ThiagoDamasceno: agosto 2012

domingo, 26 de agosto de 2012

Poemas: A Boceta, “Precisância”, Intenção


A Boceta

Os menores de idade, por favor
Não deem risadinhas
Os maiores de idade, por favor
Não finjam que levam a sério

Enfiei o que podia na boceta
Algumas bocetas são que nem coração de mãe:
“Sempre cabe mais um”
São tão úteis e práticas, as bocetas
Sem contar, obviamente
Que é sempre um enorme prazer ter uma boceta em mãos,
em casa ou em qualquer outro lugar




Uma boceta, segundo o Aurélio,
é uma pequena caixa redonda...


Thiago Damasceno


“Precisância”

Preciso ser eu mesmo
Preciso ser como os outros

Preciso ser lindo
Preciso ser esteticamente modesto

Preciso ser inteligente
Preciso ser um estúpido simpático

Preciso “pegar” todas as meninas
Preciso casar virgem

Preciso morrer por quem amo
Preciso posar de vítima

Preciso ganhar a Copa do Mundo
Preciso ceder lugar aos mais fracos

Preciso rezar aos domingos
E me profanar no barzinho às sextas-feiras
Preciso ficar rico
E doar tudo aos pobres

Preciso ler Drummond
Preciso ler Lobato

Preciso comprar o carro do ano
Preciso fazer caminhada

Preciso fazer História
Preciso parar de contar lorotas

Preciso escrever com erudição
Preciso que alguém me entenda

Preciso salvar o mundo
Preciso que alguém me salve

Preciso ser herói dentro dessa vilania


Thiago Damasceno

Intenção
A cidade é mutante
mais ainda as pessoas
tudo passa na velocidade
de um olhar desatento

o fascinante enche os olhos
impossível pra uns
oportunidades para outros


Uma vida vazia
um apartheid entre coração e mente
um inocente levado a prisão

amigos de verdade
canções perdidas na gaveta
quanto vale cada semana?
quando vale apena?

grato pela intenção
as vezes falta luz
pão e diversão
e ainda assim alguém
em um canto desse país
insiste em não parar
no meio do caminho

um bom guerreiro
armado até os dentes
de um lado um simples alforje
recolhendo os que ficaram
de outra a bandeira
sua força de vontade.

Luciano Noleto



domingo, 19 de agosto de 2012

Música: "Nostalgia Moderna"


Por Luciano Noleto


         Galera, essa é uma música nova da Blackout, banda de Carolina-MA, filiada à juvenil dupla Viajante Clandestino. Baixem gratuitamente e curtam o som! 


         Nostalgia Moderna trata de um personagem da atualidade, um jovem revoltado com a coisa do tédio. Então lhe bate a nostalgia de não saber nem quem ele é e que todos somos iguais, pois sofremos o mesmo sofrimento. Existe também o seu tédio com as novas invenções que surgem para nos entreter, mas  que de nada adiantam senão para preencher um vazio existencial que nunca irá acabar. Ele também reflete que não pediu pra nascer, que simplesmente nasceu por uma fatalidade e manda todo mundo se ferrar pois está cansado da mesmice de sempre, como se isso fosse um grande alívio para sua alma cativa. 

         Esses são seus pensamentos sobre sua atual condição, que pode ser entendida e partilhada por muitos outros jovens. 
          Créditos a Heitor Lopes, (Violão, contra-baixo , cajon, gravação e mixagem) e Luciano Noleto (voz). 



domingo, 12 de agosto de 2012

Crônicas das Férias: O Crepúsculo de Julho


O Crepúsculo de Julho

Por Thiago Damasceno

de Carolina-MA
            

         Se eu citar a budista frase de Jack Kerouac “A beleza das coisas deve estar no fato de terminarem” vou me repetir, mas é isso mesmo. Acabou-se a “turnê” da banda Blackout, acabou-se a euforia, tem gente indo embora, acabou-se o movimento noturno, acabaram-se as festas. Acabou-se: É o começo de tudo. O começo de coisas novas, ou melhor, de velhas coisas novas. Talvez tudo aconteça de novo.

de Goiânia-GO
            
         No sábado, dia 28, após voltar da nossa apresentação musical no festejo de Filadélfia-TO, fui à casa de uma amiga. Descobri que ela iria embora no dia seguinte. Foi então que caiu a minha ficha. No decorrer dos dias, mais pessoas estavam indo embora e a euforia que era tão presente, lentamente se dissipava, deixando os mesmos rostos de volta à cidade, deixando as mesmas ruas com a lentidão habitual. Enfim, o marasmo pouco a pouco impregnava na pele. As possibilidades, antes numerosas, ficaram reduzidas.

       Ainda bem que o grupo de amigos mais próximos permaneceu e assim, pudemos inventar algumas aventuras na noite/madrugada, como gravar algumas músicas do Viajante Clandestino, tocar violão, sair pra comer, conversar no píer da beira rio, andar por escuros e perigosos matagais só pra cortar caminho, etc.
            
         A ida de um velho amigo que já não era mais o mesmo já havia sido superada. Uma garota que eu não havia visto direito e foi embora, voltou e pudemos nos ver de novo. Uma festa na Itapoã não vingou. Acabou cedo e com poucas pessoas. Ao menos nossa garrafa de vodka rendeu histórias pra contar, incluindo uma pequena aventura no subúrbio da cidade, rumo a uma “festa” na casa de um cara semidesconhecido, que também não rendeu nada. Luciano, Orleans e eu nos embrenhamos por ruas e ruelas até então desconhecidas por mim, que achava que conhecia minha cidade como as letras das minhas canções. A zona era escura e perigosa e havia apenas uns 10 gatos pingados no local da “festa”, incluindo alguns corpos femininos desinibidos.

         As aventuras amorosas que aconteceram no fim do mês não foram tão emocionantes e calientes como os famosos “romances de verão”. É... Havia alguma coisa no ar, mas não era mais a excitação julhística.
            
        No meio dessa calmaria, quando voltava pra casa de madrugada, lembro de parar no meio das ruas solitárias e olhar pra Lua minguante. Eu levei meu telescópio pra cidade e comecei a observar a Lua na sua fase crescente. Nem percebi quando ela entrou pra fase cheia de tanta coisa que eu fazia. No silêncio da madrugada percebi ela nascendo minguante, sinalizando que as coisas estavam diminuindo, chegando ao fim. 




         Lua, Sol, rio, ar de verão... Passei a ouvir mais Lulu Santos, inclusive músicas “praieiras” como Sereia, De Repente Califórnia e Como Uma Onda No Mar (Zen Surfismo). Esta última, musicada por Lulu e com letra de Nelson Motta, se assemelha às ideias do conceito de eterno retorno nietzschiano que expus um pouco no texto anterior.

“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como um mar
num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu a um segundo
tudo muda o tempo todo no mundo
Não adianta fugir nem mentir pra si mesmo, agora
há tanta vida lá fora, aqui dentro, sempre
como uma onda no mar, como uma onda no mar...”

         Essa letra clara diz tudo. A existência é uma onda que vai sempre trazer de voltas emoções que sentimos antes e agora. Deixei a cidade onde mais me sinto em casa pela vida que pulsa aqui, uma vida que pensei que esqueci enquanto vivi outra rotina. Goiânia traz novidades, trânsito intenso, barulho, pessoas apressadas, comprometidas e comprometedoras, estudos, leituras, discussões, faculdade, solidões, cansaços, risos, sertanejos universitários, roqueiros cabeludos, cultura caipira, cultura urbana, autoconhecimento, passado, presente e futuro.
            
           No entanto, tudo isso não foi o suficiente pra reter minhas lágrimas enquanto o ônibus em que eu estava deixava Carolina. Não consegui segurar o choro quando deixava a cidade atravessando o rio Tocantins e ouvindo “Tudo Outra Vez” de Belchior e Fagner;

“Há tempo muito tempo que eu estou longe de casa
E nestas ilhas cheias de distância
o meu blusão de couro se estragou...

E vou viver as coisas novas que também são boas
O amor, o humor nas praças cheias de pessoas
Agora eu quero tudo, tudo outra vez...”




            Quero outra vez Carolina com suas praças cheias de pessoas, seus dias e noites cheias de possibilidades. Como diz o poeta goiano Afonso Felix de Sousa, quero “a sede, a sede de beber a vida em infinitas viagens... A impaciência de que chegue a manhã e a praia, a tarde e o amor”. Mas foi com essa sede que me senti atraído na manhã da quinta-feira passada quando vi, do ônibus, os prédios de Goiânia ao longe, enfeitando o horizonte. Mesmo triste, fui atraído por essa urbanidade caipiresca.
            
               Que venham as outras férias! Enquanto isso, vou bebendo a vida em infinitas viagens e, longe do cenário e dos personagens que atuaram em julho, agora eu quero tudo, tudo outra vez. 



Fotos: Vilmar Lima Rego





terça-feira, 7 de agosto de 2012

Crônicas das Férias: A Explosão de Julho


A Explosão de Julho


Por Thiago Damasceno
           
I
             

          Sol: o astro principal do nosso sistema estelar. Seu campo gravitacional mantém planetas, satélites, asteroides, meteoroides, cometas e planetoides girando ao seu redor, sem contar todos os instrumentos espaciais construídos pelo Homem, incluindo toneladas de lixo espacial. Em Carolina o Sol é impiedoso, gritante, cortante, homicida. Transmite uma espécie de calor que no contexto do norte do Tocantins e do sul do Maranhão pode ser compreendido como algo maior e mais existencial: a “quentura”, termo popular que define esse estado de “agonia existencial provocada pelo calor”. Há um tom humorístico nisso tudo, mas a questão é bem séria.
            
           A quentura consiste na “massa de calor” que assola o cidadão por todos os lados. Sinto arrepios e a pele começa a arder só em pensar nisso. É angustiante andar debaixo do Sol abrasador da tarde. Banhar adianta um pouco, mas vive-se molhado de suor. Com essas características julho explodiu com toda sua atmosfera de euforia sem roteiros. Quando digo “sem roteiros” quero comparar as férias a uma peça ou a um filme sem muito planejamento. Boa parte dos bons momentos das férias aconteceram sem muitos planos, com certa espontaneidade, tendo como cenário o ceú azul tranquilo e cruel, o calor escaldante, a noite estrelada, a Lua hipnotizante, uma galera animada e a agitação correndo pelas ruas. 



           Sob uma visão geral, houve a rotina, a uniformidade julhística que era: acordar tarde da manhã, inventar algo à tarde (cinema, música, vídeogame) e farrear rasgando a madrugada pra novamente acordar tarde no dia seguinte. Essa foi a base do cotidiano de férias, com algumas variantes. Não vou narrar nenhum caso específico porque envolve pessoas não tão íntimas ao meu grupo social e isso suscitaria mais polêmicas do que as levantadas aqui.
             
         Eu saía à tarde lutando contra o sono e com a pele queimando sob o Sol. Consegui assistir, com amigos, toda a saga Star Wars. Discutimos e apontamos as etapas da Jornada do Herói, presente também em muitos outros filmes. Também vimos o famoso seriado Dr. House. Nas primeiras noites saí muito com amigos pra beber e andar pela cidade até a madrugada. Um dos points da galera da insônia é a beira rio, reformada pela empresa CESTE após a construção da Usina Hidrelétrica de Estreito, cidade próxima de Carolina. A beira rio ficou bonita e organizada, mas é sempre bom lembrar as indenizações ainda não pagas pelo CESTE aos atingidos pela obra e os danos ambientais causados pela construção da usina. Isso não é novidade pra ninguém, assim como a pilantragem política que continua em Carolina, inserida nesse contexto de “construção de obras compensatórias” ao rebanho bem desinformado chamado “povo”.
            
          Desde que me entendo por gente e muito antes disso, o cenário político carolinense é dominado por dois grupos: os partidos ou coligações popularmente chamados de “Pé Rachado” e “Pé Liso”, que literalmente alternam-se no poder. Agora vêm aparecendo outros “partidos” na cidade com o velho discurso do “Agora vai ser diferente, agora vamos mudar!”, mas no fundo, são apenas as uniões das mesmas personalidades políticas. Vi a lista de alguns candidatos ao Legislativo e compreendi isso. No fundo, é muita ingenuidade acreditar que a “democracia” permite um bom governo porque envolve várias pessoas. Na verdade, envolve sempre grupos, um número pequeno de pessoas, que não representa a maioria, o povo, mas seus próprios interesses e o interesse daqueles que patrocinam suas campanhas. Além do mais, essa “democracia” não é exatamente uma democracia, um regime da liberdade, pois você é obrigado a votar e quando vamos escolher candidatos, escolhemos de maneira limitada porque temos que votar nos cidadãos que os partidos escolheram. Ou seja, escolhemos quem já foi escolhido. Ora, essa é a melhor maneira do povo ter representatividade política? E eles ainda mentem sobre nossa liberdade voto. Quem são eles, quem eles pensam que são?
             
         Uso essa introdutória abordagem política pra falar sobre o que fizemos na terça-feira, dia 24 de julho. Me uni com amigos, os velhos e onipresentes companheiros da banda Blackout (Luciano, Orleans, Bruno e Raimundo), com Heitor (Viajante Clandestino) e Lucas, da lendária banda Indígenas. Todos carolinenses e cientes do contexto político e artístico da cidade que muitas vezes não tem muito a oferecer à população. Instalamos um som amador (apenas duas caixas amplificadoras) na praça conhecida como praça dos Hots e tocamos de 23 hs até 3 e 30 da manhã com contrabaixo, violão, guitarra, gaitas, meia-lua e cajon. A praça possui cinco bares/restaurantes e fizemos questão de virar as caixas pro lado inverso ao dos estabelecimentos, pois eles não nos dariam nada em troca mesmo. Quem quisesse nos ouvir, que fosse pro outro lado.
             
          Também fizemos questão de falar sobre a situação política da cidade e a cantar isso nos medleys improvisados das músicas. O líder disso tudo foi Lucas, que frisou também a importância do voto de cada eleitor. Discordo dessa importância do voto, mas a crítica é válida. Falarei mais sobre essa noite nos textos que tratam exclusivamente sobre o cotidiano da Blackout. Mas registro que a noite foi rockeira, com som sujo, coragem e atitude.






         Essa noite foi o estopim de noites mais devassas. A partir de quinta-feira entramos numa torrente de agitação até então inédita pra mim. Na quinta e na sexta fomos pra festas e tocamos numa delas, tudo regado a álcool e às contemplações da aurora. Um pouco diferente (ou não) foi no sábado, quando fomos tocar no festejo religioso de Filadélfia-TO, cidade vizinha à Carolina, separada desta pelo rio Tocantins. Chegamos lá por volta de oito e meia da noite, tocamos em cima de um caminhão estacionado ao lado do templo católico principal da cidade, com a roupa do corpo mesmo (blusa, bermuda e havaianas) porque não tivemos tempo de voltar pra Carolina pra mudar de roupa. Só voltamos à nossa maranhense cidade por volta de duas da manhã. Fui dormir, profundamente esgotado, mas os demais companheiros ainda foram a uma festa na mitológica boate Itapoã. Mais sobre essas aventuras, nos textos sobre a Blackout.

Esse sábado foi o dia que mais fiquei fora dos eixos. Passei o dia todo praticamente alucinado, no mundo onírico, tentando acordar. Pela manhã estava com ressaca, dormi a tarde toda e quando me acordaram já foi logo pra entrar num carro rumo à Filadélfia. Quando voltei plenamente aos sentidos estava sob o cansaço, na madrugada, e resolvi dormir. No dia seguinte, domingo, impressionado com o fim da agitação dos dias, tive altos pensamentos sobre a vida, concluindo o que eu havia pensado dias antes...



II
             
           Continuando sobre os altos pensamentos sobre a vida... Mas antes, alguns poréns...
             
          Julho é o mês com o maior número de festas na cidade. O bagaço começa na quinta e para no sábado. As festas são embaladas por funk, música eletrônica, sertanejo universitário e rock. Este último está em menor quantidade, já que só um pequeno grupo juvenil da cidade (Blackout, Surt 100, reminiscências do Indígenas e aqui a e ali, mas em barzinhos, Viajante Clandestino) mantêm o gênero ativo. Música eletrônica e sertanejo universitário são os mais presentes nas festas. A música eletrônica, por favorecer uma dança contínua e assim, por cumprir a função de preliminar sexual, sendo o sexo um dos objetivos dos festeiros, começa a ser tocada após qualquer ritmo, marcando o início da metade da festa. E o batidão fica até o fim, chegando a enjoar os ouvidos a perpétua queda e subida de melodia. Não estou falando mal da música eletrônica, só estou dizendo que ela abusa após ser ouvida por três horas seguintes. Seu movimento melódico é constante e previsível.
            
         O sertanejo universitário da cidade se apresenta com duplas das redondezas e com o nativo Maurício Jr., renegado por outros nativos por simplesmente ser da terra, porque o jovem manda bem e tem uma boa aparelhagem. Várias vezes já ouvi e vi carolinenses comentarem: “Pagar pra ver o Maurício Jr.?”. Entra aqui a estúpida filosofia do “Santo de casa não faz milagre”. Quanta besteira não valorizar um artista da terra só porque você vê o sujeito andando na rua. Só se valorizaria o cara se ele chegasse num disco voador? Isso já aconteceu comigo e outros amigos também. O pior é que quem não valoriza o artista da terra tem a cara de pau de perguntar, com falso entusiasmo, quando vai ser o próximo show e ainda diz que vai.
            
        Contudo, há sempre uma galera fiel procurando música, romance e diversão. No fundo todos procuramos isso e as festas e as noites nos ajudam um pouco...  As mesmas festas e noites que me puseram em um dilema filosófico...
            
         Em certa madrugada, fiquei tocando com vários amigos nas praças da cidade, enquanto uma festa bombava no Skina 10, casa de eventos. Tínhamos conosco três cantores, dois violões, um cajon, uma meia-lua, gaitas, etc. Horas depois mais amigos chegaram com vodka e refrigerante. Bebemos e continuamos a tocar e ficamos naquela onda. Saí com um velho amigo por volta das quatro da manhã pra ver o movimento na festa. Esse amigo estava distante há tempos e claro que ambos não éramos mais os mesmos, mas parece que nosso relacionamento caiu em termos de companheirismos. Moramos longe e a distância simplesmente distancia as pessoas.

 Voltando ao rolé na festa...
  
Muitos estavam indo embora. Fiquei contemplando os que assistiam a noite, os que estavam bêbados, tristes, brigados com os parceiros sexuais, sorridentes, satisfeitos, etc. Eram muitos personagens numa peça noturna e melancólica. A madrugada tem um ar de melancolia. Entendi então que não há sentido nessas coisas, ao menos um sentido como se pensa usualmente.

Demorei pra aceitar, há certo tempo, mas aceitei que a existência humana não tem um sentido absoluto e independente do Homem, como Deus, deuses ou um futuro promissor. Lendo sobre budismo, Schopenhauer e Nietzsche compreendi que não há verdades absolutas. Tudo é criação humana. Assim, a existência tem o sentido que cada um dá a ela. Não há nada independente e além. Não há um Deus olhando seus passos nem um bom futuro esperando todos de braços abertos. Crer nisso é platonismo, é negar esta vida. Entendendo “esta vida” como este mundo, este tempo, basicamente.

A filosofia nietzschiana condena a negação da vida e defende sua aceitação, com todos os seus bons e maus momentos. Eu pensei que conseguia aceitar a vida até que percebi, depois de muito tempo, que a vida não é espetacular. Isso porque quando se fala em aceitar a vida é comum pensá-la como algo grandioso, mas na verdade é vida não é uma arte. Estamos condenados a todo tipo de sofrimento, principalmente o de vivermos insatisfeitos por causa de desejos constantes e expectativas irrealistas. A vida é muito simples, banal e frágil. Tudo é transitório. As coisas boas e ruins passam. Muitas vezes essa vida é a ressaca após uma noite de porre, encenada no silêncio, na solidão e no escuro de um quarto, quando não há mais ninguém pra lhe dar ouvidos, pra escutar um desabafo, e você é atormentado pelos seus fantasmas e demônios.  A seguir, uma imagem do Ouroboros, que representa a eternidade.



Como a vida não é espetacular, o desafio é esse: aceitar algo tão simples e frequentemente enfadonho, tedioso e passageiro. Entra aqui o conceito do eterno retorno nietzschiano, que seria, basicamente, a ideia de que vivências opostas e complementares se alternam durante a existência. Ou seja, sempre experimentamos e experimentaremos alegria e tristeza, saúde e dor e outras vivências opostas e complementares em graus diferentes. Tudo isso já aconteceu antes e vai acontecer de novo. A pergunta que Nietzsche faz é, se a vida é esse ciclo de vivências, ela vale mesmo a pena ser revivida? Você iria querer tudo outra vez? Qual sua atitude frente a esse eterno retorno de sentimentos e vivências?

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira! “Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!”. Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?” (A Gaia Ciência, aforismo 56)


III


Após muito refletir vi que a vida pode ser aceita e apreciada, desde que você não se carregue com expectativas irrealistas, aquelas vontade que você não tem condições de realizar. O budismo já informa que uma das causas do sofrimento é alimentar isso, as expectativas irrealistas, pois elas não podem ser satisfeitas e geram mais e mais insatisfações, e o Homem tem problemas com isso porque é um ser de vontade, como defendem os filósofos alemães citados aqui.

Com os pensamentos mais bem acabados, passei a apreciar e a adorar as noites que vivia com meus amigos, nossas conversas, piadas e música do jeito simples mesmo, pois somos meros mortais. No entanto, a empatia humana me deixava um pouco cabisbaixo ao ver muitas almas sofrendo, usando máscaras pra serem outras pessoas e conseguir assim, quem sabe, companhia pras suas miseráveis solidões. Sem contar os perdidos que mal sabem o que querem, física e emocionalmente, e por agir perdidos, terminam fazendo mal a entes queridos. Nossa raça é assim mesmo, o jeito é tentar consertar o que se pode e tentar esquecer ou relaxar com certos acontecimentos porque o mundo não gira ao redor de ninguém. Muito pelo contrário, gira em desacordo com a nossa vontade e só você mesmo pode se salvar do que você acha que deve se salvar. Não adianta interferir muito nos acontecimentos que rolam fora de sua influência ou tentar vencer guerras que não podem ser vencidas.

Nietzsche também diz que “os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas, mas como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais”. Assim, mal vejo a hora das férias acontecerem mais uma vez com emoções semelhantes as que vivi no mês passado. Mas antes que o novo apareça novamente, preciso contemplar o fim mais uma vez.

          Anuncio o último texto da trilogia sobre as férias: O Crepúsculo de Julho.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Crônicas das Férias: A Gênese de Julho


A Gênese de Julho


Por Thiago Damasceno
           
             Julho chegou com tudo e eu estava em Goiânia com o desejo de ficar estudando, lendo e escrevendo. Confesso que estava acomodado com o conforto solitário de um apartamento. Estava com dúvidas sobre ir pra minha cidade natal, Carolina-MA, e parte de mim não queria mesmo viajar, mas ainda bem que outras forças me moveram até o calor maranhense e eu teria me arrependido salgadamente de tivesse passado o melhor mês das férias longe do Maranhão.
           
         Talvez eu estivesse desanimado pra viajar porque se viajasse, não haveria tempo de gravar mais um álbum do Viajante Clandestino, mas apenas algumas músicas e olhe lá! Heitor também queria passar uns dias em Brasília e eu não sabia o que meus outros amigos músicos estavam aprontando em Carolina. Além disso, não há mais praia em Carolina e um dos balneários do município, a Pedra Caída, tornou-se muito cara, praticamente elitizada. Porém, toda uma galera estaria lá também pra passar as férias em dias ensolarados. Havia um mundo de possibilidades e uma onda de euforia no ar.

            Com tudo isso e um pouco mais na cabeça, cheguei em Carolina na segunda semana de julho, na terça, dia 10, por volta das 22 horas.  Vim em um polêmico e demorado ônibus da Transbrasiliana e pretendo nunca mais viajar nessa empresa, pois a viagem durou quase 22 horas. O ônibus pingou mais que o material aquecido do vulcão Vesúvio quando este destruiu Pompéia, antiga cidade romana. Coisa de louco! O engraçado é que a viagem demorou mais no trajeto mais próximo à Carolina, de Araguaína-TO para Filadélfia-TO. Quando o ônibus cruzou a divisa entre Maranhão e Tocantins fui invadido por um tremendo alívio. O escuro não permitiu que eu visse com mais detalhes o rio Tocantins e a beira-rio da cidade, entretanto havia a velha calmaria no ar, típica de cidades pequenas.
             
       Cheguei na casa da minha avó e tudo estava no mesmo lugar, incluindo minha saboneteira e shampoo no banheiro, que deixaram apenas a poeira ao redor de seus lugares limpos por estarem ocupados pelos recipientes dos produtos. Logo saí pra rever os amigos e a noite terminou numa “chilitada” às duas da manhã na praça da prefeitura. Uma chilitada consiste em comer chilito, isso mesmo, chilito. Chilito com refrigerante em horários e locais não usuais. Uma prova inquestionável da falta do que fazer, algo que eu procurava há algum tempo: fazer pouca coisa ou coisas aparentemente insignificantes. 








      
      No meio dessa aventura encontramos um bando etílico, ou seja, um grupo de adolescentes e jovens que estava bebendo, alguns já rolando pelo chão. Um grupo normal nesses tempos e também normal desde sempre, só não é tão normal um grupo se embrenhar numa praça pra comer chilito de madrugada. Essa atitude é, de certo modo, rebelde, comparada à atitude dos jovens de beber álcool. Todo mundo faz isso, é fácil fazer, é uma atividade cheia de status. O jovem que bebe é visto por outros jovens como alguém legal, de boa, descolado. Enfim, beber é cheio de descolice. Porém, dias depois ficamos também “ortodoxos”, pois também tivemos nossas aventuras etílicas. Vou narrá-las nas próximas crônicas.

Voltando ao encontro com o bando etílico...

Conversamos, comemos, bebemos, atentamos os bêbados, uma mãe zangada apareceu, etc. Sabe a tensão que dá né? Madrugada, jovens, álcool, mães... Mas no fim da madrugada rimos muito de tudo. Nessa minha primeira caminhada noturna pela cidade, vi os lugares frequentados pela galera, os casais, os vícios, as manias, as virtudes, os pecados, os comportamentos e as personalidades que atuavam no palco das férias. Amizades, música, sexo, álcool, aventuras, drogas, romances, ideias, sonhos e frustrações estavam jogados no espaço-tempo sem roteiros.

Julho se mostrava como um trem que se movimentava de forma tão intensa que poderia chegar ao seu destino com tanta força que arremessaria todos os passageiros para fora... Ou poderia simplesmente descarrilhar.



Semana que vem, o segundo texto da trilogia: "A Explosão de Julho".