte de Allie, seu irmão: “E, afinal de contas, não vou contar toda a droga da minha autobiografia nem nada. Só vou contar esse negócio de doido que me aconteceu no último Natal, pouco antes de sofrer um esgotamento e de mandarem para aqui, onde estou me recuperando”.

            No fim de seu relato, Holden diz que voltou para casa após ser expulso do Pencey e que passou a se consultar com um psiquiatra. Quem ainda não leu o romance não precisa encarar essa informação como algo ruim, O Apanhador não é uma narrativa tradicional com início, desenvolvimento, clímax e desfecho, é um relato do personagem principal, cheio de reflexões sobre diversos temas a qualquer momento e digressões. Por isso Phoebe chama Holden de doido, porque quando ele conversa, ele vai de um assunto a outro rapidamente. O jovem rebelde, de forma clara e definitiva, só quer narrar a “coisa de doido” que lhe aconteceu no último Natal. A estória toda dura um pouco mais de 24 horas, entre sua saída do Pencey antes de sua expulsão oficial e os dias que ele vaga por New York com medo de voltar para casa e encarar os pais.

A linha narrativa de O Apanhador se assemelha ao chamado “fluxo de consciência”, recurso relacionado com o movimento de sensações e pensamentos na mente humana. O termo foi criador pelo psicólogo William James e usado por críticos literários para analisar as obras, por exemplo, de James Joyce e Virginia Woolf, representantes autênticos desse recurso.

As duas técnicas usadas para representar a consciência na prosa são o monólogo interior e o discurso indireto livre. No caso, de O Apanhador, a narrativa se aproxima do monólogo interior, onde o sujeito do discurso, o “eu”, fala ao leitor, que o “escuta”. James Joyce em Ulisses (1922) usa a técnica de monólogo interior de forma brilhante. Segundo meus atuais e incipientes conhecimentos literários, o romance de Salinger se aproxima do fluxo de consciência e do monólogo interior. Se aproxima.
           
            Sendo mais próxima da fala do que da escrita, são facilmente percebidos os recursos usados pelo autor para causar esse efeito na narrativa. São perceptíveis muitas repetições, fato que vai contra a forma de escrever com variações, considerada elegante. Repete-se principalmente gírias e palavrões, termos mais próximos do mundo adolescente, como “droga”, “otário”, “grande coisa” e “fim da picada”. A figura de linguagem denominada hipérbole, bem cotidiana,  também é facilmente vista  em expressões exageradas e informais como “Parecia que os dois não se viam há vinte anos”, “A danada da Phoebe ficou calada um tempão”, “Acho que ele quebrou todos os dedos do corpo” e muitas outras.  Essa narrativa mais falada e coloquial do que de acordo com o padrão de escrita foi iniciada por Mark Twain e também usada por Ernest Hemingway, ambos norteamericanos tais quais Salinger, demonstrando a intenção dos romancistas norteamericanos em se afastar das tradições literárias herdadas da Europa.

            Além desse estilo narrativo fácil de ser observar, mas difícil de escrever, há uma poesia interessante em O Apanhador, que chega ao seu máximo na metáfora que Holden faz de si mesmo como apanhador das crianças que irão cair no precipício.

Contexto Histórico da Obra: Guerra Fria e Outros Conflitos

“De qualquer maneira, até que achei bom eles terem inventado a bomba atômica. Se houver outra guerra, vou me sentar bem em cima da droga da bomba. E vou me apresentar como voluntário para fazer isso, juro por Deus que vou”.
(Holden Caulfied)

            É importante destacar o período em que Salinger estava quando criou sua atraente obra, assim como outras obras importantes do mesmo período. Eram os anos pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a época da chamada Guerra Fria. Em poucas palavras, os livros didáticos e o senso comum defendem a Guerra Fria como um momento de conflitos ideológicos, políticos e econômicos entre dois blocos antagônicos, os EUA, representantes do capitalismo, e a União Soviética, representante do socialismo. Porém, essa breve análise, apesar de famosa e bem aceita, é simplista. Sabe-se que, tendo ambos propriedade privada (mesmo estatal, no caso da URSS) e desigualdades sociais gritantes, as duas potências tinham como sistema políticoeconômico o capitalismo. Havia um conflito? Claro que sim, mas não era um conflito entre capitalismo (bem) contra o socialismo (mal), era um conflito entre impérios. Se houvessem dois impérios romanos no passado, obviamente eles iriam guerrear pelo poder, assim como EUA e URSSA após a “droga da Segunda Guerra”, como quase com toda certeza diria Holden Caulfield. O discurso de que o conflito era entre capitalismo e socialismo é uma construção norteamericana para dar aos EUA o direito de guerrear e a “razão” dos fatos.

            Saindo territorialmente ilesos e vencedores da Segunda Guerra, os EUA cresceram economicamente no período posterior ao conflito. Foram criadas instituições de consumo como supermercados, shopping centers e discotecas, levando a um estilo de vida consumista que é chamado de “Modo de Vida Americano”, o famoso “American Way of Life”. Nessa mesma época a população jovem cresceu, fenômeno denominado “Baby Boom”, e logicamente, o mercado acompanhou essa mudança demográfica. Esse mercado também é chamado pelos estudiosos sociais de “indústria cultural”, termo que designa a apropriação, por parte da indústria, de elementos da cultura erudita e da cultura popular, fabricando e distribuindo-os de forma generalizada, para todas as classes sociais, enfim, de maneira industrializada, aliada à propaganda e as linhas de crédito, alimentando assim, o consumo. É desse período o desenvolvimento de nossos hábitos consumistas e familiares, da típica família norteamericana de classe média branca com marido trabalhador, uma esposa dona-de-casa, dois filhos responsáveis pelo futuro da nação, uma casa linda com um gramado aconchegante, um carro novo na garagem para dar status à família e um cachorro chamado Jack ou Spike.

            Nesse contexto surgiu a chamada “cultura jovem”, fruto tanto da expressão de descontentamento dos jovens com uma sociedade tecnológica, mas com valores morais arcaicos (o racismo e o culto à guerra, por exemplo) quanto fruto de uma produção industrial voltada para o forte mercado consumidor que a juventude de classe média branca formava (e ainda forma). Uma manifestação juvenil no campo da música, surgido no período, foi o rock, que mesmo tendo certo teor de crítica (mais ainda na década de 1960) foi assimilado pelo mercado (assim como outras expressões, convertido em mercadoria e vendido). Para satisfazer a sede de consumo dos jovens havia (e há) uma gama de discos, aparelhos eletrônicos, revistas, filmes, etc. E uma característica da indústria cultural é essa, a conversão da cultura em mercadoria. Quase tudo é assimilado pelo capitalismo, transformando em mercadoria e vendido.

            O romance mais famoso de Salinger não é a única forma de expressão da cultura jovem daquele contexto da Segunda Guerra-Guerra Fria, crescimento da indústria cultural e da juventude nos EUA. As obras Pergunte ao Pó (1939) de John Fante e On The Road - Pé na Estrada (1957) de Jack Kerouac possuem características que também estão presente em O Apanhador, como o uso de drogas (embora não apareçam drogas ilícitas na obra de Salinger), desejo de viagens, críticas às guerras e ao cotidiano norteamericano, marginalidade juvenil e o sentimento de inquietação dos jovens frente a um mundo adulto, consumista e hipócrita que não os compreende.

            Assim como os protagonistas de Pergunte ao Pó (Arturo Bandini) e On The Road (Sal Paradise) procuram viajar para esquecer, lidar, criticar ou simplesmente fugir rumo ao oeste e sair desse mundo louco que poderia acabar a qualquer momento com uma guerra atômica, Holden Caulfield deseja também ir ao oeste, trabalhar num posto de gasolina e viver numa casa de campo, longe de tudo e de todos por boa parte do tempo. Os protagonistas dos três romances também são escritores (ou aspirante a esse ofício) e criticam não só o sistema em que vivem, mas a reprodução desse sistema no cotidiano, por meio das pessoas que defendem os políticos e a guerra e atacam os negros, mulheres, latinos e comunistas, enfim, condenam tudo que é diferente.

            As três obras são semelhantes, mas O Apanhador é considerado por muitos como o precursor da contracultura, movimento de crítica aos padrões tradicionais e vigentes da cultura no campo da arte e da política, cujos importantes representantes foram os hippies nos anos 1960, o feminismo e o movimento dos negros liderados tanto por Martin Luther King Jr. quanto por Malcolm X. Pergunte ao Pó veio antes de O Apanhador, mas esta última obra critica mais o chamado sonho americano, esse mesmo sonho bobo que temos até hoje de sermos grandes e “vencedores na vida” comprando coisas e esbanjando dinheiro e felicidade (?) a qualquer custo. Mais tarde, no final da década de 1950, On The Road criticou ainda mais essa forma de vida.

            O Apanhador no Campo de Centeio é um tapa na cara bem de todos nós. Mesmo tendo o discurso de um adolescente que aparenta ser apenas mais um rebelde, nos perturba e nos leva a pensar, como todo boa obra de arte faz e deve fazer.


Comentários Sobre O Apanhador (Retirados de Folha OnLine)

"Li 'O Apanhador' na adolescência e fiquei louco com aquele livro cheio de verdades e escrito numa linguagem coloquial como eu nunca tinha visto antes. Imediatamente comecei a escrever um romance, que depois não foi pra frente. Depois, já aos vinte e poucos anos, li os outros livros do Salinger. Me impressionaram tanto quanto 'O Apanhador', ou ainda mais. Seus personagens parecem pessoas de carne e osso, e não meros fantasmas feitos de palavras. Até hoje é como se eu tivesse conhecido de fato a família Glass. Aprendi muita poesia com Seymour, e sou completamente apaixonado pela Franny."

Fabrício Corsaletti, 31, autor de "King Kong e Cervejas" e "Golpe de Ar"

"Faço parte de uma geração para a qual ele foi um grande ícone. Apesar de essa ser uma geração sem fronteiras. Não há escritor contemporâneo que tenha trabalhado com personagens jovens, para um público não necessariamente jovem, como ele. Salinger se beneficiou muito do boom da literatura magazines. A 'New Yorker' foi sua principal vitrine. A razão para o sucesso alcançado por Salinger foi aquilo que ele escreveu e aquilo que ele não escreveu, já que, no final da vida, tornou-se um recluso e parou de publicar. E a figura de um escritor que não escreve é sempre intrigante, fascinante. Isso ajudou a criar um mito."

Moacyr Scliar, médico, escritor e colunista da Folha

"Li quando era garoto. Adorei. Tem uma identificação imediata com o adolescente porque tem uma dicção muito particular, tem essa coisa da família disfuncional, que é algo com o que você se identifica. Tem um texto do 'Nove Estórias' que chama 'Um Dia Bom para Peixes-Bananas' que é a história de um garoto que admira muito o irmão mais velho e que, no final, ele está narrando sem querer o enredo de um suicídio. Esse conto me marcou muito como uma coisa importante pra mim. É uma espécie de um dia na praia contado pelo irmão mais novo, a história, no subtexto, é de um cara que está desesperado e que vai acabar se matando.
Salinger criou uma imagem do recluso que foi usada pra caramba pelo Don Delillo, que usou um escritor à imagem do Salinger. O que é maravilhoso e trágico é a ideia de que não dá para ser escritor sem corresponder à expectativa dos outros. É preciso ter uma coragem muito grande para romper com esse vício. E tem uma coisa bonita na figura do Salinger, ao recusar o contato ou sucumbir ao isolamento. É uma imagem muito sedutora. É claro que tem um desespero nesse isolamento. Para não virar uma repetição de si mesmo e responder a uma ideia e a uma demanda de mercado da cultura de massa.
Quando mais ele se isolava, mais ele criava uma mística em torno da ideia do escritor e menos ele conseguia sair daquilo. É quase como se fosse um suicídio. É um puta escritor, de primeiro time."

Bernardo Carvalho, 49, autor de "Nove Noites" e "O Sol se Põe em São Paulo"


Referências

BRANDÃO, A. C. e DUARTE, M. F. Movimentos culturais de juventude. São Paulo: Moderna, 16ª Edição, 1996.

Folha OnLine. Morre o escritor J.D. Salinger aos 91 anos. Disponível em

Folha OnLine. Leia repercussão da morte do escritor J.D. Salinger. Disponível em

LODGE, David. A arte da ficção. Porto Alegre: L&PM, 2011.

SALINGER, J. D. O apanhador no campo de centeio. Editora do Autor.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Portuguesando: Vende-se Côco e Humos?

Portuguesando
Dicas Rápidas de Português

Por Thiago Damasceno

            Repare o que o cartaz da foto abaixo anuncia:


CALDO DE CANA
CÔCO GELADO

            Caso alguém seguisse a norma culta da nossa língua ao pé da letra, ficaria irado com o mau uso do acento circunflexo. Mesmo assim sabemos que o cartaz se refere ao “coco”, a fruta. O termo “coco”, segundo o Aurélio Escolar, também significa “bactéria esférica ou ovóide”. Como ninguém vende bactérias geladas (Me vê aí uma colônia de cocos trincando!) continuamos sabendo que o anúncio se refere à fruta. Nesse contexto há um caso de homografia, já que temos palavras de grafia idêntica e significados diferentes. Além dos significados, nessa situação as pronúncias também são diferentes, fato que não é obrigatório para todos os casos de homografia. O “coco” fruta tem as vogais pronunciadas como “ô”. O “coco” bactéria tem as vogais pronunciadas como “ó”.
           
            Mas, e enquanto a “côco”? Bem, nossos dicionários não registram esse termo, mas registram “cocô”, que quer dizer “fezes”. Também há “cocó”, que se refere a um penteado feminino. Então, um breve resumo de significados pra você não sair fazendo cagada por aí:

coco – fruta; bactéria esférica, depende do contexto e pronúncia.

cocô – excremento.

cocó – penteado feminino em que se enrodilham os cabelos, coque.

            Para os piores entendedores, o cartaz deveria estar assim:

CALDO DE CANA
COCO GELADO

            Outro caso interessante para recorremos ao nosso amigo Aurélio:


           O termo “humo” significa “produto de decomposição parcial de restos vegetais ou animais, que se acumulam no chão florestal, onde enriquece o solo”. Aquela definição que aprendemos na terceira série (atual quarto ano) e nunca esquecemos. Há registro de “humo”, mas não há registro do que seria seu plural, “humos”, mas se tem registro de “húmus”, termo mais usado e com o mesmo significado.
           
           No caso do cartaz acima, seria melhor usar “húmus” ou “humo” e deixar as minhocas africanas com sua cultura africana mesmo (lembre de lhes pedir os passaportes e carteiras de trabalho).